Alberto Gonçalves
Os pasmados são livres de elogiar
fervorosamente a zelosa atuação do prof. Marcelo. Mas convinha notar que cada
elogio é um atestado de menoridade a Portugal.
Uma avioneta caiu em Cascais e
o lugar do acidente foi invadido pelas entidades necessárias: ambulâncias,
mirones, estagiários televisivos e o prof. Marcelo. Num instante, a chegada do
prof. Marcelo tornou-se o centro da notícia, e o rosto dele omnipresente nas
intermináveis reportagens que encheram o dia e animaram a melancolia das
redacções. De cada vez que alguém falava para uma câmara, o prof. Marcelo
plantava-se atrás, a abençoar o que era dito. Ao que tudo indica, o prof.
Marcelo não coordenou a logística, não prestou primeiros-socorros aos feridos,
não ressuscitou os mortos e, ao contrário do que se esperaria, nem sequer
emitiu qualquer palpite.
Então, o que fez ali? Na TVI,
salvo o erro, um sujeito tentou uma explicação: o prof. Marcelo evitou o pânico.
Sem ele, a acreditar nesta apologia, multidões teriam corrido pela A5 afora,
numa debandada em que valeria tudo incluindo arrancar olhos. Com ele, imperou a
calma. Para os que acham que “calma” está longe de ser a palavra mais adequada
a um desastre aéreo, não achem. No dia seguinte, e só no dia seguinte, o prof.
Marcelo apresentou a própria versão dos acontecimentos: “Estava próximo e as
notícias que tinha eram, felizmente, porque depois não se confirmou, muito
piores”.
Apetrechado do extravagante optimismo
com que troca os sintomas de ruína económica por boas novas, o prof. Marcelo
limitou-se a acomodar às circunstâncias a sua visão alternativa (digamos) da
realidade. De facto, a avioneta podia ser um 747, o parque de estacionamento do
Lidl podia ser a audiência do Rock in Rio e – se por redobrado azar o prof.
Marcelo não estivesse próximo – Portugal podia agora chorar milhares de vítimas
fatais. Assim, chora apenas cinco, o que, de acordo com o prof. Marcelo, é
quase motivo de festança.
Enquanto o champanhe não
refresca, vale a pena uma perguntinha: o que é isto? Ao que consta, é um
Presidente da República. Os cépticos, aliás uma minoria desprezível, dividem-se
em inúmeras teorias para decifrar o comportamento do prof. Marcelo desde que
entrou em Belém, no caso da avioneta e no resto. O que é que, afinal,
fundamenta o alegre frenesim do homem?
Uns defendem que o prof.
Marcelo se encontra francamente ao serviço dos poderes vigentes. Outros julgam
que o prof. Marcelo procura armazenar legitimidade e “peso” para o dia em que o
arranjinho governamental nos devolver à bancarrota. Outros ainda juram que o
prof. Marcelo possui um medo fóbico da impopularidade. Outros, por fim,
garantem que a euforia inconsequente é o estado natural do prof. Marcelo. Todos
terão um pedacinho de razão.
A mim interessa menos a
psicologia do prof. Marcelo do que a essência dos respectivos súbditos. É
inegável que, voluntariamente ou não, o prof. Marcelo recuperou a tradicional
figura do pai coletivo e, ao invés de Soares ou Cavaco, adaptou-a à
sensibilidade da época. Os portugueses de sempre precisam de quem pareça
protegê-los. Os delicados portugueses de hoje precisam de quem o faça com
meiguice ou, para usar o ridículo termo em voga, “afetos”. A mistura de ambos
os atributos descreve o sucesso imediato do prof. Marcelo, e descreve-nos
melhor a nós, o “povo menino” a que se referia um falecido poeta – um poeta que
acrescentava: o que não dá é para ser país.
No fundo, não é ao prof.
Marcelo que compete poupar nas fantasias e esclarecer os cidadãos acerca da
fraude em que os afundam. São os cidadãos que, se querem merecer o nome, a
deviam identificar. Os pasmados são livres de elogiar fervorosamente a zelosa atuação
do prof. Marcelo. Mas convinha notar que cada elogio é um atestado de
menoridade a Portugal.
Nota de rodapé
Soube-se recentemente que os
representantes de alguns clubes da bola recebem um relatório semanal com as
opiniões que, a bem da isenção de cada um, devem reproduzir nos programas
televisivos em que participam. No fundo, isto não é mais do que a imitação do
que acontece no mundo partidário, onde os comentadores do ramo –
invariavelmente independentes – se limitam a debitar o evangelho aprendido na
respectiva sede. Umas vezes, é o futebol que segue a política. Outras, como
quando governantes contemplam jogos ao lado de dirigentes desportivos ou se
atropelam para tirar uma “selfie” com Cristiano Ronaldo, é a política que anda
a reboque do futebol. O importante é que a velha e saudável promiscuidade não
se perca.
Por sorte, nem todos se
contentam em manter viva a tradição: há aqueles que procuram renová-la. O PSD,
por exemplo, arriscou um passinho em frente e, na sensata convicção de que duas
desgraças juntas produzem uma benesse coletiva, propôs à câmara de Loures um
senhor que se notabilizou a falar de pênaltis na CMTV. Além de constituir um
gesto de simpatia para com os autarcas que passaram a analistas de arbitragem,
a coisa promete. E já começou a cumprir.
Para início de conversa, o
sujeito em causa, um tal André Ventura, acusou o FC Porto de “ingerência
eleitoral”. Certas almas ofenderam-se sem razão. É natural que o sr. Ventura
leve para a disputa as únicas referências que compreende, mesmo que absurdas.
Se o escolhido fosse um cozinheiro, toda a gente esperaria que a campanha se
centrasse no plágio de ementas. E, a julgar pelas amostras, aposto que o PSD
candidatou um cozinheiro algures. Falta de respeito pelo poder local? Talvez, e
o engraçado é que o poder local merecia ainda pior.
Título e Texto: Alberto
Gonçalves, Observador,
22-4-2017
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