Sofia Galvão
Nestes últimos anos o caminho
de muitos portugueses construiu-se na distância da política. Uns por alheamento
puro e simples. Outros, por opção consciente como contraprova ao modelo
clientelar habitual
Há muito que, entre nós,
existe uma indisfarçável clivagem entre o país agitado pelo ruído da
comunicação social, sobretudo das televisões, e o outro, um país que trabalha e
produz, cada vez mais longe da cacofonia política e jornalística, cada vez mais
insensível à sua influência.
No dia 4 de Outubro, os
resultados serão função predominante de quê? Do registo excitado e barulhento
de televisões e rádios, dos seus alinhamentos pouco inocentes, dos seus
sucessivos e intermináveis debates entre interlocutores que só por excepção (ou
mesmo lapso) são livres e independentes, dos editoriais da imprensa escrita, da
ênfase ou do enfoque dados à cobertura da agenda política, da opinião
publicada? Ou, pelo contrário, da percepção vivida do estado das coisas, da evolução
feita pelo País e pela circunstância de cada um, de cada família, de cada
empresa, da reflexão sobre o futuro que se quer, pessoal e colectivamente, da
maturação da experiência, projectada na importância da legislatura que aí vem?
Ao longo dos últimos anos, o
caminho de muitos portugueses construiu-se na distância da política. Uns, por
alheamento puro e simples, por desnecessidade, por desinteresse, fenómeno tão
paradoxal como comum em democracia. Mas outros, por opção consciente, fazendo e
consolidando por meios próprios um percurso que nada devesse aos favores do
poder, numa espécie de contraprova prática ao modelo clientelar tradicional.
Neste ínterim, a política –
ou, pelo menos, a política mediática em que aquela tantas vezes se esgota –
pareceu ignorar esta tendência. No mínimo, negou-lhe quaisquer alterações de
discurso ou de enfoque passíveis de reverter o fosso que se abria entre a
realidade concreta e tangível das vidas das pessoas, com as suas necessidades e
urgências, e o desacerto da maior parte das respostas políticas.
Em consequência, o dito fosso
não parou de crescer. E do outro lado da política, indiferente aos seus ritmos
e ditames, surgiram e alargaram-se os casos de sucesso: os muitos que enfrentam
a globalização sem medos ou complexos, desafiando a batalha da inovação,
assumindo riscos, apostando na capacidade e no trabalho nacionais, alcançando
metas insuspeitadas nas exportações ou assumindo pessoal ou profissionalmente
uma dimensão transnacional para as suas próprias vidas. Com eles, fica-nos hoje
a certeza de termos um País com muito mais futuro.
Os protagonistas desta
mudança, Portugueses que gostam de o ser e que acreditam em Portugal, veem a
política como coisa que lhes é estranha. Não se identificam com a sua expressão
formal e institucional, desprezam a futilidade e a inconsequência da sua
dimensão mediática. Não leem jornais, não ouvem debates, não veem telejornais,
preservam o seu sossego, mantendo-se o mais longe possível de discussões que
consideram estéreis e alheias à sua própria realidade. E, no entanto, sabem bem
que nenhum País vive sem política ou imune aos caminhos da política.
No dia 4 de Outubro, muito do
que hoje ainda não se sabe, por entre indecisos e margens de erro, vai jogar-se
nesta bissectriz. O país das televisões votará – ou não –, muito provavelmente,
de acordo com a ortodoxia das projecções mediáticas. O outro país vai votar –
ou não –, certamente, a partir de ponderações muito concretas fundadas na
experiência destes anos e, sobretudo, na antevisão do futuro a que aspiram.
De forma muito marcada,
disputando o seu próprio jogo em defesa de quotas de mercado, a nossa arena
mediática alimenta a agitação – e alimenta-se dela –, induzindo o império da
espuma, num vórtice que ganha vida própria e se foca na busca de casos e
cachas. Ora, tal registo, num contexto em que se decide a continuidade ou a
descontinuidade políticas, serve sobretudo os interesses dos ‘challengers’ e,
por isso, o PS e a Esquerda convertem-se em personagens principais desta
narrativa.
Intuindo que, ao contrário do que proclamam, há um risco muito sério
de grande parte dos eleitores valorizar positivamente a melhoria dos
indicadores económicos e os benefícios da estabilidade política, o PS e a
Esquerda fornecem a matéria-prima para a exacerbação de todos os
descontentamentos fazendo da comunicação social o seu aliado natural. PS e
Esquerda precisam de amplificar a sua presença e de ver incessantemente
repetidas e glosadas as suas críticas, no fundo porque sabem que, contra o seu
discurso, têm a vivência concreta – pessoal, real – de um processo que, tendo
sido extremamente duro, evoluiu favoravelmente, levando os eleitores a temer
qualquer inflexão de rumo que os faça reviver o que querem considerar passado e
passado irrepetível.
Já a coligação “Portugal à
Frente” beneficia, num quadro de recuperação em que qualquer imprudência soará
a pura e simples temeridade, da vantagem do incumbente. Vantagem que permitiu a
vitória dos Conservadores, no Reino Unido, ou do (novo) Syriza, na Grécia. Nos
antípodas das agendas mediáticas, apela à valorização da obra feita e do
sentido da evolução verificada – o País sofreu e levantou-se, deu a volta,
reconquistou independência e confiança, tem hoje uma perspectiva de futuro
completamente diferente do que tinha em 2011.
Mas se – e só se – houver
condições para consolidar o caminho feito. E é aqui que a Coligação encontra o
País que não vê televisão.
O País que sabe que os
experimentalismos económicos e sociais propostos pelo PS e pela Esquerda jamais
seriam inócuos e que não quer fazer perigar resultados adquiridos. O País que
não aguenta o risco da instabilidade política e da inviabilidade das soluções
governativas. O País que recusa entregar os seus destinos a uma frente unitária
de esquerda, chamada a terreiro pelo secretário-geral do PS que, antes do voto,
interpreta o sentido de putativos resultados eleitorais, rechaçando
entendimentos parlamentares à sua direita (seja para viabilizar uma solução
governativa, seja para viabilizar o próprio Orçamento de Estado).
Quem vai – ou não – votar no
dia 4 de Outubro? Hoje, ninguém sabe ainda. Mas logo veremos se, na intimidade
daqueles minutos que decidem se e como se sai de casa, ganharão as ponderações
do País real ou as projecções do País das televisões.
No fim, os resultados falarão
tanto do País que somos como, em boa medida, da comunicação social que temos.
Título e Texto: Sofia Galvão, Advogada, Observador,
25-9-2015
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