Maria João Avillez
Fui-me espantando de vez para
vez, não era este político que tinha na cabeça quando tudo isto começou, em
Maio de 2015, no jardim da Ribeira das Naus. Que esquisito. Tanto nevoeiro que
entrou.
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Foto: Vitor Chi |
“Está a entrar o nevoeiro” dizia alguém há
dias, sentado na esplanada duma praia do norte, com a mesma certeza com que
diria ao amigo, “olha, vem ali o Manel”. Sabia que o dia se estragara de vez. O
nevoeiro no PS também entrou de vez, dando-lhes cabo dos dias.
1. Os socialistas, coisa extraordinária, sempre acharam que tudo
lhes seria fácil, era deixar passar o tempo e cortariam a meta em primeiro
lugar. E não era até tão “barato”? Bastar-lhes-ia dizer mal de tudo, do
governo, da governação, das medidas, da “direita”, da troika, e claro, de
Passos Coelho, o bombo da festa sem direito a uma só folga (de bombo); tão
entretidos andavam neste “malhar em tudo” que também malharam no país, sem
reparar que há portugueses que estranham ou se envergonham, não gostam disso.
Deram-se ao luxo de exibir os Galambas deste mundo como estrelas alumiadoras do
caminho, porque o “centrão” já era deles (e com quem havia o centro de estar
nesta altura das coisas, perguntavam eles, senão com o PS?) E finalmente tão
seguros se encontravam das suas equivocadas certezas que se distraíram de país:
Portugal coincide pouco e encaixa mal naquele “país” que o PS vitupera aos
gritos (porquê sempre aos gritos?) feito quase exclusivamente de desemprego,
infelicidade e fome. Não repararam que não era. Enredados no tédio – ainda
faltava mais de um ano – e no nojo – da coligação –, perderam de vista
Portugal.
2. O PS não compreendeu que o país – uma grande parte dele, pelo
menos – não gostou da austeridade, mas cumpriu-a, engolindo “sacrifícios” e
penas, por perceber que não havia volta a dar-lhe.
O PS não viu (mas os
portugueses viram) que devagarinho se está a sair do pior da crise, mesmo que
só do pior. Sucessivos índices económicos dão aparentemente razão ao governo,
quando (sem gritar) sustenta que já há frutos da sementeira atirada ao tão
árido solo português de 2011 (e quem dava um chavo por aquela terra e aquele
chão?).
O PS não alcançou que se há
colheitas que prometem hoje melhores dias para amanhã, isso foi obviamente
feito com a colaboração dos portugueses e não por um solitário governo,
maldosamente a caminhar “para além da troika.”
3. Distraídos de país e enganados de estratégia, não houve
“diferença”, um factor politicamente crucial, como se sabe. Os socialistas
contentaram-se em achar que a “diferença” eram eles, e que isso chegava.
Bastava-lhes deitar ácido sulfúrico sobre a coligação e pronto.
Faltou essa indispensável
“diferença”, traduzida na esperança de uma mudança para melhor. Isso que, muito
mal comparado, trouxe consigo Obama quando, portador de todas as esperanças e
diferenças, entrou vibrantemente no palco de Washington (e imaginem que sempre
gostei de Costa e nunca de Obama, é assim a vida).
Lembro-me de Francisco Sá
Carneiro e de Cavaco Silva a fazerem isso, eu estava lá. Vi, in loco e ao vivo,
a capacidade de produzir esse indefinível ímpeto interior capaz de arrebatar um
eleitor, acordar um “instalado”, ou retirar um indeciso da sua ilha deserta.
Não tenho visto António Costa a ser capaz de nada disto. (E porque anda ele tão
só? Para onde foi o PS?)
4. Anda por aí, nos “mentideros” mais politizados ou informados, um
debate e não ocioso: Costa já era “este” político que agora nos entra casa
dentro aos saltos ou… o que é que (lhe) aconteceu?
Note-se que a pergunta é a
favor do líder do PS, ninguém a faria a propósito de um qualquer Marinho Pinto,
ou perderia tempo com um político de segunda.
