Alexandre Homem Cristo
Ao acreditar que o PS, tomado de espírito
patriótico, negociará reformas do Estado com o PSD e sacrificará a geringonça,
Rio está a criar uma armadilha a si mesmo. Não, o PS não quer reformar o Estado.
Rui Rio percebeu a necessidade
de afirmar um rumo reformista no PSD. Mas parece estar em vias de cometer um
grande erro: o de acreditar que António Costa ou o PS são um parceiro viável
para esse projeto e que veem algum interesse em reformar o Estado. Não são. E
não veem.
A estratégia de Rui Rio parte
de vários diagnósticos corretos. Primeiro, na existência de uma crispação
excessiva e muitas vezes artificial no debate político, que impede
entendimentos em matérias onde as discordâncias não são profundas. Segundo, na
constatação do bloqueio político que a geringonça representa: qualquer solução
política à esquerda, por incluir PCP e BE, bloqueia reformas, na medida em que
estas colidem com as clientelas desses partidos. Terceiro, na necessidade de
ser o PSD assumir a liderança de uma agenda reformista, que olhe aos desafios
estruturais da sociedade portuguesa e que seja uma via para a modernização do
país. Quarto, na eleição das áreas sociais como prioridade para essa agenda
reformista – tais como a natalidade, a terceira idade, a sustentabilidade da
segurança social, a saúde e a educação. A soma destes quatro pontos sintetiza,
aliás, o caminho que Passos Coelho não soube percorrer na oposição, desde 2015.
O passo seguinte seria concluir
que só um projeto reformista, liderado pelo PSD e com o CDS, constituiria uma
real alternativa ao atual bloco PS-BE-PCP. O problema é que Rui Rio parece
estar do lado dos equivocados, ao
terminar o raciocínio com a conclusão errada: ao acreditar que o PS, invadido
de algum espírito patriótico, negociará reformas do Estado com o PSD e
sacrificará a geringonça, Rui Rio está a criar uma armadilha a si mesmo. Não, o
PS não quer reformar o Estado. Não, o PS não está desconfortável com o
imobilismo reformista da atual solução governativa à esquerda – está
orgulhosamente a alimentar as suas clientelas eleitorais.
E não, o PS não se quer livrar
de PCP e BE – muito pelo contrário, quer eternizar a sua ligação com PCP-BE,
porque essa é a sua fórmula de poder perpétuo (só uma esquerda unida pode controlar o aparelho de
Estado, dominar a máquina sindical e amordaçar a contestação social). Nem
agora, nem no pós-2019 (que parece ser legitimamente uma preocupação de Rui
Rio), o PS abdicará dos instrumentos de poder que o apoio da esquerda lhe
garante.
Para perceber isto não é
necessário ter grandes talentos de leitura política, porque isto já foi dito às
claras por dirigentes socialistas. Primeiro, há vários elementos proeminentes
do PS que afirmaram pretender repetir a geringonça – ou mesmo dar o passo em
frente, trazendo por exemplo o BE para um governo. Segundo, como assinalou o Luís Rosa, o PS não acredita que seja necessário reformar a
Segurança Social ou muitas das áreas que Rui Rio apontou.
Então, o que levaria os
socialistas à mesa de negociações do PSD? A resposta é simples. Só se imagina o
PS a discutir a reforma do Estado se isso multiplicar a sua influência (é,
aliás, o que ambiciona fazer na Justiça) e se a “oferta” do PSD for mais
vantajosa do que a de PCP-BE. Mas esse cenário surge como uma linha vermelha
inultrapassável: é inconcebível que o PSD (mesmo retirando ganhos momentâneos)
seja para o PS um instrumento de perpetuação no poder ainda mais profundo do
que são hoje PCP-BE.
O PS não quer saber nem do
PSD, nem das reformas. E jamais em momento algum dará a mão ao PSD. Não é por
crispação do ambiente político. É mesmo porque isso implicará sempre fragilizar
os acordos à esquerda, que são o pilar da estratégia socialista de manutenção
no poder. Seria fundamental que Rui Rio, que tem ideias políticas bem
estruturadas, não caísse neste erro táctico. É que todos os esforços investidos
em contrariar esta inevitabilidade socialista serão uma perda de tempo. E, para
PSD e CDS formarem uma alternativa, já não há tempo a perder.
Título e Texto: Alexandre Homem Cristo, Observador,
19-2-2018
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