Vitor Cunha
Tenho sido injusto com o
movimento #MeToo. Dizem os arrependidos que mais vale tarde do que nunca, pelo
que faço aqui a minha penitência admitindo a insensibilidade masculina de que
padeci, prometendo conectar-me em pleno com o lado feminino que é pertença de
todos os homens e que aprendem a reprimir por consequência do jugo opressor de
um heteropatriarcado bruto de Direita.
A Guerra dos Sexos não faz
qualquer sentido, amigos com pança de cerveja. Precisamos de mulheres felizes,
integradas, sem medo de interações verbais com sujeitos broncos entre uma
paragem e outra. Está mais que visto que não é na família, no emprego, na
educação dos filhos e nos tempos livres que uma mulher encontra a felicidade;
também não é na cultura, na educação, na criatividade e na originalidade: é na
reciclagem da leitura bizarra que alguém fez da Simone de Beauvoir na certeza
de que as irmãs de Hollywood podem representar as mulheres de todo o mundo, da
sopeira à princesa. É, portanto, a identificação de classe. Para o efeito,
teremos, como sociedade, que esquecer um bocadinho o violador de Telheiras e as
gangues violadores da Índia e focarmos a nossa atenção nas leis da paridade e
na educação dos homens, que tem sido uma lástima — apesar da preponderância de
mulheres no ensino, traidoras da classe feminina. Esta educação cria agressores
em cada esquina de Hollywood (e pelo menos uma em Telheiras, mas não vamos por
aí) e cúmplices em todos os que não se mostram publicamente a dizer o quão
chocados estão por um papel cinematográfico para uma jovem naïf do Kansas ter
sido considerado pela facilidade com que se subjugou aos vícios libidinosos de
um produtor há trinta anos.
Se todos nos juntarmos e
gritarmos “Me Too”, começamos a resolver o problema, tal como resolvemos a
esclerose lateral amiotrófica despejando um balde de água fria na cabeça. Não,
não é com encarcerar o violador de Telheiras — lá estou eu a desviar as
atenções para um problema menor em relação ao trauma que é a Oprah Winfrey
descobrir tão tardiamente as companhias dos seus amigos íntimos; é educando os
rapazes para que respeitem as mulheres assegurando que não se tornam em
produtores de cinema de Hollywood. Bem sei que não conseguimos ensinar
assassinos de mulheres a ler, mas não há motivos para não os conseguirmos
ensinar a usar todos os talheres nos jantares onde se discutem as temáticas da
condição feminina. Até porque, como dizia a Simone — a francesa, não a do “quem
faz um filho fá-lo por gosto” —, “a opressão tenta defender-se pelo lado
utilitário”, daí que é melhor escolher restaurante em que a elegante e
heteropatriarcal função de empregado de mesa é desempenhada por gente do sexo
masculino.
Para mim, a gota de água do
meu papel como opressor-barra-cúmplice na destruição da mulher por defeito
cromossomático foi a explicação da Catarina Furtado para a situação de assédio
que viveu, tendo que fingir “que não estava a perceber bem” o que lhe propunham
de forma a que, aniquilada no seu íntimo, lá conseguiu sair “arranjando
desculpas e sorrindo para não nascerem conflitos irreparáveis”. Ficou orgulhosa
de ter saído, e eu também, que percebi, com este relato, que também já fui
vítima de assédio.
Em conversa com pessoa que
outrora denominaria por “minha mulher” e agora denomino simplesmente por “a
mulher”, conclui que também ela foi vítima de assédio. Assim, é com orgulho que
ambos dizemos, para que todo o mundo saiba: #WeToo. Enquanto o leitor abriu o
computador, leu este texto e se indignou como habitualmente, uma mulher foi
violada na Índia, se contarmos apenas os casos reportados. Mas isto não é sobre
ela, isto é sobre mim.
Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias,
3-2-2018
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