Maria Teixeira Alves
Há no ar uma leve sensação revolucionária.
Sente-se ao longe uma ameaça. As pessoas já não se sentem seguras nem têm
confiança naquilo que confiavam antes. Há uma sensação de que tudo pode
escapar, e que qualquer coisa antes vista como marginal pode passar a ser
legítima, mesmo o mais impensável que é ver um derrotado nas eleições chegar ao
poder com um golpe palaciano que toda a gente agora ou por medo, ou porque o
seguro morreu de velho, lhe chama democracia.
Hoje, Fernando Ulrich [foto], outrora
o l’enfant terrible da banca, o
banqueiro referência que punha ordem nisto quando falava para a imprensa, o
banqueiro de direita, que nunca escondeu ser, disse (fiquei pasmada) a
propósito do que se está a passar, "que é bom ao longo do tempo, numa
democracia madura e adulta que toda a população, pelo menos algumas vezes se
sinta representada, que se reveja em quem está no Governo e participa
activamente na tomada de decisões", numa clara alusão aos partidos PCP e
Bloco de Esquerda que estão a negociar saltar para o poder com o PS, que vai
formar Governo.
Meu Deus ao que isto chegou!
Até Fernando Ulrich está conformado. A fragilidade dos confrontos accionistas
na sua casa [BPI] talvez tenha retirado ao banqueiro aquela força contestatária
de antigamente (o que é perfeitamente compreensível neste contexto).
Era o banqueiro destemido que
não se preocupava com mal entendidos, que enfrentou as deputadas do Bloco de
Esquerda numa comissão com uma confiança brutal, que as punha na ordem. Era tal
a segurança que se confundia com sobranceria. Esse banqueiro hoje mede as
palavras e chega mesmo a admitir que a última coisa que quer são mal
entendidos. "A última coisa que queria era fazer algum comentário que
pudesse ser mal interpretado, o que às vezes acontece aos melhores, como eu e
vocês sabemos. A última coisa que faria era dizer qualquer coisa que podia
parecer que estaria a criticar a maneira como as pessoas votaram".
Isto está de tal maneira que o
politicamente correcto impõe-se até aos mais inteligentes.
Esta postura temerária voltou
a demonstrá-la mais à frente quando diz: "Isto não estão tempos para
mostrar algo que possa parecer arrogância", disse o banqueiro a propósito
do capital recomedado pelo BCE para o BPI. Mas revelou mais do que isso,
revelou um novo Ulrich que já sente que o chão lhe pode escapar. Não é o único.
Estamos todos assim, o chão pode escapar-nos, é uma sensação permanente.
Estamos a perder as referências
de bem e de mal, de certo e errado, de justo e injusto, de mérito e desmérito.
Já não podemos situar nada, há um terreno movediço.
Na política há um terramoto
ideológico nos partidos. Antes podíamos dizer que o PCP era um partido que
defendia os trabalhadores contra os privilegiados, que defendia os operários,
hoje já não sabemos. Antes eram anti-Nato e anti-euro, queriam renegociar a dívida,
mas agora já não é bem assim, defendem tudo e o seu contrário, desde que sirva
contra os partidos de direita.
O Bloco de Esquerda mantém-se
fiel às causas fracturantes (lamentáveis causas na minha opinião) mas já admite
que afinal não é preciso ser Syriza. Em vez de ideologias e ideias, agora há
inimigos a abater em nome de lugares de poder a conquistar.
Vale tudo, mas mesmo tudo para
se manter com um papel relevante na sociedade. Andamos todos uns contra os
outros. Mesmo as amizades estão periclitantes à espera de ver para onde vão as
conveniências.
Há uma leve sensação a guerras
tribais, tu ou és da minha tribo ou és meu inimigo. Os conflitos crispados
estão a atingir subtilmente todos os espaços. Sentimos que já não nos podemos
ancorar no sentido de justiça, no conceito de democracia como o tínhamos por
certo, não podemos confiar na entreajuda. Somos facilmente enredados em teias
montadas por pessoas de má rês.
Hoje o Tribunal proibiu o
grupo Cofina de publicar notícias sobre o caso Sócrates. Uma coisa inédita. Já
se pode proibir jornalistas de escrever, seja o Tribunal sejam os próprios
jornais. O presidente do PS, Carlos César, veio dizer, sem dizer que estava a
falar do caso Sócrates, que quer mudar a lei para evitar detenções sem
acusação. Um caso que afectou também Ricardo Salgado.
Há uma sensação de
desconfiança. Os devedores não pagam. Os amigos não se comprometem. Os rivais
fazem batota. Está tudo muito desnorteado e muito desconfiado.
Há uma sensação de insegurança
no ar, de golpes orquestrados nos mantideros, de perseguições políticas não
declaradas.
Isto não estão tempos para
grandes seguranças. Temos de estar atento às traições shakeasperianas.
Título e Texto: Maria Teixeira Alves, Corta-fitas,
29-10-2015
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