Manuel Villaverde Cabral
Pior do que um governo corrupto e politicamente
bloqueado, é um país onde não surgiram formações partidárias capazes de
encabeçar a oposição a fim de substituir o governo ou articular uma fórmula nova
Há menos de ano e meio, fiz
quatro comentários à distância sobre as eleições presidenciais brasileiras de
2014 (1, 2, 3 e 4).
Aí procurei mostrar os principais factores que levaram a presidente Dilma
Roussef não só a uma vitória ínfima (3 por cento em 105 milhões de votantes)
mas sobretudo a uma inversão completa da base social de apoio do Partido dos
Trabalhadores (PT). Essa base transferiu-se gradualmente, desde a primeira
vitória de Lula em 2002, das regiões mais ricas e avançadas do Sul do país,
onde o PT nascera, para os estados pobres do Norte e Nordeste, onde Lula e o PT
sempre tinham sido combatidos pelos «donos do poder» local, mas cujos votos
foram entretanto capturados, por assim dizer, com o assistencialismo
generalizado do governo (o famoso «bolsa família», o emprego público e, mais
recentemente, o programa habitacional «Minha casa, minha Vida»).
Dessa vitória de Pirro, ficou
claro que o Brasil reelegera a presidente por meia dúzia de votos pouco contra
as forças sociais e económicas mais dinâmicas do país em troca daquelas que
menos poderiam contribuir para desenvolver e modernizar o seu sistema político
arcaico. Ao mesmo tempo, o Brasil entrou em recessão económica grave ao perder
os mercados dos países emergentes sem a prometida compensação da procura
interna. E entretanto rebentara o escândalo de macro-corrupção da Petrobrás,
logo a seguir ao esquema tentacular do «mensalão», com o qual o PT comprara, já
não os votos, mas partidos inteiros desde a esquerda à direita, que apoiavam o
governo e as suas políticas contraditórias. Perante este cenário político-partidário
e ético-comportamental, num Congresso com 27 partidos sem base militante
excepto o PT, era patente a inviabilidade funcional, para não falar da
legitimidade sócio-cultural, do governo liderado pelo PT.
A meio do período decorrido
desde então, estive no Brasil, onde para ver que, pior do que um governo
corrupto e politicamente bloqueado, era um país onde, apesar das manifestações
e contra-manifestações contínuas, antes e depois da reeleição de Dilma,
seguidas pela campanha a favor da demissão da presidente (impeachment),
não surgiram formações partidárias capazes de encabeçar a oposição a fim de
substituir o governo ou articular uma fórmula governamental genuinamente nova.
Por outras palavras: sem
governo que governe nem oposição capaz de o substituir, a luta entre as facções
não poderia senão continuar a agravar-se, enquanto agonizava a governabilidade
do PT e aliados. Porém, dado que o espaço das alternativas não podia ficar
vazio, a justiça assumiu, deliberadamente ou não, o papel das chamadas «Mãos Limpas», conforme sucedera em Itália há várias
décadas. Diga-se desde já, sem que a campanha das «mãos limpas» abrisse o
caminho a alternativas políticas legítimas e eficazes. Pelo contrário, a
judicialização da luta partidária em Itália degenerou no advento de Berlusconi
e na deterioração política ainda em curso.
Não é improvável que um Brasil
ao rubro siga um caminho semelhante ou pior. A falta de um enquadramento firme
como aquele que UE sempre deu à Itália (e a Portugal!), poderá significar no
Brasil a emergência de um populismo exaltado, apresentado em nome dos «pobres»
contra os «ricos», semelhante ao da Venezuela (para não falar da sua
ramificação espanhola, «Podemos»…), conforme se sente já no ar que se respira,
tanto de um lado como do outro da barricada. Ora, o PT não era nada disso antes
de o sindicalista católico Lula, ainda com vínculos corporativos à ideologia
getulista, ser eleito presidente.
Foi o poder e o acesso a
recursos virtualmente ilimitados que acabaram por conferir a um partido que
permaneceu sempre altamente minoritário no Congresso (nunca chegou a ter 20%
dos congressistas), esta exaltação populista a que estamos a assistir e para a
qual não se vê saída. Não serão os procuradores nem tão pouco os juízes, já
atacados veementemente pelo PT, que resolverão a questão político-partidária.
Esta teria de passar, necessariamente, por uma reforma constitucional profunda
que desse conta, entre outras questões brasileiras irresolvidas, da
híper-fragmentação partidária que continua a ser um dos focos da corrupção
generalizada bem como da ausência de efectiva política nacional e inserção
internacional.
A última manobra de Dilma e do
seu tutor permanente, Lula, perante as investigações judiciais e as pressões
para os derrubar foi, como é sabido, levar Lula para o Planalto como uma
espécie de «primeiro-ministro» que iria resolver tanto os problemas políticos
como económicos. À hora a que escrevo, a manobra parece estar a falhar e a
justiça federal quer impedir Lula de tomar posse enquanto o governo apresenta
recurso. A crise dificilmente podia ser mais grave. Já não se mede por horas
mas por minutos. E todavia não surgem alternativas políticas. Apenas uma
crescente hostilidade mútua. Há minutos, foi anunciada a injunção pública da
FIESP – uma espécie de comité central do grande patronato paulista – para que
Dilma se demita e, em boa lógica, Lula se afaste da cena. Ora, a sociedade
brasileira, profundamente desigual como continua a ser, é todavia demasiado
desenvolvida e articulada para ficar paralisada sem uma solução política, nem
que seja de transição. Que solução será essa? Algo veremos em breve!
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador, 18-3-2016
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-