José Manuel Fernandes
O problema do PSD é que não tem coragem, e
não tem capacidade, para mobilizar o eleitorado em torno da ideia de um país
com mais liberdade, onde o Estado mande menos para a economia poder crescer mais
Era possível derrotar Fernando Medina
em Lisboa? Creio que sim, se PSD e CDS se tivessem entendido. Com ou sem
candidatura de Cristas. Mas como esta não é a primeira vez que, na capital, a
direita, e o PSD em particular, correm para perder, não creio que esse seja o maior problema de Passos.
O maior problema de Passos é que,
mesmo depois dos difíceis anos de ajustamento, o país não dá sinais de ter
entendido a necessidade de reformas e ele, tal como o PSD (e o CDS), parecem
ter-se resignado a isso. Por isso não tem um discurso político mais coerente e
mais mobilizador.
Pode ter toda a razão do mundo quando
denuncia os truques orçamentais do Governo (e tem), mas isso é pouco. Pode ir
aproveitando as diferentes trapalhadas da geringonça, mas isso também é pouco,
é politiquinha que só mobiliza os ativistas. Pode (e até deve) continuar a
avisar para os perigos do rumo que está a ser seguido, mas continua a ser muito
pouco e muito deprimente. Pior: tudo somado é sempre poucochinho.
Dir-se-á: podia ser diferente? A meu
ver podia, e não apenas fazendo “mais política”, como recomendam os
comentadores que adoram a intriga, a manobra e o jogo de enganos. Mas exigia
outra forma de olhar para o país e de fazer política. Uma capacidade para dizer
sem rodeios que Portugal nunca irá a lado nenhum enquanto não sair deste
atavismo que mistura o corporativismo que vem do Estado Novo com o socialismo
“constitucional”, essa sopa pastosa em que nos movemos e que nunca ninguém
verdadeiramente desafiou.
Reconheço que não é fácil. Em Portugal
o maior partido, como costuma referir Medina Carreira, é o “partido Estado”, pois dele dependem seis milhões de
pensionistas, funcionários públicos e respectivas famílias. Com uma demografia
desfavorável e um eleitorado receoso de mudanças, a vantagem é sempre dos
conservadorismos enquistados. Daí o sucesso das “reversões”, esse regresso ao status
quo e aos “direitos adquiridos”. Daí a dificuldade de encontrar um
discurso de mudança que não tenha como contraponto os papões e os fantasmas de
sempre, centrados na defesa (ou mesmo expansão) de um Estado Social intocável
mesmo que com crescentes dificuldades de financiamento.
Em boa parte, foi esse país que soube
resistir às reformas dos últimos anos – resistiu na rua e nas empresas
mobilizado pelo PCP, resistiu nas televisões pela voz dos “senadores” com lugar
cativo, resistiu nas instituições, com destaque para o Tribunal Constitucional.
Resistiu sobretudo no discurso dominante, repetido à exaustão pela generalidade
da comunicação social.
Reconheço também que é tentador
continuar a fazer a política do costume. É mais fácil fazer um discurso sobre
os balcões que vão fechar da Caixa Geral de Depósitos do que assumir que o
banco público tem de ser gerido como um banco privado. Ou mesmo interrogar-se
sobre o porquê de um banco público que andou a financiar as megalomanias dos
governos (e assim cavou o buraco que os contribuintes vão agora ser chamados a
tapar) e que, afinal, só tinha 7% da sua carteira de crédito nas PME. Assim
como é mais difícil contestar as benesses que a Carris municipalizada anda a
prometer aos lisboetas (sem dizer como as vai financiar) do que criar um
problema político suscitando a contestação dos concelhos em redor de Lisboa.
Acontece, porém, que assim não se vai
a lado nenhum. E só se irá a algum lado quando se mudar o discurso e se começar
a defender, de forma coerente, sistemática, teimosa, uma agenda política que defenda
mais liberdade, mais iniciativa e mais responsabilidade. Quando se insistir que
o Estado tem poder a mais em Portugal – manda demais, regulamenta demais,
intromete-se demais, protege demais e protege mal (pois não protege apenas os
necessitados, protege também os poderosos quando estão aflitos). Quando se
disser que o problema do Estado não é ter burocracia a mais (para isso servem
os simplexes deste mundo), mas ter o poder de se intrometer em quase todos os
domínios da nossa vida, e na vida das nossas empresas. Quando se disser que uma
sociedade comparativamente pobre, como é a portuguesa no quadro da União
Europeia, não pode pagar tantos impostos e tantas contribuições, que a escolha
é entre devolver dinheiro aos cidadãos e às empresas ou devolver dinheiro aos
funcionários públicos e às corporações. Quando se assumir que a reforma do
Estado é para acabar com muitas das suas funções tentaculares, com muitos dos
seus privilégios (4,5 funcionários por cada chefe na Direção-Geral da Segurança Social? “Benefício adicional de mais 12 dias anuais de não trabalho”?) e com todas aquelas
regras que permitem aos funcionários agir discricionariamente, preconceituosamente.
