sexta-feira, 24 de março de 2017

[Aparecido rasga o verbo] As mancadas dos mestres que todos engolimos

Aparecido Raimundo de Souza

No final de 1966, Roberto Carlos lançou seu LP, como nos anos anteriores, um disco com vários sucessos, entre eles “Eu te darei o céu, Nossa canção, Esqueça, Negro gato, Namoradinha de um amigo meu, É papo firme, entre outras”. No meio dessas obras primas, está a não menos famosa “AR DE MOÇO BOM”, de Niquinho e Othon Russo, dois compositores brilhantes da MPB, com canções conhecidíssimas, como “O mundo é Bom, Faço tudo pra você gostar de mim, Desta vez não vou chorar, A carta que você recebeu, Chorar meu sofrer, Foi tudo loucura”, e outras mais.

Pois bem. É sobre a letra de “Ar de moço bom” que teceremos comentários, ou melhor, mostraremos a grande gafe, ou o cochilo dos autores, na hora de elaborarem a letra, apesar de ter sido gravada por um ídolo inquestionável da música brasileira.

Vamos à letra:
“Você passou por mim
Sem dar-me atenção
Mas logo percebi
Que para mim
Seria o fim
De uma solidão
O carro acelerei
Depressa a alcancei
Dizendo logo alô
Eu arrisquei
Com ar de moço bom
Você está tão só
Sozinho eu estou
Que tal ir por aí passear?
Sem nada comentar
No carro ela entrou
E com o seu pezinho
Bem depressa
Acelerou”.

Analisemos por partes. Primeiro, notem que há um personagem central (um rapaz) que esclarece uma situação: Ouçam a música.


“Você passou por mim
Sem dar-me atenção
Mas logo percebi
Que para mim
Seria o fim
De uma solidão”.

Dito de outro modo para melhor ser entendido a questão. Uma jovem simpática e possivelmente bonita passou perto de um cara sem dar a devida atenção a ele. Esperto, o mancebo percebeu que, para ele estar com aquela deusa, gozar da presença dela, seria o fim da sua solidão. Corroborando isto, ele é categórico quando expressa:

“O carro acelerei
Depressa a alcancei
Dizendo logo alô
Eu arrisquei
Com ar de moço bom”.

Notem, num segundo lance, que ao ver a garota passar, ele acelera o carro e a alcança. A partir daí, sem pensar nas consequências, mesmo num possível fora, manda para ela um alô. Esse alô inocente, todavia, vai investido de toda sua impetuosidade. Movido por essa sensação de dono e senhor da situação, ele se aventura e arrisca, joga a isca, e o faz, não como um borra-botas qualquer. O espertinho ataca, parte para a luta da conquista com categoria. 

Na verdade, a poesia dá uma conotação romântica à coisa, ao momento, a partir do instante em que ele corre atrás do que lhe ordena o coração, como um cavalheiro comportado, mostrando ser da paz, e, sobretudo, como revela o verso, no seu melhor senso de romantismo bucólico, “com ar de moço bom”.

Não contente o rapaz vai além e joga um xaveco para cima, completando a cantada e deixando o clima mais descontraído. Percebam o instante desse desequilíbrio.

“Você está tão só
Sozinho eu estou
Que tal ir por aí
Passear?”

E ela, então, atraída talvez pela delicadeza dele, pela candura das palavras, pela emotividade daquele momento mágico, simplesmente... se deixa levar, se entrega vencida, a alma em flor.

“Sem nada comentar
No carro ela entrou
E com o seu pezinho
Bem depressa acelerou”.

Oxalá! Aqui está o grande erro, a gafe dessa historinha simples de amor angelical dos belos tempos da jovem guarda.

“Sem nada comentar, no carro ela entrou”. Ela, que estava a pé, que passou por ele, sem dar atenção. Ele, percebendo nela o fim da sua vida de homem sem ninguém, preso às garras da solidão, foi à cata, correu atrás da encantadora e dizendo palavras simples.

“Você está tão só,
Sozinho eu estou,
Que tal ir por aí passear?”.

Nessa hora, subentende-se que ela aceita, e, de fato, entra no carro, sem nada comentar, sem nada dizer... e ele, a partir deste gesto, acelera... ele acelera, pois está no volante, e, portanto, no comando da situação. Ora, se ele está no volante e acelera eis a síntese da gafe entalada na garganta apontando o contrassenso.

“Sem nada comentar, no carro ela entrou
E com o seu pezinho bem depressa acelerou”.
A pergunta, senhoras e senhores, é simples: como, de que maneira, ela poderia ter acelerado, com seu pezinho, se estava a pé? Como poderia, ainda, num pensar paralelo, como teria acelerado, se ela passou por ele a pé, com ar de desdém, sem dar atenção?

Foi ele, é bom deixar claro, para não pairar mais dúvidas, foi ele o rapaz, quem correu atrás, e a alcançou. Havia um carro só na parada. Não se fala, em nenhum momento, num segundo veículo. Não foi a jovem que o convidou a entrar e, sim, ele, ao afirmar:

“No carro ela entrou”, portanto, se no carro (dele) ela entrou, e evidentemente, por eliminação, ocupou o banco do carona, jamais poderia ter, com seu lindo pezinho, acelerado, ainda que se considerasse o fato (dela), impensadamente, ou literalmente ter sentado em seu colo, junto ao volante.    

Arre, meus caros! Se ela entrou no carro, dele, se era ele quem dirigia, ela que seguia a pé, mais uma vez se bate na tecla da dúvida que salta aos olhos: como, de que forma, fica a questão no ar, de que maneira, teria, com seu pezinho encantador, acelerado?

Este fato traz à baila um idêntico caso e, igualmente interessante: a do mocinho apaixonado que, no meio da noite acorda sobressaltado ao ouvir a voz da sua amada. “Sai, então, para a varanda da casa”, – narra o escritor – “e, ao olhar para a imensidão do mar, naquele instante riscado pela lua clara que ilumina o céu, vê a jovem seminua, cavalgando, ao longe, de encontro a ele, montada num lindo alazão, puro sangue que corta as águas furiosas, com uma velocidade espantosa em decorrência do atrito das patas do animal com a superfície das ondas”.
                                     ***
Isso é “INCLÍVEL”, ou melhor, “EXPANTOZZZZZZO!!!”.  

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Título e texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. Do Sítio ”Shangri-La” – Um lugar perdido no meio do nada. 24-3-2017

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