Poderia o discurso de Marco António, com o cadáver de Júlio César nos
braços, confrontado pela multidão de Roma e rodeado dos assassinos do imperador
– todos homens honrados – ser adaptado às legislativas portuguesas?
Obrigado, Will Shakespeare
Ao contrário do narrado por Shakespeare, os discursos de Brutus e
Antonius não foram nas escadarias do
senado, mas no solene funeral de César dias depois. Gravura de autor
anônimo do século XIX
|
Nuno Rogerio
Amigos, portugueses,
concidadãos, emprestai-me vossos olhos e ouvidos.
Venho aqui enterrar a actual
coligação no poder, não elogiá-la.
O nobre Costa disse-vos que
tal Governo foi ruinoso.
A ter sido assim, pagará
duramente, às mãos dele.
Porque Costa é um homem
honrado.
Eis a razão pela qual falo
neste funeral.
A coligação subiu ao poder,
jurando que queria salvar Portugal da ruína.
Mas Costa diz que foi ela a
ruína.
E Costa é um homem honrado.
A coligação reinou com
intervenção e vigilância externas. Cofres vazios. Dívidas em espiral.
Antes tinha sido o falhanço do
quarto PEC, denunciado pela "esquerda" e pela "direita". Os
outros haviam sido desfeitos pelas suas próprias insuficiências e erros.
Mas Costa diz que a coligação
é que foi então culpada.
Não venho assim escrever para
negar o que Costa disse. Mas para falar do que me lembro.
Lembro-me de um País à deriva,
em que cada remendo parecia insuficiente, perante o aumento do abismo. De um
executivo em quem já ninguém acreditava.
Lembro-me do que disse, em 23
de Março de 2011, a senadora Manuela Ferreira Leite (cujas ideias Costa
aprecia) sobre o PEC IV:
"O problema que está em
causa é a confiança deste governo. As mesmas medidas com outro governo teriam
outra reacção dos mercados."
E ainda: "A uma situação
de quase ruptura financeira junta-se outra de crise política. Os responsáveis
são o governo e o Partido Socialista liderados pelo engenheiro Sócrates. Este
primeiro-ministro está em funções há cerca de seis anos. Quando ouvi o ministro
das Finanças falar pensava que eram só seis semanas. Este governo foi obrigado
pelas instâncias europeias a fazer tudo ao contrário do que tinha
planeado."
E recordo o que disse o nobre
Francisco Louçã: "O PEC confirma que a vossa política só tem um sentido:
recessão. Estamos a um passo da bancarrota. O governo também escreveu em inglês
à Comissão Europeia: o que interessa é cortar nas políticas sociais. O que este
PEC faz é abandonar o País. Mais recessão, mais FMI, mais ataque aos
salários."
Mais lembro o que proclamou o
tribuno da plebe, Jerónimo de Sousa: "A questão não está em matar a
galinha, está em fazer frente aos tubarões, algo que os senhores não têm
coragem. O primeiro-ministro diz que se vai embora se o PEC não for aprovado.
Outra vez a chantagem."
E recordo outro orador
ilustre, Honório Novo (PCP): "O FMI já cá está pela vossa mão, pela mão
dos três PEC anteriores. É o FMI que dita as regras, as análises, que decide e
que também financia."
Ou falo do que referiu o
centurião Portas, sempre irrequieto: "Este governo colocou o País a ser
governado por credores. Este PEC IV, como o número indica, é o quarto em menos
de um ano. Se Portugal precisar de ajuda externa, é porque o governo trouxe o
País para esta calamidade financeira, só com paralelo no século XIX."
Título, Imagem (Segunda) e Texto: Nuno Rogeiro, Sábado,
nº 595, de 24 a 30 de setembro de 2015
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