Aparecido Raimundo de Souza
I
Tramontino Brandão e mais
cinco companheiros foram convidados para almoçar na casa do Zé do Pagode. Era
aniversário do Carlinhos Salsicha e a data nunca passava em branco. Aliás, de
nenhum deles. Sempre que havia festa, a turma se reunia e comemorava. Nessas
ocasiões, a bagunça geralmente varava a noite. Desta feita, o local escolhido
foi a residência do Zé do Pagode, por ser um pouco maior e contar com um
privilegiado quintal com piscina e quadra de futebol. Antes da hora aprazada já
estava a rapaziada ao redor do barzinho que compunha uma das peças principais
da construção à espera das guloseimas que prometiam ser sortidas.
II
Tramontino Brandão procurara
um lugar singularmente dotado de bons ares para se sentar. Da confortável
acomodação, observava o hall, a sala de leituras e TV, o corredor — no fim do
qual uma escada em caracol ligava aos aposentos do pavimento superior — e, à
esquerda, a copa. Colada ao fogão, uma branquelinha dos cabelos cor de mel
preparava os comes e bebes. Atarefada com as panelas sobre as chapas, a gazela
se deslocava de um lado para outro atropelando o que encontrava. Enquanto isso,
o moço não sabia se prestava atenção ao grupo que tagarelava ou comia com os olhos
o shortinho de lycra, muito curto que mostrava o lombo avantajado da serviçal.
Assim, entre política, oscilações do câmbio, queda do real, subida do dólar e
outras baboseiras, Tramontino Brandão ficava literalmente brancão, balançava a
cabeça afirmativamente feito vaquinha de presépio. Suas vistas não desgrudavam
da dança frenética que a gatinha imprimia às nádegas fazendo a boca sorver
rapidamente cada gole da cerveja que despejavam em seu caneco.
III

IV
De outra, puxava o shortinho
que entrava pelo rego da bunda ou chuchava os ouvidos. Embora existisse uma
torneira ao lado, em nenhum momento chegou a dela se utilizar. Assim, entre
emporcalhamentos e coçadas eróticas, quarenta e cinco minutos depois o tão
esperado almoço ficava pronto. Bocas e barrigas famintas se acotovelaram para
saudar os caldeirões fumegantes. Pratos e mais pratos foram servidos. Que
abundância! Luiz do Botão danou a comer feito louco. Carlinhos Salsicha, nem
piscava, parecia ter chegado da guerra. Pafunciano se deleitava com a salada de
alfaces e tomates. Zé do Pagode largou a cachaça e se concentrou na jarra de
suco. Juarez da Birosca engrenou nos bolinhos de carne e comentou que jamais
comera salgadinhos tão gostosos e suculentos.
V
Tramontino Brandão, contudo,
nada ousou. Sequer experimentou o bife à milanesa, seu prato preferido. Nessa
confusão, o desditoso meteu a cara no vinho e na purinha do litro branco. Fez,
na verdade, uma mistura desgraçada, verdade seja dita. Saiu da casa do Zé do
Pagode carregado por quatro. Um vexame! Por essa razão, deixou de frequentar os
lugares costumeiros. Não marcava presença às reuniões nem dava os ares da graça
nos regozijos da vizinhança. No fundo, se sentia profundamente envergonhado, e
mais, confuso consigo mesmo, pois, no íntimo, achava que deveria ter avisado
seus simpatizantes sobre os modos pouco ortodoxos da incauta com relação à sua
consequente falta de higiene e compostura.
VI
Algumas semanas depois,
entretanto, o inesperado veio à tona e os seis amigos se cruzaram no Juarez:
— E aí, Tramontino? —
perguntou Carlinhos Salsicha. — O que deu em você para fazer uma desfeita tão
grande ao Zé do Pagode, ou melhor, a mim que...?
— Isso, Tramontino! —
interrompeu Luiz do Botão. — Que mico você pagou! O que houve?
— Abra o jogo, homem de Deus!
— insistiu Pafunciano.
— Desembucha logo! —
obtemperou Zé do Pagode. — Seja o que for já rolou. Não estou com raiva de
você. Aliás, nenhum de nós. Somos parceiros de velhos carnavais. Põe para fora,
alivia essa tensão.
— Eu... eu... eu...
VII
— Vamos, criatura! —
corroborou Pafunciano. — Não embroma. Bota aqui uma geladinha, ô Juarez e se
junte à turma. Beberemos como velhos irmãos e companheiros para comemorarmos o
seu retorno, Tramontino. E, é claro, saber tudo a respeito daquele malfadado
almoço. Com certeza, brigou com a namorada.
— Decerto. Foi por isso que
ficou de porre. Tivemos que levar você carregado, meu chapa. Isso, sem falar
nos vômitos nojentos por todo o caminho...
— Mas diabos, meu chapa, conte
de uma vez o que se passou?
VIII
Tramontino Brandão serviu um
dos copos à sua frente. Virou numa golada só. Demorou alguns segundos para
iniciar a narrativa.
— Enquanto vocês bebiam e
conversavam... kikiki... eu observava a empregada do Zé...
— Que mulherão! — lembrou
Carlinhos Salsicha. — E que comida!
— Credo! Você já...?!
— Não estou falando disso, seu
tarado! Estou me referindo à comida... a comida que ela faz. É daqui!
— Os bolinhos de carne, puxa
uma delícia! — retrucou Luiz do Botão.
— É... eu sei... eu sei...
— E por que não os provou?
— Querem mesmo saber? Não vão
ficar zangados? Pois eu conto.
IX
Tramontino Brandão relatou,
então, detalhe por detalhe, como as coisas aconteceram, sem omitir uma vírgula.
Ao final da sua curta exposição, notou pelos semblantes que os ânimos estavam
revoltados, aliás, revoltadíssimos. Percebera mais: havia metido os costados
numa sinuca de bico.
— E você não deu nem um toque
na galera?
— Deixou a gente comer meleca
do nariz daquela piranha?
— E eu que mandei brasa na
salada!
X
Partiram os cinco, para cima
do coitado. Não houve quem pudesse segurar os enlouquecidos. Tramontino
Brandão, sem saída, entrou na porrada feia. Teve que ser carregado às pressas.
Só que, desta, não por bebedeira, nem amparado pelos amigos, mas por populares
que passavam na rua. Ficou na salmoura, internado, com a cara amassada e
algumas costelas quebradas quase dois meses na enfermaria do hospital.
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(COMO OS DEMAIS QUE FOREM PRODUZIDOS), SERÁ PANFLETADO E DISTRIBUÍDO NAS
SINALEIRAS, ALÉM DE INCLUÍ-LO EM NOSSO PRÓXIMO LIVRO “LINHAS MALDITAS” VOLUME
3.
Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. De
Interlagos, São Paulo – diretamente do “Lollapalooza”, 28-3-2017
Colunas anteriores:
Pois é , o velho ditado. Quem vê cara , não vê coração
ResponderExcluirGeralmente se dá mal
José Manuel
Texto excelente, no nosso dia a dia, somos todos um pouco, Zé do pagode, Carlinhos Salsicha, etc, tudo que é manuseado pelas nossas mãos, é anti-higiênico, nas padarias, nas pizzarias, restaurantes, enfim ninguém que trabalha, que tem horários a cumprir, não vai perder tempo lavando as mãos toda hora, se analisarmos, deixaríamos de comer muitas coisas, sempre teve e terá um Tramontino Brandão que tudo vê, e nada fala, mas como diz o ditado, "o que olhos não vêem o coração não sente", nesse caso a boca kkkkk. Parabéns Aparecido
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