segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

O Que Andam Nossos Filhos a Comer?

Cristina Miranda


Podem pintar o quadro como quiserem, mas o que está a acontecer nas escolas com a comida dos nossos filhos é a repetição do problema que nos afetou com os fogos: a falência do Estado no seu dever de proteção. Como se explica que se sirva rissóis sem fritar, carne crua com sangue à vista, lagartas a passear na sopa, quantidades quase inexistentes de proteína? Fácil: o Estado depois de concessionar um serviço demite-se da sua obrigação de fiscalizar, controlar e acompanhar o serviço prestado verificando se cumpre ou não o caderno de encargos. Não faz nada. Como nada fez na prevenção de fogos, como nada fez na prevenção da legionella em hospitais públicos, como nada faz para fiscalizar qualquer área da sua competência. O Estado é o ÚNICO principal culpado destas situações.

A culpa começa no preço. Nos concursos o preço base é fixado em 1,50€ mais IVA. Não se insere um preço mínimo dando assim a oportunidade de vender abaixo, até menos 50% do valor de referência. Ainda, o preço base apresentado pelo Estado é calculado APENAS de acordo com o histórico! Ou seja, sem cálculos que o justifiquem. Pior: à empresa não lhe é exigido aquando da candidatura uma nota justificativa de preço onde se discrimina como se chegou ao preço que vai a concurso e onde se pode verificar se foram contempladas todas as despesas de acordo com caderno de encargos, tal como acontece, por exemplo, na área da segurança privada. Nada. Ora assim, a malta faz o que quer só para ganhar o concurso: a empresa espreme o preço e o Estado esfrega as mãos de contente porque vai pagar poucochinho. Assim, temos a fórmula perfeita para ter um serviço da pior qualidade.

Mas há mais: o preço tem de incluir sopa, prato, sobremesa, pão, consumíveis, despesas com a loiça, talheres, tabuleiros, transporte e… pessoal. Como é que a empresa que ganhou concurso até 2020 consegue com valores que vão de 1,18€ a 1,47€ cobrir todas estas despesas? Eu explico: roubando ao caderno de encargos com o “aval” do Estado. Há 10 anos o valor de referência a concurso era de 2€. Tirem daí as vossas conclusões.

O Estado proporcionou negligentemente que a qualidade fosse descurada escandalosamente ao promover preços baixos (diga-se abaixo do preço, de custo). Quem se surpreende depois que haja carnes vindas da China, Espanha ou França, produtos congelados, filetes com espinhas, peixe congelado da Argentina, sopas com fécula de batata, sobremesas instantâneas com água, comida que chega em mau estado, problemas com quantidades, falta de pessoal, plafond de compras que, semana sim semana não, se esgota ficando a escola sem matéria prima para as refeições?

Não se pode exigir qualidade a quem vende um produto abaixo do preço de custo. E se isso acontece é porque interessa ao Estado. A prova está, como já disse na ausência de nota justificativa de preço no concurso e ausência quase total de fiscalização com aplicação de multas praticamente inexistentes e quando se aplicam não são sequer cobradas. Dito de outra forma, ser prevaricador em Portugal nos concursos públicos compensa porque o Estado nem sequer se importa com isso.

O estranho é quando verificamos que com as escolas que não são concessionadas, estas podem gastar por refeição, apenas com os alimentos – recursos humanos são pagos à parte – 1,68€ mais 0,22€ de ajudas. Consegue perceber porque razão as escolas com cantinas próprias funcionam bem? Pois. Os milagres não existem. Qualidade depende também do preço.

Já morreu uma menina com a bactéria do e.coli por via alimentar naescola. Outra colega encontra-se com os sintomas da bactéria. O caso tem sido abafado, claro. Tal como toda a censura que já conhecemos sempre que há mortes nesta governação. Mas a realidade por muito que tentem escondê-la, vem sempre ao cimo porque é imperioso denunciar. Quem nos protege se não formos nós próprios a fazê-lo ou a exigi-lo?

Saiba que em caso de se verificar na escola de seu filho uma ocorrência irregular na cantina, deve informar a Direção que ao tomar conhecimento tem de atuar junto da empresa para corrigir. Se persistir a escola deve pedir a intervenção da DGEsTE. Saiba ainda que todos os dias tem de ser cozinhado duas refeições a mais, uma para a Direção outra para Associação de Pais e que qualquer pai que o solicite, deve ser autorizado a provar o almoço.

Agora que sabe seus direitos, faça uso deles e exija. Só assim podemos prevenir e melhorar as condições em que são servidas as refeições aos nossos filhos.
Título e Texto: Cristina Miranda, Blasfémias, 4-12-2017

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