Como indiscutivelmente
pertenço ao grupo do “o que é que lhe aconteceu?”, tenho pasmado com tanto erro
no diagnóstico e tão pouco recomendáveis terapias. A escassos metros e minutos
do desfecho do seu combate decisivo, insisto: “o que é que lhe aconteceu”?
Talvez muito simplesmente
isto: é de outra geração política, tem ideias feitas, segue padrões velhos, usa
instrumentos políticos (e pessoas!) datadas, recorre a manhas que não
interessam a um eleitorado que passou o Cabo das Tormentas, nem interpelam um
país que está a mudar de cultura, mesmo que quase imperceptivelmente.
Cometendo o imperdoável erro
político de se achar por antecipação o dono do eleitorado central, abriu as
janelas à esquerda da esquerda, começando logo por extraordinariamente marcar
presença no Congresso do “Livre” no Outono de 2014. E depois, em Janeiro de
2015, por irresponsavelmente perder a cabeça com a vitória do Syriza, exibindo
publicamente o seu júbilo de adolescente. E depois por anunciar vetos a
Orçamentos desconhecidos e recusas a acordos políticos por definir. Fui-me
espantando de vez para vez, não era este político que tinha na cabeça quando
tudo isto começou, em Maio de 2015, no jardim da Ribeira das Naus.
Que esquisito. Tanto nevoeiro
que entrou.
Se a este estado de coisas
juntarmos a terrível crise da social-democracia tão penalizada recentemente,
sem discurso, sem espaço, sem pontos cardeais e à procura de uma saída de
socorro, concluir-se-á que resta pouco folêgo a esta família portuguesa,
socialista e desunida.
5. Quer dizer que o PS já perdeu as eleições? Não. Quero apenas
dizer que o nevoeiro estacionou, baixo, espesso, sobre o partido. Mas até às 18
horas e cinquenta e nove minutos do dia 4 de outubro, tudo é possível porque
estamos a falar de política. O que eu quero dizer, isso sim, é que quem disse
(aos socialistas) que era fácil ganhar estas eleições (e com que prosápia se
comportaram!) se enganou com estrépito e alarde.
6. Escolher não é uma brincadeira de crianças. Tudo isto torna o
progresso e o sucesso de Costa muito difíceis. Ele agravou as dificuldades,
entrando em cena pela esquerda alta – quando é ao centro que as eleições se
ganham.
Título e Texto: Maria João Avillez, Observador, 30-9-2015
Comentário:
Roger Russo
Só me dei conta de que algo
poderia mudar na política em Portugal quando MJA escreveu uma crónica “Já se pode dizer bem de Passos Coelho?”. Para mim tem sido premonitório até
porque não aprecio a senhora – nada de pessoal até porque nunca terei a
possibilidade de a conhecer pessoalmente – portanto é uma antipatia surgida
talvez da leitura do agora execrável Expresso, porém a crónica de hoje parece
ser o corolário definitivo de uma demonstração lógica.
Não estou preocupado com a
vitória de nenhum partido. Não estou mesmo. Até gostaria de ver a esquerda a
governar, mas na verdade não sei, gostaria?!
Porém, o meu contentamento
residiria na derrota socialista. É que já não tenho pachorra para aturar a
pesporrência iluminada da bandalheira socialista de subsídios dependentes e
apaniguados que se acha dona do país e se arroga o direito de nos pastorear
politicamente e de nos encaminhar alegremente para bancarrotas – e vão três – e
para o predomínio do político de barganha sobre a crua realidade da economia.
Estou farto. Cansado de tanta arrogância, ganância e ignorância acumulada. O
que é demais nunca lhes é o bastante.
Para mim basta! Só por isso
gostaria que perdessem. Talvez que daqui a quatro anos se apresentassem de cara
limpa sem a tralha soarista e socrática e com uma social-democracia renovada e
uma prática clara e limpa da política. Nesta eleições que se “lixem”!
Roger Russo, 30-9-2015
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