sábado, 3 de fevereiro de 2018

From #MeToo You

Vitor Cunha

Tenho sido injusto com o movimento #MeToo. Dizem os arrependidos que mais vale tarde do que nunca, pelo que faço aqui a minha penitência admitindo a insensibilidade masculina de que padeci, prometendo conectar-me em pleno com o lado feminino que é pertença de todos os homens e que aprendem a reprimir por consequência do jugo opressor de um heteropatriarcado bruto de Direita.

A Guerra dos Sexos não faz qualquer sentido, amigos com pança de cerveja. Precisamos de mulheres felizes, integradas, sem medo de interações verbais com sujeitos broncos entre uma paragem e outra. Está mais que visto que não é na família, no emprego, na educação dos filhos e nos tempos livres que uma mulher encontra a felicidade; também não é na cultura, na educação, na criatividade e na originalidade: é na reciclagem da leitura bizarra que alguém fez da Simone de Beauvoir na certeza de que as irmãs de Hollywood podem representar as mulheres de todo o mundo, da sopeira à princesa. É, portanto, a identificação de classe. Para o efeito, teremos, como sociedade, que esquecer um bocadinho o violador de Telheiras e as gangues violadores da Índia e focarmos a nossa atenção nas leis da paridade e na educação dos homens, que tem sido uma lástima — apesar da preponderância de mulheres no ensino, traidoras da classe feminina. Esta educação cria agressores em cada esquina de Hollywood (e pelo menos uma em Telheiras, mas não vamos por aí) e cúmplices em todos os que não se mostram publicamente a dizer o quão chocados estão por um papel cinematográfico para uma jovem naïf do Kansas ter sido considerado pela facilidade com que se subjugou aos vícios libidinosos de um produtor há trinta anos.

Se todos nos juntarmos e gritarmos “Me Too”, começamos a resolver o problema, tal como resolvemos a esclerose lateral amiotrófica despejando um balde de água fria na cabeça. Não, não é com encarcerar o violador de Telheiras — lá estou eu a desviar as atenções para um problema menor em relação ao trauma que é a Oprah Winfrey descobrir tão tardiamente as companhias dos seus amigos íntimos; é educando os rapazes para que respeitem as mulheres assegurando que não se tornam em produtores de cinema de Hollywood. Bem sei que não conseguimos ensinar assassinos de mulheres a ler, mas não há motivos para não os conseguirmos ensinar a usar todos os talheres nos jantares onde se discutem as temáticas da condição feminina. Até porque, como dizia a Simone — a francesa, não a do “quem faz um filho fá-lo por gosto” —, “a opressão tenta defender-se pelo lado utilitário”, daí que é melhor escolher restaurante em que a elegante e heteropatriarcal função de empregado de mesa é desempenhada por gente do sexo masculino.

Para mim, a gota de água do meu papel como opressor-barra-cúmplice na destruição da mulher por defeito cromossomático foi a explicação da Catarina Furtado para a situação de assédio que viveu, tendo que fingir “que não estava a perceber bem” o que lhe propunham de forma a que, aniquilada no seu íntimo, lá conseguiu sair “arranjando desculpas e sorrindo para não nascerem conflitos irreparáveis”. Ficou orgulhosa de ter saído, e eu também, que percebi, com este relato, que também já fui vítima de assédio.

Em conversa com pessoa que outrora denominaria por “minha mulher” e agora denomino simplesmente por “a mulher”, conclui que também ela foi vítima de assédio. Assim, é com orgulho que ambos dizemos, para que todo o mundo saiba: #WeToo. Enquanto o leitor abriu o computador, leu este texto e se indignou como habitualmente, uma mulher foi violada na Índia, se contarmos apenas os casos reportados. Mas isto não é sobre ela, isto é sobre mim. 
Título e Texto: Vitor Cunha, Blasfémias, 3-2-2018

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