Humberto Pinho da Silva
Dona Maria José de Noronha e Sá vivia em aparatoso
palacete, cercado de vistoso jardim onde medravam roseiras e frondosas árvores,
nas cercanias da casa onde nasci.
Muitas vezes a vi passar pela minha rua, no seu
Mercedes preto, umas vezes ao volante, outras com o "chauffeur", como
gostava de dizer.
No seu “solar” realizavam-se com frequência
festins esplendorosos, onde a elite da sociedade permanecia até altas horas da
madrugada.
Cansada da agitada vida social, resolveu
recolher-se com o marido a espaçoso apartamento de sóbrio prédio, erguido no
bairro nobre da cidade.
Todas as tardes, recebia na aconchegante salinha,
que permanecia sempre em repousante penumbra, íntimas amigas.
Frequentemente a visitava. Proseávamos do tempo
que já não é, e relembrávamos figuras típicas que viveram no bairro onde
nascemos, em amena e festiva cavaqueira.
Uma tarde de julho, quando já declinava o sol, após a merenda, que era sempre a mesma – chá preto e torradas – confessou-me amarguradamente, quase à puridade:
“Sabes?” – Tratava-me ternamente por tu, como se
seu filho fosse – "Já não tenho tantas amigas como outrora: umas
faleceram; outras foram morar para outras cidades... e ainda outras falam,
certamente, com seus botões: ‘abandonou o palacete, trocou-o por prédio de
Esquerdo–Direito, já não deve estar bem de finanças...’ afastaram-se. Quem
sabe? Receiam que lhes peça alguma coisinha?..."
Camilo, lamentava-se contrito de estar cego, e os
numerosos amigos que o acompanharam nos dias festivos, não o irem visitar,
pensando: o que vamos lá fazer, está invisual?
Também Job, figura bíblica, era rico. Possuía
herdade onde labutavam dezenas de trabalhadores. De súbito, tudo perdeu, até
mulher e filhos. Só, doente, abandonado por todos, era consolado por três leais
amigos, que lamentavam sua triste sorte.
São sempre assim os amigos – há raras exceções –,
semelhantes às formigas que só rondam celeiros cheios.
Com a minha boa amiga, já falecida, os amigos
apartaram-se por terem pensado, erradamente, que estava pobre, e dizem:
“O que vamos lá fazer? Já não precisámos dela...”
Mas algumas já precisaram, e muito...
A ingratidão humana não tem limite.
Título e Texto: Humberto Pinho da Silva, abril de 2025
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