"Quem lê a imprensa portuguesa,
ouve as nossas rádios e vê as nossas televisões vive num mundo paralelo onde se
chora, a cada segundo, a falta de mais socialismo.
É por isso que é interessante
ler quem pode ir lá fora respirar outros ares. Como sucede neste texto de João Carlos Espada, ontem, no Público
(sem link). Leiam e depois pensem em como se poderá mudar isto:"
Surpresa no Brasil,
choque em Portugal
Quando se chega a uma certa
idade, pensamos que já nada nos vai surpreender. Esse era certamente o meu estado
de espírito quando há precisamente duas semanas aterrei em Porto Alegre, no
estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Não era a primeira vez que visitava o
Brasil, embora fosse a primeira visita a Porto Alegre, e não havia motivo para
esperar grandes surpresas. Mas enganei-me redondamente e, ainda agora, no
rescaldo da viagem, tenho dificuldade em ordenar o turbilhão de impressões que
esta viagem me deixou.
Não foi o samba, nem o
Carnaval, nem as praias de que habitualmente se fala – e que, aliás, não vi.
Foi uma sociedade civil vibrante, em perpétuo movimento, com uma energia
empreendedora que só tem paralelo nos EUA (e talvez na China e na Índia, mas
devo admitir que não senti aí a mesma energia).
![]() |
Porto Alegre, Brasil. De cima
para baixo: Usina do Gasômetro, Estátua do Laçador, Cais Mauá, Mercado Público
e Monumento aos Açorianos diante do prédio do Centro Administrativo do Estado.
|
Assisti a um congresso de
dois dias com 5200 pessoas. Era a 25.ª edição do Fórum da Liberdade, promovido
pelo Instituto de Estudos Empresariais, e que teve lugar na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Parecia que estávamos em Nova
Iorque ou Washington. Uma organização ultraprofissional, amaciada pela incrível
simpatia brasileira. Milhares de pessoas aprumadas, devidamente vestidas,
pontuais, alegres e bem-educadas. Uma universidade com 30 mil alunos, num único
campus, uma verdadeira cidade, que não recebe um real do Estado.
E, sobretudo, o que diziam,
era inacreditável o que diziam. Celebravam a democracia e a liberdade, os
direitos da pessoa humana e, por essas razões, o livre empreendimento, a
limitação do Estado, o combate à corrupção e ao compadrio promovido por
dinheiros públicos. Enalteciam a livre concorrência, não pediam subsídios ao
Estado, combatiam os subsídios do Estado e o favorecimento pelo Estado de umas
empresas em detrimento de outras. Exigiam impostos baixos e concorrência no
fornecimento dos serviços públicos, sobretudo na educação e na saúde.
Era bom de mais para ser
verdade. Mas era verdade. Simultaneamente, estas pessoas não mostravam qualquer
sinal de arrogância. Exprimiam o maior apreço por Portugal, embora os seus
antepassados não fossem apenas portugueses, mas também polacos, italianos,
alemães e japoneses, além de índios e africanos, entre muitos outros. Um
verdadeiro melting pot, com uma matriz portuguesa que todos enfatizavam. Ouvi
vibrantes elogios aos descobridores portugueses, ao seu espirito de tolerância,
maior do que o dos anglo-saxónicos, disseram-me, e sempre, repetidamente, à
língua de Portugal.
Estas pessoas, ou algumas
delas com quem falei demoradamente, querem reforçar a competitividade do Brasil
no mundo e regulam os seus padrões pelos da América do Norte. Mas querem
reforçar os laços com Portugal. Surpreendem-se por ser mais fácil obter dupla
cidadania com Itália do que com Portugal. Gostariam que houvesse um mercado
único entre Brasil e Portugal, semelhante ao que existe na União Europeia.
Preconizam o mútuo reconhecimento imediato de diplomas escolares e de empresas.
Gostariam de ter mais facilidade em investir aqui e de trabalhar aqui. “Há 190
milhões de falantes de português no Brasil”, explicaram-me, “que têm apreço por
Portugal. Muitos gostariam de educar os filhos em Portugal, de investir em
Portugal, de passar parte das suas reformas em Portugal. Não será este um
mercado excitante para os portugueses?”
Parece-me que sim, eu pelo menos saí do Brasil contagiado pela energia criativa e empresarial do Rio Grande do Sul. Mas, quando aterrei em Lisboa, tive o primeiro choque lusitano, depois da agradável surpresa brasileira. Na primeira banca de jornais, uma revista de grande circulação titulava na capa: “Precisamos de um novo 25 de Abril?” Não pude acreditar. Temos uma democracia e perguntam se precisamos de um golpe de Estado? Terei chegado por engano à Guiné?
Parece-me que sim, eu pelo menos saí do Brasil contagiado pela energia criativa e empresarial do Rio Grande do Sul. Mas, quando aterrei em Lisboa, tive o primeiro choque lusitano, depois da agradável surpresa brasileira. Na primeira banca de jornais, uma revista de grande circulação titulava na capa: “Precisamos de um novo 25 de Abril?” Não pude acreditar. Temos uma democracia e perguntam se precisamos de um golpe de Estado? Terei chegado por engano à Guiné?
Não foi engano. Passa-se os
olhos pelos jornais e vê-se uma cacofonia de reclamações igualitárias,
reclamações de mais Estado, mais subsídios, mais garantias. O pobre Governo
debaixo de fogo pelas tímidas medidas reformadoras que tem tomado – em vez de
lhe reclamarem uma drástica descida dos impostos e um vigoroso convite ao
investimento externo. Os nossos jovens fogem para o estrangeiro em busca de oportunidades,
e os que ficam querem enterrar ainda mais o país, atacando os mercados, um
inexistente neoliberalismo, os alemães e outros europeus empreendedores que
viraram bodes expiatórios da nossa paralisia.
Pobre país, receio ter de
dizer. Mas amanhã regresso à Polónia, cujo Presidente, aliás, nos acaba de
visitar com grande sucesso. Lá reencontrarei a confiança na livre iniciativa
que me surpreendeu no Brasil – e cuja ausência é simplesmente chocante em
Portugal.
Título e Texto: João Carlos Espada, Público
Do blogue “Blasfémias”, 24-04-2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-