Péricles Capanema
Svetlana Alexandrovna
Alexievich [foto], surpresa para todo mundo, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de
2015. Quase ninguém por aqui tinha ouvido falar dela. Rápidos dados da nova
celebridade mundial: 67 anos, nasceu na Ucrânia, foi criada na Bielorrússia
(Belarus), vive lá. Estudou e trabalhou no mundo comunista, chegou mesmo a ser
perseguida. Como se vê, apanhou e quem sabe por isso são animadoras declarações
suas, novas e antigas, que agora circulam.
Começo por esta: “Conheço
bem aquele homem vermelho. Não desapareceu. E o adeus será muito demorado”.
De outro jeito, o fracasso não mudou convicções e mentalidades de milhões.
Endurecidos, vão dar um perigoso e demorado adeus. Chamo a atenção para a
mentalidade quando menos de raiz esquerdista, amplíssima, encharca não só
países da antiga Cortina de Ferro, está enraizada no Ocidente. Pessoal deste
naipe, simplificador para falar o mínimo, acontece pensar pouco, mas ter
impressões assim: “No peito de quem luta pela igualdade bate coração de
carne, quem não a aceita é gente do coração duro. A dó dos pobres leva a
simpatizar pelo menos com alguma forma de socialismo”. Com base nesse
estado de espírito, lá e cá, a esquerda tem chão para tentar repetir a dose.
Está tentando, e os resultados serão os de sempre: tirania e miséria.
Svetlana explicou: “Ao
longo de setenta anos, uma nova espécie humana foi criada nos laboratórios do
marxismo-leninismo: o homo sovieticus. Alguns acreditam que é um
personagem trágico; outros o chamam de sovok. Conheço esta pessoa,
conheço-a muito bem, vivi ao lado dela por muitos anos. Sou eu, é a gente que
conheço, amigos, familiares”.
Sovok, gíria russa, tem
acepções várias, em geral depreciativas, mas hoje designa correntemente o tipo
humano criado no regime comunista. Svetlana põe em relevo fato gravíssimo, a
tentativa de criar um tipo humano novo, uma nova espécie humana foi
criada nos laboratórios do marxismo-leninismo. A meta, o homem novo da
utopia comunista, libertário e igualitário. No total deu errado, mas ficaram
sequelas, pústulas psicológicas.
Outra de Sevtlana: “Respeito
o mundo russo da literatura e da ciência, mas não o mundo russo de Stalin e
Putin”. Aqui, foco diferente. Todos sabem, existem muitos conservadores
mundo afora que sentem simpatias por Putin, considerado partidário da ordem,
símbolo de sociedade moralizada. Ela não; quer distância dele. Fareja no
projeto putinista a catinga do velho estalinismo, opressão, coletivismo,
imperialismo grão-russo. Mais um ponto para ela.
Ainda uma estocada de
Svetlana, agora em Aleksander Lukashenko [foto acima, com Putin],
presidente de Belarus, comunista da velha guarda, no poder desde 1994. Foi
desferida quando Bruxelas se prepara para suspender as sanções contra o país.
Advertiu ela que o ditador não é confiável: “A cada quatro anos novos
líderes europeus chegam ao poder e pensam que vão poder resolver o problema de
Lukashenko, desconhecendo que ele não é um homem digno de confiança”.
Lukashenko foi reeleito
domingo 11 de outubro com impressionantes 83,49% dos votos para um quinto
mandato (taxa de participação 86,755), padrão latino-americano para ninguém
botar defeito, coisa muito especial mesmo, de fazer inveja até a chavistas,
petistas e kirchneristas. Na segunda, os ministros das Relações Exteriores da
União Europeia (UE) acordaram suspender as sanções. De qualquer maneira, no
meio das comemorações da reeleição, sabe lá Deus como a conseguiu, e da atitude
boazinha da União Europeia, Lukashenko recebeu no rosto a chicotada do novo
Prêmio Nobel de Literatura.
Um pulo para o passado. Em
abril de 1959, o prof. Plinio Corrêa de Oliveira publicou em Catolicismo o
ensaio Revolução e Contra-Revolução, que viria a ser seu principal
trabalho ideológico. Cinquenta e seis anos atrás acautelava:
“As multidões ignoram o
chamado comunismo científico, e não é a doutrina de Marx que atrai as massas.
Uma ação ideológica anticomunista deve visar, junto ao grande público, um
estado de espírito muito difundido, que dá amiúde aos próprios adversários do
comunismo certa vergonha de se voltarem contra este. Procede tal estado de
espírito da ideia, mais ou menos consciente, de que toda desigualdade é uma
injustiça [...].
Daí nasce uma mentalidade
que, professando-se anticomunista, entretanto a si mesma se intitula, frequentemente,
socialista. Esta mentalidade, cada vez mais poderosa no Ocidente, constitui um
perigo muito maior do que a doutrinação propriamente marxista. [...]
Sem um combate específico a
esta mentalidade, ainda que um cataclismo tragasse a Rússia e a China, o Ocidente
dentro de cinquenta ou cem anos seria comunista”.
Não só sessenta anos separam
as palavras. Muita coisa mais certamente separa Svetlana e Dr. Plinio. Contudo,
une-os aqui ponto inestimável, um olhar sem ilusões sobre o perigo do
comunismo: “Sem um combate específico a esta mentalidade, ainda que um
cataclismo tragasse a Rússia e a China, o Ocidente dentro de cinquenta ou cem
anos seria comunista”.
“Conheço bem aquele homem
vermelho. Não desapareceu. E o adeus será muito demorado”.
Verdade escamoteada, o
comunismo real fracassou dos chinelos ao chapéu, continua viva a mentalidade
que leva a ele. O homem vermelho não desapareceu; nem o rosado de matizes
vários.
Em 1848, Marx e Engels no
manifesto comunista proclamavam: “Um espectro ronda a Europa — o espectro
do comunismo. Todas as potências da velha Europa unem-se numa Santa Aliança
para conjurá-lo: o papa e o czar, Metternich e Guizot”. Naquela época, a
frase era mais recurso propagandístico que realidade atemorizante. Hoje,
adaptando o texto, certa razão eles têm: um espectro ronda o mundo. O homem
vermelho, seu estado de espírito e mentalidade, não desapareceu. Não exorcizado
tal espectro, tem energia para arregimentar milhões e até virar o jogo, postas
circunstâncias especiais. Nem precisa ir muito longe, basta olhar o Brasil,
quantos espectros perambulam ativos por aqui.
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