sexta-feira, 18 de março de 2016

O Brasil ao rubro

Manuel Villaverde Cabral 

Pior do que um governo corrupto e politicamente bloqueado, é um país onde não surgiram formações partidárias capazes de encabeçar a oposição a fim de substituir o governo ou articular uma fórmula nova

Há menos de ano e meio, fiz quatro comentários à distância sobre as eleições presidenciais brasileiras de 2014 (123 e 4). Aí procurei mostrar os principais factores que levaram a presidente Dilma Roussef não só a uma vitória ínfima (3 por cento em 105 milhões de votantes) mas sobretudo a uma inversão completa da base social de apoio do Partido dos Trabalhadores (PT). Essa base transferiu-se gradualmente, desde a primeira vitória de Lula em 2002, das regiões mais ricas e avançadas do Sul do país, onde o PT nascera, para os estados pobres do Norte e Nordeste, onde Lula e o PT sempre tinham sido combatidos pelos «donos do poder» local, mas cujos votos foram entretanto capturados, por assim dizer, com o assistencialismo generalizado do governo (o famoso «bolsa família», o emprego público e, mais recentemente, o programa habitacional «Minha casa, minha Vida»).

Dessa vitória de Pirro, ficou claro que o Brasil reelegera a presidente por meia dúzia de votos pouco contra as forças sociais e económicas mais dinâmicas do país em troca daquelas que menos poderiam contribuir para desenvolver e modernizar o seu sistema político arcaico. Ao mesmo tempo, o Brasil entrou em recessão económica grave ao perder os mercados dos países emergentes sem a prometida compensação da procura interna. E entretanto rebentara o escândalo de macro-corrupção da Petrobrás, logo a seguir ao esquema tentacular do «mensalão», com o qual o PT comprara, já não os votos, mas partidos inteiros desde a esquerda à direita, que apoiavam o governo e as suas políticas contraditórias. Perante este cenário político-partidário e ético-comportamental, num Congresso com 27 partidos sem base militante excepto o PT, era patente a inviabilidade funcional, para não falar da legitimidade sócio-cultural, do governo liderado pelo PT.

A meio do período decorrido desde então, estive no Brasil, onde para ver que, pior do que um governo corrupto e politicamente bloqueado, era um país onde, apesar das manifestações e contra-manifestações contínuas, antes e depois da reeleição de Dilma, seguidas pela campanha a favor da demissão da presidente (impeachment), não surgiram formações partidárias capazes de encabeçar a oposição a fim de substituir o governo ou articular uma fórmula governamental genuinamente nova.

Por outras palavras: sem governo que governe nem oposição capaz de o substituir, a luta entre as facções não poderia senão continuar a agravar-se, enquanto agonizava a governabilidade do PT e aliados. Porém, dado que o espaço das alternativas não podia ficar vazio, a justiça assumiu, deliberadamente ou não, o papel das chamadas «Mãos Limpas», conforme sucedera em Itália há várias décadas. Diga-se desde já, sem que a campanha das «mãos limpas» abrisse o caminho a alternativas políticas legítimas e eficazes. Pelo contrário, a judicialização da luta partidária em Itália degenerou no advento de Berlusconi e na deterioração política ainda em curso.

Não é improvável que um Brasil ao rubro siga um caminho semelhante ou pior. A falta de um enquadramento firme como aquele que UE sempre deu à Itália (e a Portugal!), poderá significar no Brasil a emergência de um populismo exaltado, apresentado em nome dos «pobres» contra os «ricos», semelhante ao da Venezuela (para não falar da sua ramificação espanhola, «Podemos»…), conforme se sente já no ar que se respira, tanto de um lado como do outro da barricada. Ora, o PT não era nada disso antes de o sindicalista católico Lula, ainda com vínculos corporativos à ideologia getulista, ser eleito presidente.

Foi o poder e o acesso a recursos virtualmente ilimitados que acabaram por conferir a um partido que permaneceu sempre altamente minoritário no Congresso (nunca chegou a ter 20% dos congressistas), esta exaltação populista a que estamos a assistir e para a qual não se vê saída. Não serão os procuradores nem tão pouco os juízes, já atacados veementemente pelo PT, que resolverão a questão político-partidária. Esta teria de passar, necessariamente, por uma reforma constitucional profunda que desse conta, entre outras questões brasileiras irresolvidas, da híper-fragmentação partidária que continua a ser um dos focos da corrupção generalizada bem como da ausência de efectiva política nacional e inserção internacional.

A última manobra de Dilma e do seu tutor permanente, Lula, perante as investigações judiciais e as pressões para os derrubar foi, como é sabido, levar Lula para o Planalto como uma espécie de «primeiro-ministro» que iria resolver tanto os problemas políticos como económicos. À hora a que escrevo, a manobra parece estar a falhar e a justiça federal quer impedir Lula de tomar posse enquanto o governo apresenta recurso. A crise dificilmente podia ser mais grave. Já não se mede por horas mas por minutos. E todavia não surgem alternativas políticas. Apenas uma crescente hostilidade mútua. Há minutos, foi anunciada a injunção pública da FIESP – uma espécie de comité central do grande patronato paulista – para que Dilma se demita e, em boa lógica, Lula se afaste da cena. Ora, a sociedade brasileira, profundamente desigual como continua a ser, é todavia demasiado desenvolvida e articulada para ficar paralisada sem uma solução política, nem que seja de transição. Que solução será essa? Algo veremos em breve! 
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador, 18-3-2016

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