Rui Ramos
Para a nossa oligarquia
política a simples possibilidade de uma derrota de António Costa é algo de
incompreensível. A "austeridade" afinal não foi má? Terá sido a
Grécia? O Sócrates? Não percebem.
Por que é que António Costa
perdeu as eleições? A resposta, como é óbvio, é que ainda não perdeu. Mas é
essa a pergunta que já toda a Lisboa oligárquica faz, muito impressionada pelas
sondagens e pelos azares da campanha. A Europa tem-nos dado este ano motivos
suficientes para desconfiarmos de primeiras impressões em campanhas eleitorais.
Mas para a nossa oligarquia política, a simples possibilidade de uma derrota de
Costa já é algo de incompreensível. E isso não apenas à esquerda, como à
direita, porque a oligarquia é oligarquia antes de ser de esquerda ou de
direita.
A primeira razão de
perturbação é esta: um governo que corta rendas e muda hábitos tem de perder
eleições. Este foi, durante décadas, um dos pilares da sabedoria oligárquica, e
a explicação da abstinência reformista do regime. A imaginação dos nossos
oligarcas deriva de leituras liceais dos anos 60 e 70: a si próprios, gostam de
se imaginar a partir dos Maias, de Eça de Queiroz, sofisticados e espirituosos;
ao “povo”, imaginam-no a partir dos Gaibéus de Alves Redol: uma massa
terceiro-mundista e dependente, que cabe à oligarquia dirigir e alimentar. Com
cuidado: é que quando falta comida e sossego, o povo morde — porque “as pessoas
não percebem”. Daí que a “austeridade” só pudesse ser uma receita de derrota. E
daí também que fosse possível conceber o regresso ao poder, como fez Costa,
pelo expediente de repetir que a culpa das dificuldades é só dos mauzões
“neoliberais”. Costa devia neste momento circular de andor nas ruas do país.
Alguma coisa aconteceu: é agora a oligarquia que “não percebe”.
A segunda razão está implícita
na primeira: a oligarquia política é dona do país, e a democracia é o regime
através do qual o povo é convidado a reconhecer esse senhorio. Ora, é difícil
imaginar oligarca mais fácil de identificar do que António Costa. Costa cresceu
ao colo do regime. Não houve dirigente do PS nos últimos trinta anos que não o
tivesse posto num qualquer altar. Costa dá-se com toda a gente, da direita à
esquerda. Chama-se a isso, em linguagem oligárquica, ser “consensual”. Passos
não é assim. Andou na JSD, mas veio da província. Tirando Marques Mendes,
nenhum líder do PSD lhe deu a mão e houve mesmo quem o tivesse perseguido. Não
consta que fale com muita gente. Para a oligarquia, é um intruso, um “desconhecido”,
como insinuou Costa. A frieza com que se permitiu tratar Ricardo Salgado, o
banqueiro do regime, é a prova. No momento em que Costa apareceu, o país, como
o cão de Ulisses, tinha obrigação de reagir. Que se passa? Os portugueses já
não veem televisão?
No país da oligarquia, Ricardo
Salgado ainda deveria ter um banco (com o dinheiro dos contribuintes), um
ex-primeiro ministro nunca poderia ter sido preso, e um membro honorário da
Quadratura do Círculo teria de estar à frente nas sondagens. A oligarquia está
confusa. Querem ver que, afinal, a “austeridade” não foi tão má como os
próprios oligarcas andaram a dizer? Terá sido a Grécia? O fantasma de Sócrates?
As fatalidades do euro? Ou a culpa é toda do Costa, esse eterno hesitante? Tudo
passa pela cabeça aos nossos oligarcas. Menos uma coisa: a hipótese de o povo
os ter percebido, a começar pelo fracasso e fuga de 2011.
No seu desespero, os oligarcas
de esquerda e de direita que cercam António Costa já admitem tudo, por exemplo,
um resultado que lhes permitisse, mesmo perdendo, governar com o apoio do PCP e
do BE. Pouco lhes importa a crise político-constitucional. Para a oligarquia, o
regime vale menos do que o seu poder e a sua influência.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
29-9-2015
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