Rafael Marques de Morais
Sr. Presidente da República,
Acompanhei o grande entusiasmo
popular que as suas promessas eleitorais geraram. Logo após a sua tomada de
posse como presidente, o senhor tornou-se a imagem da esperança em Angola. Sem
dúvida, conseguiu recuperar a esperança que José Eduardo dos Santos, com o
inquestionável apoio do MPLA, havia enterrado bem fundo, de modo que a
corrupção, a desordem, a repressão, a impunidade, o abuso de autoridade e a
falta de dignidade dos angolanos servissem de esteio à governação.
Em poucos dias, o senhor
conseguiu transformar a falta de legitimidade política –enquanto presidente
eleito sem apuramento de resultados em 15 das 18 províncias – em popularidade
messiânica. O povo acreditou em si como nunca acreditara num líder.
Não falemos mais destas
tristes eleições de 23 de agosto de 2017. O povo, “sofredor e generoso”,
adaptando o hino nacional à realidade, concedeu-lhe – por empréstimo temporário
– toda a popularidade de que necessitava para ser o presidente de Angola, não
só da parte do MPLA e dos oportunistas, mas da generalidade dos cidadãos. O
mundo inteiro rendeu-se às suas promessas de combate à corrupção e de reforma
do Estado.
Por isso lhe pergunto agora: o
que se passa?
Quanto mais o presidente
nomeia, mais a sociedade fica com a impressão de que o senhor é a continuação
de José Eduardo dos Santos e de todo o mal que este infligiu aos angolanos. É
isso que o atual Orçamento Geral do Estado denuncia. Trata-se de mais do mesmo:
despreza a educação e a saúde – logo, despreza o povo.
Mas o senhor tem uma qualidade fundamental para ser bem-sucedido na sua missão como presidente. Não é indiferente ao sofrimento e à miséria do povo, como sempre o foi José Eduardo dos Santos.
Em sua defesa, corre a teoria
de que o senhor presidente está a nomear tantos caducos, ineptos e corruptos do
MPLA porque precisa do apoio deles para se tornar presidente do MPLA. Ora! Se
João Lourenço já é presidente da República, porquê lutar para ser presidente do
MPLA?
Segundo essa teoria (a única
que de momento lhe é favorável em círculos críticos), o senhor enfrenta
dificuldades para se afirmar dentro do MPLA, do qual é vice-presidente. E,
segundo argumentos também a seu favor, precisa de controlar o partido para
poder governar.
Eu, como muitos leitores,
discordo. Passo a explicar porquê.
Primeiro, só um ditador
precisa de controlar simultaneamente a República e o partido no poder para
governar bem, até porque a Constituição angolana garante poderes imperiais ao
presidente.
Segundo, o modelo de partido
único do MPLA nunca funcionou para o bem dos angolanos, apenas beneficiou a
estrutura dirigente. Os esforços cosméticos de adaptação do modelo de partido
único à democracia e à economia de mercado levaram à privatização do Estado
pelos mesmos dirigentes e seus agentes. O MPLA levou Angola ao estado atual de
falência.
Será inteligente da sua parte,
camarada João Lourenço, cometer os mesmos erros do passado?
O MPLA é para si mais
importante do que todo o apoio popular nunca concedido, sem guerra nem
repressão, a um presidente? O camarada João Lourenço não quer fazer história?
Quem tem o povo e o exército
do seu lado pode temer o quê? Um ex-presidente José Eduardo dos Santos, doente,
decrépito e totalmente desacreditado? Ou será que o senhor presidente não
percebe que tem tudo nas suas mãos?
Diz-se que o presidente do
MPLA, José Eduardo dos Santos, tem o poder de bloquear as suas iniciativas na
Assembleia Nacional, através do grupo parlamentar. Pura falácia.
A Assembleia Nacional é pouco
mais do que um autódromo, um lugar para distribuir viaturas de luxo entre
políticos inchados de vaidade, como Vicente Pinto de Andrade. Segundo este
representante do MPLA, é indigno, é uma “chacota” que um deputado vá ao
parlamento numa viatura Hyundai Accent, mas já quanto aos que morrem à fome por
causa da má governação nada há a dizer. No parlamento promove-se a dignidade
dos “Lexus”, as viaturas de luxo atribuídas aos senhores deputados.
Imaginemos que o MPLA tente
impedir ou boicotar publicamente, através da Assembleia Nacional, iniciativas e
medidas suas tomadas para o bem do povo e da nação? Como enfrentaria o
presidente e o povo unidos?
Portanto, pergunto-lhe: terá o
senhor medo ou vergonha de ser um bom presidente? Será que lhe falta coragem
política ou astúcia para lidar com as forças destrutivas dentro do seu próprio
partido?
Também lhe posso dizer que não
deve temer pela informação eventualmente comprometedora que José Eduardo dos
Santos ou outros detenham sobre si. As pessoas não querem um presidente santo,
querem um líder que as retire do buraco em que se encontram, desesperadas.
Será contraproducente, senão
mesmo impossível, privilegiar a acomodação dos seus pares no MPLA e tratar o
povo com meras promessas e discursos cheios de nada.
Acredito que o senhor
presidente saberá encontrar, no fundo da sua consciência, a bondade necessária
para buscar os conselhos relevantes no sentido de fazer uma escolha clara e
inadiável: primeiro os angolanos, depois o MPLA.
Também acredito que o senhor
queira inscrever o seu nome nos murais da posteridade como um cidadão de bom
senso, que aproveitou o extraordinário apoio do seu povo para promover o
desenvolvimento humano e o progresso da sua nação. Não é pedir muito.
Continuo a acreditar em si e
na sua coragem. Mas, nas ruas, a impaciência é cada vez maior, e o senhor não
tem muito tempo para escolher entre governar com os angolanos ou afundar-se sob
a bandeira do MPLA.
*Mukanda é uma carta na
língua kimbundu.
Título, Imagem e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola, 15-2-2018
Título, Imagem e Texto: Rafael Marques de Morais, Maka Angola, 15-2-2018
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