Reinaldo Azevedo
No dia em que a Presidência da
República informa o adiamento do anúncio da reforma ministerial — e justamente
em razão de impasses com o PMDB —, o partido leva ao ar o seu programa no
horário político. Vocês constatarão que o mistério sem segredos da peça é um
sujeito que conjuga quase todos os verbos: “Nós”. Alguém poderia dizer: “Ah, as
falas se referem a nós, os brasileiros”. Com a devida vênia, é um jeito
inocente de ver as coisas. O “nós”, inequivocamente, é o PMDB. E a legenda se
coloca como alternativa ao PT e, é inescapável constatar, a Dilma. O vídeo está
aí, mas recomendo que leiam antes o texto.
Não há por que economizar
palavras ou juízos: trata-se, sem dúvida, de um programa de oposição. Note-se,
alias, que a ministra Kátia Abreu (Agricultura), que se tornou também amiga
pessoal da presidente, não só uma aliada política, está ausente.
O programa abre com uma tela
negra, onde surge uma apresentadora, igualmente vestida de negro, para anunciar
que o “país enfrenta uma crise econômica, que já resulta em recessão e
desemprego, e uma crise política que retarda a mudança desse cenário”. O
resultado é “uma sociedade angustiada, à espera de soluções, cansada de sempre
pagar a conta, pessimista diante do nó, que não se desfaz”. Aos 28 segundos, de
forma inequívoca, o PMDB anuncia pela voz de sua apresentadora:
“É hora de deixar estrelismos
de lado; é hora de virar esse jogo”.
O leitor sabe que a “estrela”
é o símbolo do PT. O “estrelismo” aí, claro!, não é sinônimo de protagonismo —
até porque a palavra, com esse sentido, nem se encaixaria bem no discurso.
Reescrevo a frase segundo o que ela quer dizer: “É hora de deixar o petismo de
lado”. E vem o arremate: “É hora de reunificar os sonhos”. No dia 5 de agosto,
Michel Temer, vice-presidente, numa entrevista muito mal recebida pelo PT,
afirmou: “É preciso que alguém tenha a capacidade de reunificar a todos”.
Em seguida, a tela é tomada
por retratinhos de peedembistas, e emerge, então, a figura do vice como líder
inconteste do partido. Ele diz ser preciso pôr o Brasil acima de interesse
partidário ou motivações pessoais”. Em contraste com um governo considerado
inábil, hesitante e nada ético, Temer ensina: “Crise, se enfrenta com união,
com coragem, com determinação e retidão”.
Líderes do partido passam,
então, a fazer exortações quase sempre em tom oposicionista. Muitos pregam a
necessidade de “reconhecer o erro”. Algumas falas merecem destaque. Renan
Calheiros (AL), presidente do Senado, resume: “Governos passam (…) O que a
gente tem de defender são os interesses do país”. Eduardo Cunha (PMDB), que
preside a Câmara e em cujas mãos está o princípio do que pode ser o
impeachment, anuncia: “Chegou a hora da verdade! Chegou a hora de dizer que
país queremos”.
O mais eloquente de todos os
textos, sem dúvida, foi o que coube a Moreira Franco, ex-governador do Rio e
peça central hoje no esforço do PMDB de ganhar musculatura própria. Depois de
Leonardo Picciani (RJ), líder do PMDB na Câmara, dizer que nada é mais normal
do que o maior partido propor diálogo, Franco emenda: “Foi assim na volta da
democracia, na estabilização da nossa moeda, nos avanços sociais dos últimos
anos. E vai ser assim também agora na reunificação do país. O PMDB forte faz
você forte, faz o Brasil forte”.
É evidente que esse é um
partido que se mostra disposto a conduzir, não a ser conduzido.
E frases outras vão sendo
ditas, ora pela locutora, ora por lideranças do PMDB, numa jogral. O alvo de
sempre é o governo Dilma:
- “O Brasil não pode viver de
promessas” (locutora);
- “Temos de saber qual é a
proposta concreta para sair da crise. O Brasil precisa dessa direção”
(Marquinho Mendes, deputado federal-RJ);
- “Um Brasil que se dizia tão
gentil com seus filhos, de repente, resolve cobrar a conta. Isso dói”
(locutora);
- “Não dá para manter o país
desacreditado, e os brasileiros pagando a conta” (Fernando Jordão, deputado
federal-RJ);
- “A solução não está na
criação de mais impostos para tapar buracos no Orçamento” (Lúcio Vieira Lima,
deputado federal-BA);
- “O Brasil e seus filhos
querem ser abraçados” (locutora);
- “Temos toda a capacidade de
retomar o caminho do crescimento e não vamos decepcionar” (João Arruda,
deputado federal-PR);
- “E eu posso garantir que
existe muita gente capaz e pronta para entregar o Brasil que foi prometido a
você” (Raul Henry, vice-governador de Pernambuco);
- “Estamos descobrindo um novo
Brasil; um Brasil que não se cala diante dos erros” (locutora);
- “O Brasil quer mudar. O
Brasil deve mudar. O Brasil vai mudar” (locutora);
- “O Brasil quer e vai
avançar” (locutora).
E, então, Michel Temer volta para encerrar o
programa. A fala é eloquente:
“Quero lembrar que os mesmos
motivos que geram uma crise e trazem desencanto também servem para darmos
exemplo de responsabilidade e de trabalho. Assumindo e, acima de tudo,
corrigindo erros, mostraremos a todos que somos um país confiável”.
Isso parece ser o norte moral
de um governo, não é mesmo? Falta alguém com experiência para tocá-lo e que não
se assuste com facilidade. Será que o PMDB pensa em alguém?
Temer, então, diz:
“Na minha trajetória, como
cidadão e homem público, já vi e convivi com situações bem mais difíceis do que
a que enfrentamos agora. Não tenho dúvida de que seremos capazes de superar
esse momento (…) Tenho a clara certeza de que vamos vencer essa batalha. (…)
Boa noite e dias melhores para todos nós”.
A figura do vice, que ocupa,
então, a tela se multiplica em dezenas e dá lugar ao logo do partido. Um
locutor, em off, põe um ponto final: “PMDB! É hora de reunificar os sonhos”.
O PMDB, não há dúvida, se
disse pronto para assumir a Presidência.
Título e Texto: Reinaldo Azevedo, VEJA, 25-9-2015
#prontofalei – O PMDB na TV
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