Rui Ramos
O aumento da dívida pública é grave, mas
talvez a cínica divisão dos portugueses em grupos de interesse e em
"raças" opostas ainda venha a ser reconhecida como a mais nefasta
herança deste governo.
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Joanesburgo, década de 50, foto: African Media Online |
Está a acontecer de repente.
Para os porta-vozes da maioria social-comunista, a oposição já não é só
“fascista” como antigamente: agora também é “racista”e “xenófoba”. Alguns vão mais longe: não é apenas a oposição, é o país todo, todos os portugueses. Talvez por isso, eis o
governo, contra a Comissão Nacional para a Proteção de Dados, a exigir que os
recenseamentos passem a incluir os “dados étnicos da população”. Para quê? Para identificar e
proteger os “afrodescendentes e ciganos” contra a ideologia e a estrutura
racista da sociedade portuguesa. Que se passa?
Como todos sabem, antigamente
era suposto não haver “racismo” em Portugal. Durante anos, Gilberto Freyre
serviu à ditadura salazarista para demonstrar a vocação inter-racial da nação.
Em 1975, o PREC repudiou muitas das teses do salazarismo, mas não essa. Segundo
Vasco Gonçalves, os portugueses eram até meio-árabes ou meio-africanos. A ideia
ainda vivia nos anos 80 e 90, no tempo da integração europeia e da Expo-98:
nenhum outro povo teria tanto jeito para lidar de igual para igual com povos de
fora da Europa. Portugal era, por isso, o natural “mensageiro entre o Norte e o
Sul”.
Como é óbvio, tudo isto era
fantasia. Simplesmente, os salazaristas precisavam de justificar a conservação
das colônias, os revolucionários de 1975 de negar a Portugal um destino europeu
ocidental, e os europeístas de 1985 de valorizar o seu pequeno país em
Bruxelas. Mas embora nada disto resista à mais ligeira espreitadela no armário
(escravatura, “limpeza de sangue”, Estatuto dos Indígenas, preconceitos ainda correntes, etc.), também é verdade que
os portugueses nunca perfilharam o tipo de segregação racial vigente no sul dos
Estados Unidos ou na África do Sul. Este é um país em que o primeiro-ministro
tem família em Goa e o líder da oposição na Guiné-Bissau, e ninguém faz grande
caso disso. Quando é que, portanto, nos tornámos no equivalente do Estado do
Alabama de Não Matem a Cotovia?
Vamos entender-nos. Se houve
razões políticas para apagar o racismo do carácter nacional, também as há agora
para, num exagero inverso, o transformar no traço definidor da sociedade
portuguesa, numa cópia atamancada das polémicas americanas. Mas por mais
anedótica que esta racialização de Portugal pareça, faz sentido para este
governo e para os seus aliados. Não se trata apenas de transformar a oposição
numa Frente Nacional muito conveniente para justificar a frente
social-comunista. O governo e a sua maioria têm trabalhado para segmentar
Portugal. Temos assim os que, no sector público, recuperam rendimentos, contra
os que, no sector privado, não recuperam. Ou os que, por mercê do governo, não
pagam impostos diretos, contra os que pagam. Pela mesma lógica, teremos agora
as “minorias étnicas”, defendidas pela estima governamental, contra a maioria
racista.
O objetivo nunca é garantir
direitos iguais para todos, mas criar grupos de identidade com rendimentos e
estatutos dependentes do Estado, e, portanto, potencialmente fiéis àqueles que,
na política, reclamam zelar pelos seus interesses particulares. No caso das
“minorias étnicas”, este é o melhor caminho para dificultar a sua integração e
inspirar preconceitos. Mas também para garantir a sua vulnerabilidade e, logo,
a sua dependência, que é o que importa à oligarquia no poder.
Os críticos do governo tendem
a focar-se na dívida pública ou na economia. É compreensível: é o que se pode
medir. Mas talvez esta cínica divisão dos portugueses ainda venha a ser
reconhecida como a mais nefasta herança da atual governação. A sociedade
portuguesa nunca foi perfeita. Mas este governo está a trabalhar para a tornar
pior.
Título e Texto: Rui Ramos, Observador,
8-9-2017
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E o esquerdista Público lá vem com uma matéria:
ResponderExcluirRACISMO À PORTUGUESA
Dos afrodescendentes espera-se que não passem da “escolaridade obrigatória”