João Miguel Tavares
O PS avaliou mal o
descontentamento do eleitorado flutuante, moderado e centrista, que é aquele
que faz ganhar as eleições.
António Costa perdeu a minha
abstenção no dia em que disse que não viabilizaria o orçamento do governo no
caso de perder as eleições.
Se é certo que Costa nunca
teria o meu voto, porque o seu PS ainda é em larga medida o PS de José
Sócrates, a minha abstenção era muito fácil de obter. Há precisamente um ano,
após ele ter vencido as primárias do PS, escrevi: “Com Seguro, eu seria
obrigado a votar PSD. Agora, pelo menos, já me posso dar ao supremo luxo de
votar em ninguém.” Foi esse supremo luxo que António Costa me roubou – e
desconfio que não foi só a mim.
Conheço demasiadas pessoas que
há seis meses juravam não votar em Passos e que entretanto mudaram de ideias,
não porque a economia esteja espectacular ou porque tenham sido recentemente
descobertas encantadoras qualidades no cerebelo do primeiro-ministro, mas
porque a estratégia de Costa deu o empurrão que faltava à direita desiludida
para colocar de novo a cruz no quadrado da coligação.
Eu votei em António Costa nas
últimas eleições autárquicas, e fi-lo com toda a convicção. Sempre elogiei o
seu excelente trabalho à frente da Câmara de Lisboa, acho que tem boas
capacidades executivas e acredito que é o melhor candidato a São Bento que o PS
tem para oferecer. Acho também que tem lidado da melhor forma possível com a
questão Sócrates, que acertou ao ir buscar Mário Centeno e que foi sério na
apresentação de um programa económico detalhado – coisa que a coligação,
lamentavelmente, dispensou.
Mas a um programa centrista,
António Costa contrapôs com assustadora frequência um discurso de esquerda
radical. À sua direita, ofereceu mapas Excel; à sua esquerda, ofereceu elogios
ao Syriza e discursos anti-austeridade. Adivinhem qual deles ficou no ouvido
dos portugueses. Vá lá saber-se porquê, Costa preferiu ir tentar roubar 100.000
votos à sua esquerda em vez de ir à procura de mais de meio milhão de votos à
sua direita. Ora, só mesmo o Homem Elástico consegue abraçar em simultâneo
Mário Centeno e Jerónimo de Sousa. António Costa não é o Homem Elástico.
O PS avaliou mal o
descontentamento do eleitorado flutuante, moderado e centrista, que é aquele
que faz ganhar as eleições. Houve pequenas decisões simbólicas que deram a 600
ou 700 mil votantes um sinal completamente errado. Será que o centro quer mesmo
a reposição dos feriados? Será que o centro quer mesmo o regresso a uma semana
de 35 horas de trabalho? Será que o centro quer mesmo a diminuição do IVA na
restauração? Será que o centro quer mesmo que seja o Estado a encontrar uma
solução para os lesados do BES? Será que o centro quer mesmo que António Costa
assuma o chumbo de um orçamento que desconhece? Será que o centro acredita
mesmo que o PS está mais próximo do PCP do que do PSD? Esta mistura de
demagogia política com medidas que convidam o país a regressar a um passado do
qual ele quer fugir a sete pés é tudo aquilo que o PS deveria ter evitado.
Muita gente acusa o PSD de não
ter uma perspectiva para o futuro, e isso é em boa parte verdade. Mas as
acusações patéticas de “ultra-liberalismo” têm um efeito contraproducente: dão
a ideia de que a coligação, bem ou mal, está a tentar encontrar um caminho
alternativo, enquanto o futuro do PS é perigosamente parecido com o passado.
Não tenho a menor dúvida de que a esmagadora maioria dos portugueses está
descontente com o sítio onde está. Mas isso é radicalmente diferente de querer ir
para o sítio onde o PS os quer levar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-