Cristina Miranda
Foi o fim do mundo em cuecas
esta semana por causa de uma frase, completamente descontextualizada (claramente
propositado) e depois manipulada, alegando ser do socialista holandês,
Dijsselbloem. Ora, nossa querida Comunicação Social escreveu que o presidente
do Eurogrupo terá dito que ” os países do Sul gastavam o dinheiro todo em
álcool e mulheres.”
Porém, a frase foi precisamente esta: “Na crise do euro os países do
Norte mostraram solidariedade para com os países do Sul. Como socialdemocrata,
a solidariedade é para mim extremamente importante. Mas quem a pede, tem também
deveres. Não posso gastar o meu dinheiro todo em álcool e mulheres e
depois disso ir pedir a vossa ajuda. Este princípio vale para o
nível pessoal, local, nacional e também europeu”. Dijsselbloem AFINAL falou na primeira
pessoa, dando-se como exemplo. Por que então toda esta indignação?
Este episódio lembra-me uma
anedota que era assim: Virou-se um indivíduo para outro: “Olá bom dia!” O
outro, pensativo ao fim de uns segundos, responde: “Bom dia?!! Ora bom
dia significa sol. O sol faz crescer a erva. A erva é comida pelas vacas… Ó
carago! Você chamou-me de boi!!!!” É estúpido, não é? Mas foi assim o
raciocínio destes últimos dias…
Ora, não faltou quem visse
nestas declarações claramente fabricadas, insultos, falta de delicadeza, falta
de diplomacia, falta de ética e por aí fora. Desculpem, mas realmente é caso
para ficar-se parvo a ouvir tanta gente com formação académica acima da média a
deturpar uma metáfora transformando-a numa tempestade dentro de uma tampinha de
água. Francamente!
Eu sei bem que levar com um
banho de realidade sobretudo vinda de um socialista, dói e que para o governo
das esquerdas foi traição. Mas há limites. O bom senso mandaria que se olhasse
como deve ser para um comentário que nada mais é do que um aviso à governação
daqueles que andaram a receber largos milhões de euros da UE e que em vez de os
bem gerir, estoiraram literalmente em coisas fúteis e benefícios próprios
colocando seus países em situação de pré-bancarrota. E se fôssemos gente séria,
em vez de arrancar cabelos faríamos mea-culpa e aceitaríamos os factos com
humildade. Fica bem e os credores louvariam tal ato.
Mas não. Sai uma ameaça aqui, mais a exigência de uma demissão acolá e um voto de repúdio a acompanhar, como se fossem virgens
ofendidas imaculadas. A sério? Um governo composto por gente que compara
as negociações a uma feira de gado, que manda apanhar pokémons, que se caga para o segredo de justiça, que atribui disfuncionalidade temporária cognitiva à oposição, que
é mal educado no parlamento, tem alguma legitimidade para se
pronunciar e pedir demissão seja contra quem for?
Acontece que aquela metáfora,
goste-se ou não, assenta que nem uma luva, em terras portuguesas. Não pelo seu
povo, o único que trabalha arduamente qual “campo de trabalho forçado”, para
pagar as contas quase perpétuas dos desvarios governamentais, mas sim, nos
políticos que fizeram a farra toda sem pedir licença a ninguém. E foram muitos
com muitos mil milhões... Foi a festa do parque escolar, foi a festa dos
aeroportos e dos TGV, da festa das autoestradas vazias, festa das rotundas,
festa das formações fictícias, festa dos dinheiros a fundo perdido aplicados em
porsches e casas de férias e offshores, a festa das obras megalómanas, a festa
dos empréstimos milionários sem garantias, a festa dos aumentos salariais,
pensões e regalias públicas.
Na minha opinião, Dijsselbloem
pecou apenas por ser pouco preciso e não ter dito gastar dinheiro em “fotocópias, garrafas de vinho em envelopes com fita cola”
ou “Metro do Mondego que paga striptease, vinho, perfumes e festas“. Aí sim, já
ninguém se revoltaria e não haveriam erros de percepção mútuo.
Título e Texto: Cristina Miranda, Blasfémias,
24-3-2017
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