D. Quaresma dos Santos
O MPLA, enquanto partido que
governa Angola há 42 anos, confronta-se hoje com um grande dilema. Como
promover mudanças sociais e, ao mesmo tempo, proteger os interesses dos grupos
dominantes?
Atualmente, o país encontra-se
sob uma liderança política bicéfala. Por um lado, temos o poder do Estado sob a
direção de João Lourenço, o recém-eleito presidente da República. Por outro,
temos o poder real de José Eduardo dos Santos, presidente do partido vencedor
das eleições. O presidente da República João Lourenço, na sua qualidade de
vice-presidente do MPLA, é subordinado de JES.
A coabitação entre o
presidente do partido, que detém o poder real, e o novo presidente da
República, que detém o poder formal-constitucional, começa já a manifestar
sinais de incompatibilidade. Os interesses dos poderes assentes no palácio
presidencial não coincidem com os poderes transferidos para e reforçados no
Kremlin, como é conhecida a sede do MPLA.
O maior dilema, porém, é a
militância oposicionista que vai crescendo dentro do MPLA – ainda que
exclusivamente manifestada nas redes sociais – contra José Eduardo dos Santos.
Com entusiasmo, estes oposicionistas animam a esperança de alguns segmentos da
sociedade angolana, promovendo João Lourenço como o líder da mudança.
A nova oposição anti-Dos
Santos – forjada no calor do oportunismo e da cobardia dentro do MPLA –
afirma-se hoje como mais ativista que os “revús”, e ataca o ex-presidente em
campanhas para o afastarem da liderança do MPLA.
Os novos “ativistas” querem
fazer parecer que a única oposição que alguma vez existiu em Angola é a do
próprio MPLA, agora apostando tudo em João Lourenço e contra José Eduardo dos
Santos. Nessa luta, a população corre sérios riscos de cair num grande logro:
livrar Angola do ex-ditador para simplesmente instalar outro ditador.
Mesmo assim, nota-se um
sentimento crescente de frustração face ao comportamento do MPLA neste período
de transição. Vencidas – como era de prever e esteve sempre assegurado – as eleições,
era imperativo que o MPLA, passados 38 anos ao comando de JES, desse mostras
substanciais de mudança.
No entanto, o MPLA não só
mantém a mesma linha de conduta, como reconduz os mesmos atores, que agem com
base nos velhos métodos e práticas do passado. A recente nomeação de José
Massano para governador do BNA, cargo que ocupa há três anos, é exemplo de
“mais do mesmo”. Mudou-se o presidente, mantém-se o MPLA.
Nas últimas eleições, de forma
inaudita e apesar de todos os mecanismos de controlo, boa parte da população
votou na oposição. Houve um grande nervosismo por parte dos dirigentes do MPLA
quando, inicialmente, a oposição se recusou a aceitar os resultados eleitorais,
dada a ausência de escrutínio dos votos em 15 das 18 províncias. O MPLA sentiu
medo. Medo de uma massa de gente que quis mostrar cartão vermelho aos
detentores do poder, de forma pacífica e ordeira, com o seu voto.
Esse medo não foi suficiente
para que o MPLA se regenerasse. Já esquecidos do perigo, embriagados pela
vitória fraudulenta, os militantes continuam no caminho da degeneração. Vivemos
numa sociedade em que a convivência sã entre cidadãos se torna cada vez mais
difícil.
Pertencer ao MPLA está acima
de qualquer interesse comum. Votar, em Angola, não é apostar em quem tem melhores
condições para responder aos mais altos desafios da nação: a criação de
emprego, a industrialização do país, o investimento na educação de qualidade, a
promoção do bem-estar do povo e da justiça económica e social, bem como a
garantia de segurança e defesa da soberania nacional.
Não é com os
governadores-generais Kundi Paihama (Cunene), Eusébio Teixeira de Brito
(Kwanza-Sul), Pedro Mutindi (Kuando-Kubango), com os ministros Archer Mangueira
(Finanças), Manuel Nunes Júnior (ministro de Estado para a Coordenação
Económica) e Ângelo de Barros Veiga Tavares (Interior), que poderemos esperar
bons resultados deste governo de João Lourenço. O povo conhece esses senhores,
que nada de bom podem trazer para a saída da crise em que o país se encontra, exceto
se deixarem os seus cargos.
Demagogia
Impera a demagogia.
Há centenas de quadros
competentes, capazes de contribuírem para um melhor governo. Mas não passam
pelo crivo da militância, do nepotismo e dos compadrios enraizados no MPLA.
Hoje, parece que faz parte da
nossa cultura aceitar que só os do MPLA são bons. Se um indivíduo deserta da
oposição para se juntar ao partido no poder, passa imediatamente a ser bom, e
até se lhe descobrem características de competência, como nos casos do chefe do
Estado-Maior General das FAA, general Nunda, e do ex-ministro das Relações
Exteriores, Georges Chicoti, entre muitos outros.
Como pode haver mudança, se
não há debate interno nem democracia no seio do MPLA? É tudo por escolha. Foi
José Eduardo dos Santos quem escolheu João Lourenço para vice-presidente do
partido e para lhe suceder. Depois, torna-se naturalmente difícil que o homem
escolhido desafie o seu benfeitor, o seu mentor, mesmo quando os interesses
pessoais deste colidem com os interesses da nação.
Quem se opõe ao que está mal,
quem critica, é desvalorizado. E se não há oposição nem crítica, como se pode
corrigir o que está mal? Nas redes sociais, pede-se que se deixe o novo
presidente trabalhar. Proliferam já os novos polícias do pensamento e os novos
engraxadores das botas pesadas de João Lourenço.
Do lado da oposição, pelo
contrário, acredita-se que pouco ou nada se aproveita do MPLA. E mantém-se uma
total falta de visão comum para Angola. Aquilo que é fundamental para o
bem-estar dos angolanos não deve ser motivo de discórdia entre os do MPLA, da
UNITA, CASA-CE, PRS, FNLA e a sociedade civil. As contendas devem girar em
torno da melhor forma de alcançar os resultados – ambicionados por todos – que
transformem Angola e melhorem a vida dos angolanos.
Mais uma vez, a liderança do
MPLA tem a oportunidade de colocar o interesse do povo angolano acima do
oportunismo e da ganância desmedida de muitos dos seus líderes. É uma
oportunidade derradeira que não deve desperdiçar, pela sua história e pela sua
sobrevivência.
A direção do MPLA precisa de
assumir imediatamente uma nova postura política. Tem de alterar os velhos
métodos de atuação. Tem de reconhecer os seus erros e propor-se a corrigi-los,
porque só assim estará em condições de melhorar todo o sistema de governação e
de assegurar a estabilidade política interna.
Para o efeito, é necessário
que José Eduardo dos Santos, por enquanto interessado em manter-se presidente
do MPLA, abandone o seu cargo o mais cedo possível. É preciso democratizar o
MPLA, com eleições para a presidência do partido.
O Comité Central e o Bureau
Político do MPLA devem traçar uma linha de orientação política consequente, que
rompa com o passado. E José Eduardo dos Santos é o passado.
Só assim será possível conter
as perigosas divisões internas que se começam a desenhar, com a formação das
facções de JES e de JLo. Só assim será possível que o MPLA se comprometa em
servir o povo, respeitar os seus direitos fundamentais e acabar com o saque do
país por parte dos seus dirigentes.
Título, Imagem e Texto: D. Quaresma dos Santos, Maka Angola, 29-10-2017
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