Cristina Miranda
Podem pintar o quadro como quiserem,
mas o que está a acontecer nas escolas com a comida dos nossos filhos é a repetição
do problema que nos afetou com os fogos: a falência do Estado no seu
dever de proteção. Como se explica que se sirva rissóis sem fritar, carne crua com sangue à vista, lagartas a passear na sopa, quantidades quase inexistentes de proteína? Fácil: o Estado depois de
concessionar um serviço demite-se da sua obrigação de fiscalizar, controlar e
acompanhar o serviço prestado verificando se cumpre ou não o caderno de
encargos. Não faz nada. Como nada fez na prevenção de fogos, como nada fez
na prevenção da legionella em hospitais públicos, como nada faz para fiscalizar
qualquer área da sua competência. O Estado é o ÚNICO principal culpado destas
situações.
A culpa começa no preço. Nos
concursos o preço base é fixado em 1,50€ mais IVA. Não se insere um preço
mínimo dando assim a oportunidade de vender abaixo, até menos 50% do valor de
referência. Ainda, o preço base apresentado pelo Estado é calculado APENAS de
acordo com o histórico! Ou seja, sem cálculos que o justifiquem. Pior: à
empresa não lhe é exigido aquando da candidatura uma nota justificativa de
preço onde se discrimina como se chegou ao preço que vai a concurso e
onde se pode verificar se foram contempladas todas as despesas de acordo com
caderno de encargos, tal como acontece, por exemplo, na área da
segurança privada. Nada. Ora assim, a malta faz o que quer só para ganhar o concurso:
a empresa espreme o preço e o Estado esfrega as mãos de contente porque vai
pagar poucochinho. Assim, temos a fórmula perfeita para ter um serviço da pior
qualidade.
Mas há mais: o preço tem de incluir
sopa, prato, sobremesa, pão, consumíveis, despesas com a loiça, talheres,
tabuleiros, transporte e… pessoal. Como é que a empresa que ganhou concurso até
2020 consegue com valores que vão de 1,18€ a 1,47€ cobrir todas estas
despesas? Eu explico: roubando ao caderno de encargos com o “aval”
do Estado. Há 10 anos o valor de referência a concurso era de 2€. Tirem daí
as vossas conclusões.
O Estado proporcionou
negligentemente que a qualidade fosse descurada escandalosamente ao promover
preços baixos (diga-se abaixo do preço, de custo). Quem se surpreende depois
que haja carnes vindas da China, Espanha ou França, produtos congelados,
filetes com espinhas, peixe congelado da Argentina, sopas com fécula de batata,
sobremesas instantâneas com água, comida que chega em mau estado, problemas com
quantidades, falta de pessoal, plafond de compras que, semana sim semana não,
se esgota ficando a escola sem matéria prima para as refeições?
Não se pode exigir
qualidade a quem vende um produto abaixo do preço de custo. E se isso
acontece é porque interessa ao Estado. A prova está, como já disse na ausência
de nota justificativa de preço no concurso e ausência quase total de
fiscalização com aplicação de multas praticamente inexistentes e
quando se aplicam não são sequer cobradas. Dito de outra forma, ser
prevaricador em Portugal nos concursos públicos compensa porque o Estado nem
sequer se importa com isso.
O estranho é quando
verificamos que com as escolas que não são concessionadas, estas podem gastar
por refeição, apenas com os alimentos – recursos humanos são
pagos à parte – 1,68€ mais 0,22€ de ajudas. Consegue perceber porque razão as
escolas com cantinas próprias funcionam bem? Pois. Os milagres não existem.
Qualidade depende também do preço.
Já morreu uma menina com a bactéria do e.coli por via alimentar naescola. Outra colega encontra-se com os sintomas da bactéria. O caso tem
sido abafado, claro. Tal como toda a censura que já conhecemos sempre que há
mortes nesta governação. Mas a realidade por muito que tentem escondê-la, vem
sempre ao cimo porque é imperioso denunciar. Quem nos protege se não formos nós
próprios a fazê-lo ou a exigi-lo?
Saiba que em caso de se
verificar na escola de seu filho uma ocorrência irregular na cantina, deve
informar a Direção que ao tomar conhecimento tem de atuar junto da empresa para
corrigir. Se persistir a escola deve pedir a intervenção da DGEsTE. Saiba ainda
que todos os dias tem de ser cozinhado duas refeições a mais, uma para a Direção
outra para Associação de Pais e que qualquer pai que o solicite, deve ser
autorizado a provar o almoço.
Agora que sabe seus direitos,
faça uso deles e exija. Só assim podemos prevenir e melhorar as condições em
que são servidas as refeições aos nossos filhos.
Fonte: Jornal Observador
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