domingo, 24 de maio de 2015

Morte em Veneza

Diogo Mainardi

Eu, Diogo, fiz um textinho sobre a decadência de Veneza para O Globo.

Se quiser, está aqui:


"Veneza é decadente, claro, mas não são 30 anos de decadência, como imaginam os jornalistas ingleses que passam rapidamente pela cidade, e sim 500 anos. Até a decadência, em Veneza, tem uma dimensão fabulosa. De fato, a ruína faz parte da cultura veneziana. Comparar a Veneza de hoje à Veneza de 30 anos atrás, quando me mudei para cá, é uma mesquinharia histórica. Não há uma única esquina da cidade que não exprima decadência e morte. E não há uma única obra artística ou literária que não esteja carregada desse sentimento de perda, dos quadros de Tiziano ao “Mercador de Veneza”, das aventuras de Casanova aos ensaios de John Ruskin.

No verão, vou todos os dias à praia em que o protagonista de “Morte em Veneza” está morrendo de cólera. Da minha janela, vejo as cúpulas da Igreja da Salute, erguida para comemorar o fim da peste de 1630, que matou dezenas de milhares de pessoas. Dessa mesma janela, atirou-se a poeta americana Constance Fenimore Woolson, a melhor amiga de Henry James, suicidando-se. Ao sair de casa, piso necessariamente na lajota em que ela se espatifou. E digo: “Bom dia, Constance”.

Nos últimos 30 anos, algumas coisas de fato pioraram. Fechou a quitanda perto de casa. Fechou o padeiro. Fechou a barraca que vendia peixe. Agora a gente tem de ir ao supermercado para fazer compras. Isso não ocorreu apenas em Veneza — é um fenômeno mundial. Outra coisa que piorou: fomos invadidos por navios transatlânticos, que ameaçam a sobrevivência da cidade. Mas meu filho de 9 anos pode ir sozinho para a escola, como em qualquer cidadezinha do interior. E pode ir jogar bola com os amigos na rua. E meu filho de 14 anos, que caminha com um andador, também pode ir sozinho para a escola, porque a prefeitura foi muitíssimo camarada e manteve as rampas da maratona de Veneza nas pontes perto de casa.

Sim, Veneza exprime decadência e morte — e eu vou morrer aqui". 
Título e Texto: Diogo Mainardi, O Antagonista, 24-5-2015

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