domingo, 26 de março de 2017

Tristezas

Vasco Pulido Valente

… hopes expire of a low dishonest decade… (W. H. Auden)

O PSD – A comissão distrital do PSD aprovou a candidatura da dra. Teresa Leal Coelho à Câmara de Lisboa por vinte e tal votos contra um. Não me admira nada, só me admira que esse único discrepante não fosse imediatamente fuzilado. Os chefes mandam hoje nos partidos como quem manda em regimentos e deviam abandonar os títulos com que se ornamentam pelo título genérico de “coronel”, como antigamente no Brasil. Era mais sincero e exato. A obediência é, do PC ao CDS, a grande virtude do militante e, como dizia Lee Atwater, o lendário conselheiro de Reagan, o segredo do sucesso está em “não se fazer notado, fazer-se de parvo e ir sempre andando”.

Mas não há críticos do PSD? Há: os defuntos partidários (Pacheco Pereira) e os generais reformados (Marques Mendes, Santana Lopes e Manuela Ferreira Leite, todos ex-presidentes daquela desaustinada agremiação). Isto dá vontade de morrer, como Bulhão Pato inventou que Herculano tinha dito perante um espetáculo parecido? Às vezes, dá, desculpem.

Copos e mulheres – José Manuel Fernandes foi o único a perceber que o comentário do sr. Dijsselbloem era um comentário de calvinista. Infelizmente, acabou aí. Mas vale a pena continuar. Garton Ash já pediu em público aos seus amigos Merkel e Schäuble que não tratassem a crise do Euro como “um ramo da teologia” e, para uso dos zoilos, também já explicou que esta perversão vem das profundezas da cultura alemã. Em alemão a palavra para orçamento (do Estado, por exemplo), Haushalt, significa simultaneamente “casa de família” ou, se quiserem, “lar”, um termo em desuso, mas talvez mais exato; e que a palavra Schuld quer dizer ao mesmo tempo “dívida” e “culpa”. Garton Ash acrescenta que na imprensa e na televisão se chama habitualmente aos países do Sul “pecadores fiscais”.

Lá do outro lado, Max Weber deve estar a rir-se das críticas que lhe fizeram. Afinal parece que há mesmo uma divisão profunda, de que ninguém se atreve a falar, entre a Europa protestante, onde o capitalismo encontra um leito macio, e a Europa católica (Portugal, Espanha, França e a maior parte de Itália – a Grécia ortodoxa por definição não conta), onde a Igreja por séculos e séculos habituou as gentes à irresponsabilidade pessoal e à dependência do padre, do bispo ou do cardeal, e onde o capitalismo encontrou um ambiente áspero e um Estado absorvente. Richard Tombs, um historiador de Cambridge especialista em história francesa, escreveu a semana passada que não existia no mundo um país tão anticapitalista como a França. Esqueceu-se de Portugal.

Quanto aos “copos e mulheres” do sr. Dijsselbloem, que aqui foram recebidos com hipócrita indignação, não passam de uma transparente metáfora para a classe média em larga medida inútil e parasitária que a democracia criou e para os serviços sociais que ela não pode de toda a evidência sustentar. Nestes apertos nós somos verdadeiramente católicos, esquecemos os nossos desvarios como quem se confessa e, apagando o passado ou até mesmo o presente, consideramo-nos honestos e limpíssimos.

Jorge Sampaio – Conheço este antigo Presidente por dentro e por fora desde os vinte anos. Mas nunca o julguei capaz de descer tão baixo. O segundo volume das memórias desta medíocre criatura, que tem todos os privilégios da praxe (uma grande pensão, gabinete de quatro ou cinco pessoas, escritório, automóvel e motorista), foi para meu espanto e até escândalo financiado pelas seguintes entidades: BPI, Fundação Oriente, Fundação Luso-Americana, Grupo Visabeira (ou seja, um grupo económico privado), Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova, PT e Mota-Engil. Esta indignidade de um homem em quem milhões votaram é um insulto para o país. E ainda há quem fique perplexo com a corrupção do PS. Previno já que vou ler e escrever sobre as ditas memórias com a maior repugnância.
Título e Texto: Vasco Pulido Valente, Observador, 26-3-2017

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2 comentários:

  1. AO SEU NÍVEL, MUITO BOM. SÓ NÃO CONCORDO COM AS OBSERVAÇÕES SOBRE PPC. NÃO ESQUECER QUE ÀS VEZES MAIS PARECE UM SOLDADO DO QUE UM GENERAL, LEVA PANCADARIA DE TODO O LADO A TORTO E A DIREITO.
    Antonio Afonso

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    Respostas
    1. Tem razão! O próprio primeiro "parágrafo" do artigo corrobora a sua afirmação: PPC mais parece um soldado, tanta é a pancada que leva, até da sua e na sua própria trincheira.
      Não ocorreu ao articulista questionar se o número de votos em Teresa Leal Coelho pudesse se dever, não ao 'coronelismo' do partido, mas à argumentação do líder que convenceu esses vinte e um votos. Mas não, como ele, o articulista, lá não estava, bastou-lhe sublimar a opinião que tem de PPC para exarar a "sua verdade."
      E assim é em Portugal.

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