sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Quem vota? O país das televisões ou o outro?

Sofia Galvão

Nestes últimos anos o caminho de muitos portugueses construiu-se na distância da política. Uns por alheamento puro e simples. Outros, por opção consciente como contraprova ao modelo clientelar habitual

Há muito que, entre nós, existe uma indisfarçável clivagem entre o país agitado pelo ruído da comunicação social, sobretudo das televisões, e o outro, um país que trabalha e produz, cada vez mais longe da cacofonia política e jornalística, cada vez mais insensível à sua influência.


No dia 4 de Outubro, os resultados serão função predominante de quê? Do registo excitado e barulhento de televisões e rádios, dos seus alinhamentos pouco inocentes, dos seus sucessivos e intermináveis debates entre interlocutores que só por excepção (ou mesmo lapso) são livres e independentes, dos editoriais da imprensa escrita, da ênfase ou do enfoque dados à cobertura da agenda política, da opinião publicada? Ou, pelo contrário, da percepção vivida do estado das coisas, da evolução feita pelo País e pela circunstância de cada um, de cada família, de cada empresa, da reflexão sobre o futuro que se quer, pessoal e colectivamente, da maturação da experiência, projectada na importância da legislatura que aí vem?

Ao longo dos últimos anos, o caminho de muitos portugueses construiu-se na distância da política. Uns, por alheamento puro e simples, por desnecessidade, por desinteresse, fenómeno tão paradoxal como comum em democracia. Mas outros, por opção consciente, fazendo e consolidando por meios próprios um percurso que nada devesse aos favores do poder, numa espécie de contraprova prática ao modelo clientelar tradicional.

Neste ínterim, a política – ou, pelo menos, a política mediática em que aquela tantas vezes se esgota – pareceu ignorar esta tendência. No mínimo, negou-lhe quaisquer alterações de discurso ou de enfoque passíveis de reverter o fosso que se abria entre a realidade concreta e tangível das vidas das pessoas, com as suas necessidades e urgências, e o desacerto da maior parte das respostas políticas.

Em consequência, o dito fosso não parou de crescer. E do outro lado da política, indiferente aos seus ritmos e ditames, surgiram e alargaram-se os casos de sucesso: os muitos que enfrentam a globalização sem medos ou complexos, desafiando a batalha da inovação, assumindo riscos, apostando na capacidade e no trabalho nacionais, alcançando metas insuspeitadas nas exportações ou assumindo pessoal ou profissionalmente uma dimensão transnacional para as suas próprias vidas. Com eles, fica-nos hoje a certeza de termos um País com muito mais futuro.

Os protagonistas desta mudança, Portugueses que gostam de o ser e que acreditam em Portugal, veem a política como coisa que lhes é estranha. Não se identificam com a sua expressão formal e institucional, desprezam a futilidade e a inconsequência da sua dimensão mediática. Não leem jornais, não ouvem debates, não veem telejornais, preservam o seu sossego, mantendo-se o mais longe possível de discussões que consideram estéreis e alheias à sua própria realidade. E, no entanto, sabem bem que nenhum País vive sem política ou imune aos caminhos da política.

No dia 4 de Outubro, muito do que hoje ainda não se sabe, por entre indecisos e margens de erro, vai jogar-se nesta bissectriz. O país das televisões votará – ou não –, muito provavelmente, de acordo com a ortodoxia das projecções mediáticas. O outro país vai votar – ou não –, certamente, a partir de ponderações muito concretas fundadas na experiência destes anos e, sobretudo, na antevisão do futuro a que aspiram.

De forma muito marcada, disputando o seu próprio jogo em defesa de quotas de mercado, a nossa arena mediática alimenta a agitação – e alimenta-se dela –, induzindo o império da espuma, num vórtice que ganha vida própria e se foca na busca de casos e cachas. Ora, tal registo, num contexto em que se decide a continuidade ou a descontinuidade políticas, serve sobretudo os interesses dos ‘challengers’ e, por isso, o PS e a Esquerda convertem-se em personagens principais desta narrativa. 

Intuindo que, ao contrário do que proclamam, há um risco muito sério de grande parte dos eleitores valorizar positivamente a melhoria dos indicadores económicos e os benefícios da estabilidade política, o PS e a Esquerda fornecem a matéria-prima para a exacerbação de todos os descontentamentos fazendo da comunicação social o seu aliado natural. PS e Esquerda precisam de amplificar a sua presença e de ver incessantemente repetidas e glosadas as suas críticas, no fundo porque sabem que, contra o seu discurso, têm a vivência concreta – pessoal, real – de um processo que, tendo sido extremamente duro, evoluiu favoravelmente, levando os eleitores a temer qualquer inflexão de rumo que os faça reviver o que querem considerar passado e passado irrepetível.

Já a coligação “Portugal à Frente” beneficia, num quadro de recuperação em que qualquer imprudência soará a pura e simples temeridade, da vantagem do incumbente. Vantagem que permitiu a vitória dos Conservadores, no Reino Unido, ou do (novo) Syriza, na Grécia. Nos antípodas das agendas mediáticas, apela à valorização da obra feita e do sentido da evolução verificada – o País sofreu e levantou-se, deu a volta, reconquistou independência e confiança, tem hoje uma perspectiva de futuro completamente diferente do que tinha em 2011.

Mas se – e só se – houver condições para consolidar o caminho feito. E é aqui que a Coligação encontra o País que não vê televisão.

O País que sabe que os experimentalismos económicos e sociais propostos pelo PS e pela Esquerda jamais seriam inócuos e que não quer fazer perigar resultados adquiridos. O País que não aguenta o risco da instabilidade política e da inviabilidade das soluções governativas. O País que recusa entregar os seus destinos a uma frente unitária de esquerda, chamada a terreiro pelo secretário-geral do PS que, antes do voto, interpreta o sentido de putativos resultados eleitorais, rechaçando entendimentos parlamentares à sua direita (seja para viabilizar uma solução governativa, seja para viabilizar o próprio Orçamento de Estado).

Quem vai – ou não – votar no dia 4 de Outubro? Hoje, ninguém sabe ainda. Mas logo veremos se, na intimidade daqueles minutos que decidem se e como se sai de casa, ganharão as ponderações do País real ou as projecções do País das televisões.

No fim, os resultados falarão tanto do País que somos como, em boa medida, da comunicação social que temos.
Título e Texto: Sofia Galvão, Advogada, Observador, 25-9-2015

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