Alberto Gonçalves
As reações do PS ao ralhete de Marcelo (de chamar-lhe jumento a
acusá-lo de querer uma ditadura) foram as expectáveis no partido que tem Lula,
Chávez e a Gorda do Frágil como exemplos de sofisticação
1. Dada a
regularidade com que se indignam, é complicado mantermo-nos atualizados com as
aflições dos indignados profissionais. Nos primeiros 50 ou 60 escândalos, uma
pessoa ainda tenta prestar atenção ao sucedido. Após largas centenas, a tarefa
mostra-se impossível – e, dado a histeria infantil normalmente em causa,
escusada. Foi por isso que, em larga medida, a indignação desta semana me
passou ao lado. No máximo, percebi que um juiz invocou a Bíblia e o adultério
para justificar o espancamento de uma mulher. Uma tristeza? Evidentemente. À
primeira vista, e por uma vez, os indignados profissionais pareciam ter razão.
À segunda vista, infelizmente, não têm nenhuma.
O problema é muitos dos e das
feministas agora revoltados com a coutada do macho ibérico (cito outro
magistrado) são, salvo excepções, os mesmos que respondem com acusações de
racismo, xenofobia aos que hesitam em considerar o islão uma religião amiga das
senhoras e propensa à tolerância em geral. E, desculpem lá, não é muito
coerente atacar o juiz que decreta umas atoardas sem fundamento legal e, em
simultâneo, acarinhar a cultura que legalmente recomenda a lapidação pedagógica
das adúlteras.
Não é coerente nem é compreensível.
A menos que, como costuma acontecer, os indignados profissionais possuam
critérios de avaliação variáveis de acordo com a
crença/etnia/ideologia/naturalidade/o que calha de vítimas e carrascos. Talvez
os indignados profissionais achem que as mulheres portuguesas merecem mais
consideração que as muçulmanas. Talvez achem que os homens portugueses batem
mal. Talvez achem que os muçulmanos batem melhor. Certo é que os indignados
profissionais não parecem bater bem.
2. O sr. Sócrates
é um caso. Ou inúmeros casos. Apenas numa semana, com e sem escutas, aprendemos
que:
1) a Ordem do ramo não
considera o sr. Sócrates engenheiro, etiqueta a que aliás meio país só recorria
por galhofa;
2) uma das diversas senhoras
das relações do sr. Sócrates, que como as restantes se servia do homem para
fins materiais, em matéria sentimental preferia Claudino, emigrante e
trabalhador da construção civil;
3) um tal prof. Domingos,
autor do primeiro livro do sr. Sócrates (esta frase é estranha em qualquer
contexto exceto neste), negou que a “obra” tivesse sido escrita em francês,
conforme o ex-primeiro-ministro garantiu para dar “prestígio”;
4) o sr. Sócrates assinou
(aqui o termo é literal) novo livro, e embora ainda se desconheça o autor, o
título (“O Mal que Deploramos”) parece autobiográfico – e não é;
5) o sr. Sócrates tinha na CGD
uma gestora de conta invejável e intransmissível, que lhe dispensava quantias
gordas a tempo de pagar jantares e casacos Prada;
6) o sr. Sócrates não fazia
ideia do dinheiro que (não) possuía, estratégia que de resto adoptou no governo
da nação.
Entre esquemas toscos,
mentiras pegadas e restante parafernália pirotécnica típica dos fura-vidas, o
sr. Sócrates construiu uma figura pública e privada que, desculpem lá, tem a
sua graça. Aos que acusam o indivíduo de prosperar à custa dos outros, e
provavelmente à nossa, respondo que, se calhar, valeu a pena: o abundante
divertimento que o homem regularmente proporciona não podia ser gratuito.
Podia, admito, ser um pouquinho mais barato. Mas de borla ninguém consegue nada
(ninguém, vírgula).
3. Sobre os fogos
e as vítimas dos fogos e as causas dos fogos, ouvi as explicações de centenas
de especialistas e não liguei a nenhuma. Liguei à fornecida por Catarina
Martins, que sem meias palavras culpou os “preceitos neoliberais” pelas
tragédias. É evidente que a tese faz tanto sentido quanto responsabilizar o sr.
Trump pelo violador de Telheiras, ou a Auto Europa pelas sobremesas no Rei dos
Frangos. Mas não resisto a admirar quem passa a vida a proferir insanidades só
para ser aplaudida em cursos de sociologia e alas psiquiátricas.
Pode-se investigar a espécie
de carreira da dona Catarina, ou pegar na senhora pelos pezinhos e agitá-la com
vigor, que dali não sai, nunca saiu, o esboço de uma ideia pertinente, ou
sequer discutível. São anos e anos de disparates sucessivos, sem intervalos
para respirar e, sobretudo, pensar. É preciso coragem. Ou lata, consoante a
perspectiva.
Não há embaraço ou qualquer
outra forma de comedimento que impeçam a dona Catarina de enfrentar microfones
e, naquele jeito pré-apoplético que celebrizou o seu antecessor, aliviar-se da
coisa mais absurda que lhe atravessa a cabecinha. Uma pessoa comum teria, por
assim dizer, vergonha.
A dona Catarina não é uma
pessoa comum: é a pessoa certa no lugar certo, embora o curso de sociologia ou
a ala psiquiátrica também não fossem errados.
4. Por falta de
formação adequada e interesse, não tenciono acrescentar nada à análise das
“relações” entre o governo e o presidente. Limito-me a notar que, por um lado,
as reações do PS ao ralhete do prof. Marcelo (as quais oscilaram entre
chamar-lhe jumento ou acusá-lo de querer implantar uma ditadura) foram as
expectáveis num partido que tem Lula, Chávez e a Gorda do Frágil como exemplos
de sofisticação. Por outro lado, noto ainda que no vergonhoso período que
separou Pedrógão Grande do ralhete o prof. Marcelo fez o possível e mais um
bocado para proteger a “entourage” do dr. Costa. E que, mesmo depois do
ralhete, o abraço apertado à ministra enxotada manchou seriamente a franqueza
dos abraços que, a benefício dos fotógrafos e da popularidade, o prof. Marcelo
andou a distribuir pelos sobreviventes da desgraça.
Ao desprezar, por estratégia
ou convicção, a incúria que causou a primeira vaga de mortos, o prof. Marcelo
absteve-se de impedir o desleixo criminoso na origem da segunda. É por isso que
é inútil, e algo triste, o empenho de tantos em prever o futuro da famosa
“estabilidade institucional”. Útil seria compreender o passado da sociedade que
permite uma estabilidade assim e, sem trocadilhos, instituições assado.
Título e Texto: Alberto Gonçalves, Observador,
28-10-2017
Muito bom
ResponderExcluirGraças a Deus os ministros de Sócrates só o viram no dia da tomada de posse e portanto nunca tiveram oportunidade de perceber a natureza do homem que serviam (e de que se serviam)
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