Valdemar Habitzreuter
Todas as religiões são boas em
si, ao menos intencionalmente. Embora possamos admitir que são invenções
humanas em que a inteligência toma à frente em celebrar um contrato de garantia
de proteção e salvação com um ente abstrato Todo Poderoso, não podemos esquecer
que isso é próprio do eu superficial sempre às voltas com as vicissitudes da
vida das quais procura se livrar. Tal contrato estabelece um corpo doutrinário
que normalmente é recheado de dogmas misteriosos relevando o lado frágil da
inteligência humana e glorificando a absoluta luminosidade intelectual da
suposta deidade protetora.
Essas religiões oriundas da
inteligência fabuladora são, no entanto, de grande valia para um entendimento
pacífico entre os homens. Quando se faz esse pacto entre o humano e a entidade
divina em que a vida é orientada por normas e diretrizes a fomentar a paz e o
amor entre os homens e, desse modo, esperançosos pelas graças do Todo Poderoso,
isso beneficia a comunidade de prática religiosa, promovendo a tolerância e
ajuda mútua.
Não resta dúvida que se
pratica aí uma religiosidade externa, um comportamento de ostentação. Esse
comprometimento comportamental da observância da doutrina religiosa delineia
uma homogeneidade moral, fazendo com que cada indivíduo colabore para uma
comunidade coesa e forte que beneficie a todos no enfrentamento das
dificuldades que possam advir.
No entanto, tudo o que a
inteligência projeta e planeja tem suas incongruências e dificuldades no que
tange a realizar em profundidade o sentido da vida. Ela em si é egoísta e vê a
vida por um viés superficial. O indivíduo, inserido no contexto da
exterioridade da religião tradicional a que pertence, nada mais faz que
movimentar-se junto com a boiada porque assim lhe é conveniente, fazendo-se
merecedor da proteção divina, segundo o contrato assinado entre o homem e um
Deus.
Mas, como observamos ao longo
da História das religiões, problemas graves sempre pulularam no seio das
religiões. A relatividade e egoidade características da inteligência sempre vem
à tona e o indivíduo tenta dar novos enfoques ao corpo doutrinário ao qual
aderiu, adaptando-os à realidade do momento para sua conveniência. Desavenças internas, muitas vezes, são
patentes em que conflitos antagônicos surgem, perturbando a ordem. Um bom exemplo
foi Lutero quando exigiu uma reforma da religião católica à qual pertencia.
Não menos conflitante são as
posições radicais que certas religiões defendem anatematizando outras e a
beligerância instalando-se entre elas, cada qual querendo impor sua verdade,
seus dogmas e seus ideais de moralidade. Não poucas vezes a intolerância foge
do contexto religioso e toma um viés político envolvendo o Estado e toda a
sociedade então sob o reino da violência em nome de um deus.
Portanto, a exterioridade da
prática religiosa é norteada pela inteligência em que normas morais são
impostas com a finalidade de uma vivência pacifica em comunidade, o que é
bastante louvável, mas não uma garantia de sucesso de erradicar ou amainar do
ser humano sua egocentridade. Sua prática religiosa pauta-se apenas a ter um
conforto emocional e que seu ego não seja perturbado pelos egos dos seus
semelhantes.
Tal prática religiosa, que se
submete pateticamente a normas morais para um convívio pacífico e de
tolerância, diz-se tratar-se de uma religião estática e fechada em si onde não
se tolera comportamentos fora de seus ditames estabelecidos. Não há uma
abertura a que um sentimento mais profundo de religiosidade emerja.
Mas essa abertura tem de ser
feita se se quer uma prática religiosa de valores morais genuínos. Para isso é
preciso deixar aflorar o eu profundo intuitivo que confere à vida um sentido
diferente do eu superficial da inteligência. O conhecimento intuitivo
estabelece-se no interior da vida e a experimenta de um viés místico em que o
divino da vida se deixa revelar e a alegria espiritual é a tônica.
Quem obtiver esse conhecimento
intuitivo da vida pratica uma religião dinâmica sem as normas e prescrições da
inteligência que tolhem a verdadeira religiosidade. A dinâmica da vida
espiritual é uma vivência intima pessoal em que se sente um movimento vital de
pura satisfação interior que se expande em ação para o exterior onde o amor é o
elemento transformador de tudo e de todos para uma vida exultante e com
sentido.
Título e Texto: Valdemar Habitzreuter (filosofando no
dia de seu aniversário), 29-12-2017
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