Aparecido Raimundo de Souza
1
Parada obrigatória
Fosfolônio, como sempre fazia
antes de ir para o trabalho, encostou o carro junto à calçada defronte de uma
farmácia. Estava furioso em decorrência de uma cefalalgia que o atormentava
havia anos. Por essa razão, mais uma vez, iria comprar um analgésico. A coisa
se tornara rotineira. Só mudavam os lugares onde parava. Cada dia pintava em
seu caminho uma drogaria diferente. Saltou do veículo e entrou no
estabelecimento, indo direto ao balconista:
— Bom dia. Vê aí, por favor,
um remédio para dor de cabeça...
— O cidadão tem preferência
por comprimidos ou gotas?
— Qual o mais eficiente?
— Depende do que o senhor
esteja sentindo!
— Dor de cabeça...
— Perfeitamente. Mas onde,
exatamente?
— Na cabeça, ora essa!...
— Sei que é na cabeça, mas
compreenda a insistência...
— Entendo seu desvelo e
sinceramente agradeço. Que diferença faz?
— Muita. Levando em conta o
lugar exato, poderá não ser o que o senhor pensa que é.
— E como fazer para atinar com
o “xis” dessa porcaria?
— Veja bem. Se o senhor
mostrar a localização, talvez cheguemos a um consenso.
— Já falei.
— Não é bem assim. Preciso que
indique a posição.
2
Atendente nota dez
Meio sem paciência, Fosfolônio
levantou a mão esquerda e apontou a parte posterior do cachaço junto à vértebra
cervical.
— Aqui.
— Posso ver?
— A dor?
— Não, cavalheiro. O ponto
onde ela mais lhe castiga.
Fosfolônio girou o corpo
ficando quase de costas para o atendente.
— À vontade.
O rapaz tocou com os dedos,
projetando ligeira pressão sobre a pele.
— Hum! Nesta região não é dor
de cabeça.
— E o que é?
— Enxaqueca.
— Enxa... enxa... enxa... enxa
o quê?
— Enxaqueca.
— Certeza?
— Absoluta. Sei diferenciar
dor de cabeça de enxaqueca e vice-versa.
— Não é a primeira vez que
esse troço me ataca.
— E o que o senhor toma nessas
ocasiões?
— Ora, Doril, Anador, Tylenol,
Melhoral, Dipirona, Dorflex, Paracetamol, AAS, qualquer bosta...
— Essa é a razão!
— Que razão?
— Que o seu mal não cura. O
senhor ingere substâncias terapêuticas erradas. Lembre-se sempre: automedicação
não traz soluções, cria problemas.
— Mas é uma dorzinha
ingênua...
— Que pode transformar seu
quadro em meningite, tonteira, virar hemorroidas, tireoide, hepatite ou até
descambar para um aneurisma cerebral com AVC e parada cardíaca irreversível.
Fosfolônio deu uma risada sem
graça.
— Meu prezado, quem atura uma
esposa rabugenta igual à que tenho em casa, mais uma sogra chata, de lambuja e,
ainda, duas cunhadas de contrapeso, o resto acaba virando café pequeno...
— Falo sério. Não estou
brincando.
— Sendo assim, o que
aconselha?
— Bebe?
— Se algum companheiro lá do
trabalho me convidar e pagar uma geladinha, não rejeito. Sabe como é: não sou
de ferro.
— Fuma?
— Por tabela.
— Não entendi.
— O pai da minha mulher. Meu
sogro. Aliás, o infeliz come com farinha...
— Com farinha?
— É. O desgraçado acende um
cigarro de dez em dez minutos. Empesteia com uma fumaça nojenta todos os
ambientes da casa, ou seja, dos quartos ao banheiro. Até já me transformei,
como dizem na linguagem popular, em tabagista passivo. Ou seja, sou obrigado a
respirar nicotina, da braba, vinte e quatro horas por dia. Ai de mim se abrir o bico e reclamar.
Suportar um velho asqueroso, gagá, sogra e esposa são doses para elefante. Sem
falar em duas adolescentes. Credo em cruz! Por isso, ao sair para a rua, a
primeira coisa que me vem à mente é uma porta de farmácia. Estou nessa rotina
desde que me entendo por gente.
— Uma pena!
