Valdemar Habitzreuter
O ‘guarda-chuva’ sob o qual
tudo se abriga chama-se Ser. Tudo o que existe está sob sua jurisdição e nada
lhe escapa. No absoluto do ser tudo se move, embora ele próprio seja um
conceito de imutabilidade e permanência. Há várias ontologias do ser. Na contemporaneidade
há uma no sentido de se restringir o ser/ente à categoria da ação artefactual.
Tudo o que há não passa de um movimento, de um processo sob a égide da ação,
agência, perfazimento; isto é, no mundo não há propriamente coisas feitas, o
que há é ação no seio da qual se processa a transformação e evolução do mundo
que percebemos como real; as coisas concretas da natureza não passam de
recortes ficcionais dessa ação que, no entanto, são meios para prosseguir
desenhando o mundo com entes.
Sob esse ‘guarda-chuva’ do ser
está também o ‘ser-aí’ humano que percebe esse processo evolutivo do mundo. Ele
mesmo está sob o élan da ação e vai perfazendo-se, desenvolvendo-se cultural e
tecnologicamente. O ser humano, nesse sentido, é um agente mental que produz
artefatos próprios que por sua vez também refletem uma ação, ou ação em curso.
Uma cadeira que o homem fabrica não é uma mera coisa da natureza, é um artefato
com intencionalidade servindo de assento; cadeira e homem tem seu aspecto
intencional; a intencionalidade do homem é no sentido de fabricar um artefato
para sentar, e a da cadeira no sentido de servir para sentar. Uma pedra bruta
na natureza não é um artefato do homem, mas se ele a esculpe e a utiliza para
sentar nela passa a ser um artefato, pois tornou-a intencional.
Daí os artefatos humanos
pertencerem à categoria da ação ou agência que implica uma intencionalidade, e
intencionalidade nada mais é que uma ação em curso. A mente humana é
intencional e transfere intencionalidade aos objetos fabricados, que por sua
vez retribuem a presteza de terem sido fabricados. Como se uma cadeira
convidasse o seu autor: “senta-te”...
Não que os artefatos sejam
sujeitos pensantes, mas carregados de propósitos que impulsionam ativamente o
modus vivendi natural do ser humano. Já se imaginaram sem luz elétrica, sem
rádio, sem televisão, sem internet, sem carro, sem bola a rolar nos campos de
futebol, sem quadra de tênis... sem fogão e panelas, pratos... Enfim, toda a
parafernália tecnológica que está a nossa disposição no dia a dia? Tudo isso
são artefatos do homem com propósitos próprios que interferem na vida do ser
humano.
Os artefatos não são entidades
passivas, mas há nelas um quê de autonomia agenciadora, embora não
independente, que vai moldando nosso modo de vida. E se um dia ficarmos
totalmente dependentes dos artefatos humanos, como, por exemplo, de robôs ultra
inteligentes, teremos, talvez, uma população frankensteiniana dominando a
humanidade...
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter, 22-10-2017
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Para memória futura
ResponderExcluirAntónio Costa: “Admito que tenha errado na forma como contive as emoções”
Morrem mais de cem pessoas em incêndios, o funcionamento das autoridades foi calamitoso e António Costa acha que errou na forma como conteve as emoções.