Os hospitais EPE acumulam dívidas? O
Serviço Nacional de Saúde tem cada vez mais dificuldade em conter o crescimento
das suas despesas? Então em vez de denunciar apenas as dívidas é preciso
começar a dizer que chegou o momento de rever o modelo de financiamento de todo
o sistema de saúde, até para os cidadãos (que já suportam um terço das despesas
com saúde) terem noção de que não é tudo grátis.
As escolas públicas continuam
prisioneiras da Fenprof? Então é chegado o momento de assumir que isso só
sucede porque a 5 de outubro tem poder a mais, da colocação de professores à
definição dos detalhes da rede escolar, e as famílias têm poder a menos, pois
estão condenadas (as mais pobres) a ter os seus filhos na escola que o Estado
escolhe e não naquela onde gostariam de os colocar.
Não há esperança para Portugal –
sobretudo não há esperança para os que em Portugal têm menos de 40 anos –
enquanto estivermos presos na redoma de uma economia que não cresce porque
esbarra em regulamentos ou desespera perante a ineficácia da Justiça, enquanto
o Estado consumir mais de 40% dos recursos nacionais (em 2016 consumiu mais de
45%), enquanto a cultura dominante for a de nos encostarmos (cidadãos e
empresas) ao Terreiro do Paço em vez de fazermos pela vida, com os altos e
baixos que isso implica.
A grande derrota dos anos da troika não foi ter ficado
aquém das metas orçamentais – foi ter perdido (até por falta de comparência) a
batalha das ideias, um debate que não é entre austeritários e
anti-austeritários, mas entre reformistas e imobilistas, entre liberais e
estatistas, entre modernizadores e conservadores.
O grande equívoco da anterior maioria
é não entender que, apesar do “partido Estado”, há ao mesmo tempo um solo
fértil para defender ideias como a de devemos devolver poder aos cidadãos, para
lhes dizer que podem ter mais liberdade nas suas opções, para acrescentar que
isso implica terem mais responsabilidade e assumirem as consequências. Num país que não está feito para os mais novos estes não
estão condenados a ficar reféns de ideias
velhas, como as da precariedade, antes podem abraçar ideias novos, como as
de risco e oportunidade.
É aqui que está o real drama de Passos
Coelho – dele e de todos os que em Portugal não são da esquerda situacionista.
Um drama que começa num ambiente cultural, social, demográfico, comunicacional
hostil, mas que é ainda maior se pensarmos que se desistiu da luta de ideias e
se procura vencer eleições apenas com base no “pragmatismo” e no “realismo” das
promessas.
“Raciocínios e ideias, isso
interessa-me”, diz a certa altura Meryl Streep no papel de Margaret Thatcher no
filme “A Dama de Ferro”. Isso mesmo, porque “um líder é alguém
que sabe o que quer alcançar e consegue comunicá-lo”. Infelizmente hoje
pensa-se que o pragmatismo tem mais valor do que as ideias, que ter ideias é
ter “obsessões ideológicas” (de resto só se pode ter obsessões ideológicas de
esquerda, pois essas não são “obsessões”), que pensar a política já não é um
domínio de escolhas difíceis e que, afinal, os recursos não são escassos.
Enquanto em Portugal se tiver medo de
discutir ideias, enquanto se ficar aterrorizado apenas com a perspectiva de que
defender menos Estado tentacular é permitir que a esquerda salte logo com
acusações de que se está a defender interesses privados, o debate público
estará sempre inquinado por aquilo a que um dia Raymond Aron chamou
“sinistrismo”, isto é, estaremos mergulhados numa cultura política onde um dos
lados tem sempre razão e o outro tem sempre pecados.
Friedrich A. Hayek, Nobel da Economia,
escreveu um dia que “as ideias dos economistas e dos cientistas políticos são
mais poderosas do se julga: na verdade, o mundo é governado por elas”.
Por isso a luta de ideias é boa e não
má. Não a travar em Portugal, resignando-se à derrota sofrida no período do
ajustamento, é condenar o país a nova derrota quando chegar um novo ajustamento
– até porque sem uma mudança de mentalidades só possível defendendo outras
soluções e outras políticas será possível deixar de ir, cantando e rindo,
consumindo e relaxando, a caminho de um novo desastre.
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