— Alguma sugestão?
3
O remédio ideal
Antes de responder, o vendedor
foi até uma das prateleiras e de lá regressou com uma caixinha.
— Injeção de Novalgina. É tiro
e queda.
— Injeção?
— Não há coisa melhor.
Inclusive mais eficaz que os comprimidos. Age rápido. Pá, puf!
— Odeio seringas e agulhas.
— Única alternativa. Em dois
segundos lhe aplico isso nas nádegas. O senhor sairá com a alma leve.
— E eu, certamente, com a
bunda doendo. Desculpe, não quis ofender. Calma! Não existe essa droga por
outra via?
— Que outra via?
— Sem ser na... sem ser no
traseiro?
— No braço. Cortamos estrada
fazendo um intravenoso.
— Esqueça.
— Posso lhe prescrever um
supositório de Transpumim, de Glicerina, ou de Magnopirol.
— E como eu usarei?
— Por um atalho não muito
ortodoxo.
— Seja claro, por gentileza.
Ortodoxo ou paradoxo. Desconheço os termos técnicos que vocês usam. Estou
acostumado a chegar na farmácia e comprar remédio para dor de cabeça. O resto
você já sabe: Sedalgina, Dorsedin, Febralgin etc… etc... etc...
— Bem, o supositório a gente
costuma enfiar... quero dizer, introduzir no orifício anal. Se o...
4
A solução no caneco
Nessa altura do bate-papo,
Fosfolônio danou a rir desordenadamente. Uma grande parte das pessoas que
circulava em outras seções, levadas pela curiosidade, resolveu fazer uma
rodinha para bisbilhotar. Os dois seguranças de plantão, com o intuito de
evitar tumultos e possivelmente algum tipo de roubo, se posicionaram
estrategicamente, cada um por detrás de enormes prateleiras. De onde estavam,
podiam acompanhar claramente o diálogo e vigiar o resto da loja, bem como a
porta principal de entrada.
— Sabe meu rapaz, conversei
tanto, ou melhor, papeamos de tal forma que a enxa... sei lá que nome você deu
à coisa, foi, de vez, pras cucuias. Estou novo em folha. É como você, instantes
atrás, havia previsto. Alma leve. Estou de alma leve. Neste exato momento estou
me sentindo como um passarinho. E atente para um detalhe: não precisei levar a
agulhada no caneco.
5
Explicação inesperada
Virando, então, ora para os
indiscretos que formavam um círculo de fisionomias engraçadas, ora para os
demais funcionários acotovelados no balcão, Fosfolônio passou a falar e a
gesticular um pouco mais alto que seu costume habitual. Parecia furioso e
colérico, mas no fundo, estava calmo e tranquilo. Só queria sacanear e tirar um
sarro com o pobre do atendente.
— Pessoal, imaginem que entrei
aqui para comprar um comprimido para uma dorzinha chata, na nuca. O distinto
queria me empurrar uma injeção. Recusei a proposta, claro, não sou besta. No
entanto, dei linha à pipa para ver até onde ia à capacidade do espertinho.
Sabem o que ele teve a coragem de fazer comigo?
6
Com cara de trouxa?
O silêncio era total. Podia se
ouvir uma agulha caindo.
— Me indicou um remédio...
pasmem... me indicou um remédio para... para... me indicou um remédio para
enfiar no... no... no... fiofó... acho que ele imaginou que eu fosse de
Campinas, interior de São Paulo ou de Pelotas, no Rio Grande do Sul.
Girando nos calcanhares e
motejando a mais não poder, Fosfolônio saiu apressado, deixando a multidão em
meio a um mar de gracejos e zombarias. O infeliz do atendente, com cara de
trouxa, sem saber onde enfiar o acanhamento escondeu o rosto entre as mãos,
tentando, inutilmente, ocultar a vergonha.
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(COMO OS DEMAIS QUE FOREM PRODUZIDOS), SERÁ PANFLETADO E DISTRIBUÍDO NAS
SINALEIRAS, ALÉM DE INCLUÍ-LO EM NOSSO PRÓXIMO LIVRO “LINHAS MALDITAS” VOLUME
3.
Título
e texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. Do
Sítio ”Shangri-La” – Um lugar perdido no meio do nada. 21-3-2017
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