Henrique Pereira dos Santos
Por acaso ouvi partes do
discurso de António Costa na apresentação do candidato do PS à Câmara de
Coimbra, e transcrevo uns pedacitos:
"E com toda a sinceridade,
virem falar do aumento dos impostos indiretos ... é ignorar este pequeno dado
singelo: é que o memorando da troika só obrigava a aumentar em 400 milhões de
euros a receita do IVA ... pois apesar da meta ser só 400 milhões é o melhor
exemplo de onde fomos além da troika porque a receita obtida com o gigantesco
aumento do IVA, foi dois mil milhões de euros, muito para além daquilo que a
própria troika exigia".
Fui verificar de onde vinha
esta informação que era evidentemente um bom exemplo da prática de torturar os
dados até que digam o que queremos.
Creio ser de um trabalho do
Público sobre os três anos da troika, algures em maio de 2014.
Nesse trabalho está o
memorando comentado.
No seu ponto 1.23, o Memorando
diz "Aumentar as receitas de IVA para obter uma receita adicional de, pelo
menos, 410 milhões de euros durante um ano fiscal inteiro" e no comentário
do Público, de 2014, é dito "Alterações do Governo ao IVA desde 2011
rendem encaixe superior a 2 200 milhões de euros".
Percebemos então que António
Costa confunde o limite mínimo do objetivo a atingir num ano com o seu limite
máximo e depois compara o valor mínimo para um ano com o valor obtido em três
anos.
Omite que o enorme aumento de
impostos resultou da decisão do Tribunal Constitucional que impediu o
cumprimento do Memorando em matéria de contenção da despesa da administração
pública "1.9. Assegurar que o peso das despesas com pessoal no PIB diminua
em 2012 e em 2013", em consequência do que sempre esteve previsto no
Memorando de Entendimento "Se os objetivos não forem cumpridos ou for
expectável o seu não cumprimento, serão adotadas medidas adicionais".
Ou seja, o único pequeno dado
singelo relevante é que António Costa pode dizer o que quiser, incluindo
retintas mentiras como esta, porque é do lado certo do espectro político e
porque a imprensa estará mais interessada em apimentar títulos (um bom exemplo
é o recente título de uma entrevista do Ministro da Defesa em que o DN acha
normal retirar da frase do Ministro "por absurdo" para não estragar
uma frase bombástica que dá uma manchete bem apimentada), que em fazer o que
deve: escrutinar verdadeiramente o que é dito como forma de aumentar o custo
político da mentira e da manipulação, pressionando os políticos para um
debate público mais factual e menos manipulador.
E, já agora, demonstraria a
utilidade da imprensa, devolvendo-me o tempo que perco a verificar as parvoíces
que são ditas pelos chefes partidários, o que justificaria o dinheiro a pagar
por um jornal, aumentando a probabilidade dos jornalistas manterem o emprego e
serem bem pagos.
Título e Texto: Henrique Pereira dos Santos, Corta-fitas,
11-9-2017
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