Aparecido Raimundo de Souza
1
Essas coisas, minha rosa em
botão, são assim mesmo: você está imersa na era dos sonhos e é natural que
pretenda vivê-los, sedutores que são. E o seu afeto faz com que as suas
fantasias sejam generosas. Não se iluda. Não se engane com o que dizem os meus cabelos
já querendo ficar brancos. A segurança que insinuam é uma farsa. Às vezes sou
um repositório de dúvidas.
2
Não espere que eu possa
indicar trilhas. Por mais que tenha andado, não disponho de atalhos sem
surpresas. Não se assombre minha menina triste, com antigos rostos gastos de
anúncios de cigarro. O tempo não ensina tudo, muito menos impermeabiliza as
almas, livrando-as de dissabores e incertezas. Não aposte, jamais, neste meu
chapéu ensebado, comprado em lojinha de um real e noventa e nove centavos.
3
Se lhe pareço algum fazendeiro
abastado, saiba que monto pessimamente e tremo nessas estradas de lama que se
espicham por entre despenhadeiros. Receio lobisomens, sacis e mulas sem cabeça.
Os fantasmas são como doenças daninhas. Nascem, vivem e morrem com a gente.
Sinto que a seduz o meu toque de alguma nostalgia antiga. Lamento muitíssimo
ter que confessar os meus surtos de felicidade cada vez mais frequentes,
principalmente no verão.
4
O sol tem o poder de dissipar
angústias. Minhas pálpebras cansadas não são frutos de serenatas, como lhe
parecem, mesmo porque, com essa onda de assaltos e barulho que as ruas fazem,
os cancioneiros sumiam literalmente do pedaço.
5
Posso admitir que minha cara
batida pelo tempo, até guarde algum leve resquício de poesia contida, porém, as
olheiras - estas são resultados de livros e jornais que me chegam - e sou
obrigado a ler para me manter informado e linkado no mundo lá fora. Não jogue
tudo na solidez de minha mão. Não saberia sustentar, qual de nós dois reclama
mais o amparo e guia.
6
E esta crônica simples? Por
certo você acha que ela brota do nada...? Quem dera! Você nem imagina quantas
voltas na pracinha dos devaneios do coração e quantos copos de café com leite e
horas em claro ela me custou. Como cansam meus pés, estas quimeras literárias.
Em verdade, vou e volto, volto e vou, mil quilômetros ou mais, para garimpar
meia dúzia de pensamentos articulados.
7
Minhas cicatrizes são
totalmente vulgares. Sepulte, de uma vez para sempre, as suas visões românticas.
Jamais duelei por qualquer moça bonita ou princesa, nem as de minha escola,
quando usava calças curtas, suspensórios e estudava.
8
O corte no meu nariz foi uma
traquinagem infantil. O talho no joelho não é do cravo do calvário, embora
talvez eu merecesse. E nem foi por me ajoelhar em demasia que herdei um
problema de artrite nos dois dedões dos pés.
9
A perna eu não quebrei
esquiando nos Alpes, mas brincando num vôlei inocente. Não se impressione com
minhas tagarelices. Ela é sazonal. Sou papagaio ou sou coruja. Despedaço em
miúdo minha timidez mal disfarçada e a dissolvo no meio dessa conversa tola. Na
roça, os cavalos que viajam a noite, vão farejando as trevas com seus olhos
duros, firmes, incandescentes.
10
Quando uma fagulha qualquer de
luz pica a face de uma palmeira, e, então, coriscam no ar imagens estranhas e
figuras disformes, os quadrúpedes empacam e não andam. Minhas palmeiras reluzem
aparições indescritíveis e eu, burro, emperro meus ímpetos e estanco meu verbo.
Apesar de todo esse rosário de insatisfações, sinto que você me julga capaz de
empolgar a ONU ou diante de um tribunal de bobocas vestidos a rigor deixar a
todos boquiabertos e pasmos.
11
Falar em público me é pesado.
Tremendamente desconfortante e maçador. Antigamente, quando enfrentava as salas
de audiências, parecia que aqueles juízes com suas togas pretas que sustentavam
olhos abertos mirando minhas bochechas trêmulas, me davam a impressão de que
voariam todos a um só tempo rumo ao meu pescoço na captura da minha jugular.
12
A bem do que digo, dois ou
três pares de olhos a menos, porque, por caridade, alguns dormitavam ante minha
veemência judicial. Você só tem notícia de meus antigos amores conhecidos.
Dalva, Carla, Marlúcia, Penha, Talita, Susete, Estefânia... Cleuza... ninguém
lhe informou dos que me repeliram. Na minha juventude, quando as gírias eram
perenes e os ditos bucólicos, o repúdio não tinha a secura do atual “não tô a
fim”, todavia, humilhava duplamente.
13
“Sai de mim, abacaxi, que
tomei leite”. A gente coalhava de constrangimento. Somente no fluir de
ternuras, minha solidão se dissipava e alcançava o tamanho e a grandiosidade da
luz dos meus sonhos mais perenes.
14
Mas, minha menina triste, por
tudo o que acabei de dizer, não se afaste de mim somente para me fazer raiva.
Não se distancie porque seus pais pediram, não deixe, minha criança, de ficar
comigo porque sua filhinha chora sua ausência.
15
Que importam os Mários, os
Caleches, os Wellingtons, ou mesmo as Alices e as Isaltinas?! Vamos viver esse
amor bonito e formoso, esse amor puro e sem barreiras, até que um dia, bem, até
que um dia bata a nossa porta, a realidade mortal e se intrometa no meio de nós
e articule, ela própria (sem que eu e você estejamos esperando), os desencantos
e desencontros outros que não encomendamos.
AVISO AOS NAVEGANTES:
SE O FACEBOOK, CÃO QUE FUMA, PARA LER E PENSAR OU OUTRO SITE
QUE REPUBLICA NOSSOS TEXTOS, POR QUALQUER MOTIVO QUE SEJA, VIEREM A SER
RETIRADOS DO AR, APAGADOS OU CENSURADOS PELAS REDES SOCIAIS, O PRESENTE ARTIGO
(COMO OS DEMAIS QUE FOREM PRODUZIDOS), SERÁ PANFLETADO E DISTRIBUÍDO NAS
SINALEIRAS, ALÉM DE INCLUÍ-LO EM NOSSO PRÓXIMO LIVRO “LINHAS MALDITAS” VOLUME
3.
Título
e texto: Aparecido Raimundo de Souza, jornalista. De Campinas, interior
de São Paulo. 29-3-2017
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Sim em quimeras deveras estar no apogeu do sentimento talvez perdido, talvez procurando, talvez, cansado,mas como todo poeta e escritor tem a leveza na alma, carrega dentro de sim, dores, angústias, tristezas saudades, paixão, e amor.e tudo que sente são transformadas em lindas poesias, e grandes histórias. Parabéns Aparecido
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