André Abrantes Amaral
A liberdade também implica um Estado que gaste menos e não cobre tantos
impostos
Com o passar de mais um 25 de Abril, voltámos a ouvir que os portugueses não devem tolerar mais cortes nas
ajudas, nos subsídios e na gratuitidade universal dos serviços do Estado. A
austeridade está a acabar com a convicção de que o Estado é um poço sem fundo e
que todos temos direito a tudo. Que fomos feitos para receber. De onde, de
quem, pouco interessa, desde que o intermediário seja o Estado e ele trate
disso por nós. Delegámos nele o jogo sujo de arranjar receitas de qualquer
maneira. Se com mais impostos, taxas de juros mais baixas ou até com o fabrico,
pelo Banco Central Europeu, de mais dinheiro, pouco importa. Desde que chegue
ao nosso bolso. Foi assim que assumimos a pose de pessoas de bem e generosas.
Uma generosidade imposta a todos, dispersa entre cada um de nós e, por isso,
sentida por ninguém.
Esta posição é vergonhosa e
indigna de ser decretada à conta do 25 de Abril. A revolução dos cravos visou
pôr termo à guerra do ultramar, que destruía a vida de milhares de jovens, e
pretendeu estabelecer uma democracia em Portugal. Que pudéssemos votar, ter
opiniões contrárias à do governo e acesso a uma informação livre e imparcial.
Comparar estes objectivos, dignos e gratificantes para quem a eles se propôs e
por eles se bateu, com a mera exigência de mais direitos, à custa do esforço de
outros, é um insulto. No entanto, há quem faça precisamente isso: exija do
Estado a prestação de múltiplos serviços, alegando um direito baseado na mera
existência. Existo, logo exijo. Foi para um país de cidadãos de mão estendida
que se fez o 25 de Abril? Terá sido para esta falta de brio que saltámos de uma
ditadura para uma democracia? Não me parece. Foi para quê, então?
Acima de tudo, pela liberdade.
Não só de votarmos, mas de, através do voto, procurarmos soluções para os
problemas e, dessa forma, vivermos melhor. De não ficarmos presos às decisões
tomadas há 38 anos, mas conseguirmos decidir de acordo com as necessidades e as
vontades de hoje. Por isso, além da escolha de um governo, a liberdade implica
viver e decidir sobre os problemas que afectam a vida de cada um de nós, sem a
interferência de terceiros. Esta liberdade, que Isaiah Berlin definiu como
negativa, é aquela que devemos aprofundar em cada dia que passa das nossas
vidas. Trata-se de um processo quase tão difícil quanto planear e levar a cabo
uma revolução. Consiste num esforço diário, dissolve-se se não constar de uma
prática habitual, implica uma vigilância constante da nossa parte. Obriga-nos a
melhorar e a escolhermos o caminho mais difícil: o de assumirmos a
responsabilidade das nossas vidas, de forma a não sermos um peso para os
demais. E se tomarmos consciência da dimensão desta empreitada, reparamos que é
um dever o que se nos impõe: sermos individualmente livres de forma que os
outros também o possam ser. Se não o fizermos, a liberdade de que tanto se fala
nestes dias será oca e pouco significado terá. Serão livres os que esperam e
não os que procuram. A liberdade desaparecerá à primeira dificuldade e será
trocada pelo que se apelida de segurança. Como se esta fosse possível sem que
se respeite a vontade e os desejos de terceiros.
O apreço pelo trabalho do
outro implica um esforço suplementar da nossa parte. O direito ao ensino e ao
trabalho não pressupõe que estes nos sejam concedidos, mas que possamos lutar
por eles. Da mesma forma, a gratuitidade de prestações sociais a quem as pode
pagar, porque implicam um ónus sobre o trabalho dos restantes cidadãos, são uma
farpa na sua liberdade individual. Na liberdade de trabalhar e usufruir, o
máximo possível, dos seus rendimentos. Quanto mais subsídios recebemos, mais
impostos pagamos e menos livres somos. Só uma sociedade respeitadora desta
liberdade tem condições de ajudar quem precisa, os verdadeiros pobres, e não os
que, em seu nome, se arrogam o direito de receber. É assim que a liberdade dos
solidários passa mais por prescindir do que por impor obrigações.
Título e Texto: André Abrantes Amaral, jornal “i”, 28-04-2012
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