sábado, 26 de setembro de 2015

Costa dos murmúrios

Poderia o discurso de Marco António, com o cadáver de Júlio César nos braços, confrontado pela multidão de Roma e rodeado dos assassinos do imperador – todos homens honrados – ser adaptado às legislativas portuguesas?
Obrigado, Will Shakespeare

Ao contrário do narrado por Shakespeare, os discursos de Brutus e Antonius não foram nas escadarias do
senado, mas no solene funeral de César dias depois. Gravura de autor anônimo do século XIX

Nuno Rogerio

Amigos, portugueses, concidadãos, emprestai-me vossos olhos e ouvidos.

Venho aqui enterrar a actual coligação no poder, não elogiá-la.

O nobre Costa disse-vos que tal Governo foi ruinoso.

A ter sido assim, pagará duramente, às mãos dele.

Porque Costa é um homem honrado.

Eis a razão pela qual falo neste funeral.

A coligação subiu ao poder, jurando que queria salvar Portugal da ruína.

Mas Costa diz que foi ela a ruína.

E Costa é um homem honrado.

A coligação reinou com intervenção e vigilância externas. Cofres vazios. Dívidas em espiral.

Antes tinha sido o falhanço do quarto PEC, denunciado pela "esquerda" e pela "direita". Os outros haviam sido desfeitos pelas suas próprias insuficiências e erros.

Mas Costa diz que a coligação é que foi então culpada.

E Costa é um homem honrado.
Não venho assim escrever para negar o que Costa disse. Mas para falar do que me lembro.

Lembro-me de um País à deriva, em que cada remendo parecia insuficiente, perante o aumento do abismo. De um executivo em quem já ninguém acreditava.

Lembro-me do que disse, em 23 de Março de 2011, a senadora Manuela Ferreira Leite (cujas ideias Costa aprecia) sobre o PEC IV:
"O problema que está em causa é a confiança deste governo. As mesmas medidas com outro governo teriam outra reacção dos mercados."

E ainda: "A uma situação de quase ruptura financeira junta-se outra de crise política. Os responsáveis são o governo e o Partido Socialista liderados pelo engenheiro Sócrates. Este primeiro-ministro está em funções há cerca de seis anos. Quando ouvi o ministro das Finanças falar pensava que eram só seis semanas. Este governo foi obrigado pelas instâncias europeias a fazer tudo ao contrário do que tinha planeado."


E recordo o que disse o nobre Francisco Louçã: "O PEC confirma que a vossa política só tem um sentido: recessão. Estamos a um passo da bancarrota. O governo também escreveu em inglês à Comissão Europeia: o que interessa é cortar nas políticas sociais. O que este PEC faz é abandonar o País. Mais recessão, mais FMI, mais ataque aos salários."

Mais lembro o que proclamou o tribuno da plebe, Jerónimo de Sousa: "A questão não está em matar a galinha, está em fazer frente aos tubarões, algo que os senhores não têm coragem. O primeiro-ministro diz que se vai embora se o PEC não for aprovado. Outra vez a chantagem."

E recordo outro orador ilustre, Honório Novo (PCP): "O FMI já cá está pela vossa mão, pela mão dos três PEC anteriores. É o FMI que dita as regras, as análises, que decide e que também financia."

Ou falo do que referiu o centurião Portas, sempre irrequieto: "Este governo colocou o País a ser governado por credores. Este PEC IV, como o número indica, é o quarto em menos de um ano. Se Portugal precisar de ajuda externa, é porque o governo trouxe o País para esta calamidade financeira, só com paralelo no século XIX."
Título, Imagem (Segunda) e Texto: Nuno Rogeiro, Sábado, nº 595, de 24 a 30 de setembro de 2015

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