Costa selou os lábios e recusou responder a
Passos sobre o veto de nomes para o CFP. No 25 de Abril festeja-se a
democracia. O 26 de abril devia ser para exercer o que se celebrou a 25.
Vítor Matos
Um dia comemora-se o 25 de
Abril, festeja-se a democracia, critica-se o populismo e declara-se morte ao
nacionalismo. O Presidente da República até louvou a imunidade do sistema
português a estes sarilhos que acontecem lá fora. No dia seguinte, com a
democracia plena a fazer o seu curso no debate quinzenal com o primeiro-ministro, voltamos ao business as usual:
assistimos a António Costa a recusar-se a responder perante o Parlamento
— que tem a missão constitucional de fiscalizar o Governo — com argumentos
contrários à lógica de uma democracia parlamentar. Costa recusou responder
porque não era ao deputado Passos Coelho que devia a resposta, mas a outras
instituições. Faz parte da lógica Parlamentar fugir a questões maçadoras, mas
um primeiro-ministro que no dia anterior abriu os seus jardins a cravos e a poesia não pode responder
assim.
Ausente do confronto com
António Costa desde que os debates quinzenais atingiram temperaturas pouco
recomendáveis, Pedro Passos Coelho regressou para colocar o
primeiro-ministro numa situação indefensável. O líder do PSD quis saber
porque razão o Governo vetou dois nomes para o Conselho de Finanças Públicas —
um proposto pelo Banco de Portugal e outro pelo Tribunal de Contas. “Fê-lo sem
apresentar justificação”, disse Passos.
António Costa começou por
responder que o Governo deu a informação ao Tribunal Constitucional e ao Banco
de Portugal “por via informal”, por os nomeados “não reunirem o perfil para
essas funções”. Não foi mais longe do que isto: “Os nomes não mereciam
aprovação”. Eram Teresa Ter-Minassian, ex-chefe de missão do FMI em Portugal, e Luís Vitório,
ex-chefe de gabinete de Paulo Macedo no Ministério da Saúde. Os nomes e o
perfil não foram falados no Parlamento, mas intui-se que não têm a mesma visão
governamental das contas públicas. Passos voltou a insistir: “Não respondeu à
questão: porque é que entendeu que não devia nomear os nomes propostos?”
E aqui António Costa
resvalou para a justificação injustificável, uma resposta que vai para além
das suas malas-artes
do costume para fugir a perguntas difíceis: da maneira como a questão foi
respondida, Costa negou ao Parlamento aquilo que é uma das suas funções
fundamentais: a fiscalização dos atos do Governo. Podia fugir, chutar para
canto, falar de outro assunto, assobiar para o ar, mas sem qualquer tipo de
subtileza e longe da sua habilidade habitual, a resposta inconstitucional
do primeiro-ministro foi esta:
“Se a proposta tivesse sido
sua, daria satisfações sobre essa matéria. As propostas são do Banco de
Portugal e do Tribunal de Contas, e responderei a eles. Não respondo a si o que
não respondi a eles, que não perguntaram porque recusaram os nomes”.
Toda esta frase do
primeiro-ministro viola o espírito e letra da Constituição. A Lei Fundamental diz que os partidos
políticos representados na Assembleia da República “e que não façam parte do
Governo gozam, designadamente, do direito de serem informados regular e
diretamente pelo Governo sobre o andamento dos principais assuntos de interesse
público”. É o artigo 114 sobre “partidos políticos e direito de oposição”.
Mas diz mais, no artigo 156, sobre os “poderes dos deputados”: “Fazer perguntas
ao Governo sobre quaisquer atos deste ou da Administração Pública e obter
resposta em prazo razoável, salvo o disposto na lei em matéria de segredo de
Estado”. E diz ainda o seguinte, no artigo 162, que define a “competência e
fiscalização” da Assembleia da República: “Vigiar pelo cumprimento da
Constituição e das leis e apreciar os atos do Governo e da
Administração”.
Perante nova insistência de
Passos, Costa diria que, “nos termos da lei, uma entidade propõe e a outra
nomeia. O Governo não prescinde nem abdica das suas competências. (…) Darei
a resposta ao Banco de Portugal e ao Tribunal de Contas. Nunca nenhum me
perguntou, não vou fazer essa indelicadeza.”
Com este nível de
argumentação, é claro que António Costa mais não fez do que dar spin à
nova narrativa do PSD que quer fazer passar a ideia de que o PS aspira a
dominar as entidades independentes do Estado. “Trata-se de preservar a
independência de uma instituição que o PS não respeita”, acusou o líder do PSD.
Passos afirmou que Costa quer controlar o Conselho das Finanças públicas, que
segundo o social-democrata “tem sido um dos poucos a desmascarar a aritmética
impossível do Governo”. E deu depois a estocada: “Sabemos desde Jorge Coelho
que quem se mete com o PS leva. O PS lida mal com as instituições
independentes e lida mal com o Parlamento”. Para se defender, claro, Costa
contrapôs com as sucessivas previsões falhadas do CFP.
Suave com as críticas da
esquerda, a quem vai prestando os esclarecimentos de forma civilizada — viu-se
hoje quando Catarina Martins quis saber o que se passava no Instituto Ricardo
Jorge e até parece que não estava bem informada –, Costa nunca podia recusar a
Passos “satisfações”. Aquilo não era um frente a frente televisivo. Era uma
prestação de contas do Governo à Assembleia da República. No 25 de Abril
festeja-se a democracia. O dia 26 de Abril devia ser para exercer o que se
celebrou no dia 25.
Título, Imagem e Texto: Vítor Matos, Observador,
26-4-2017
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.
Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.
Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-