Toda a gente conhece o
delicioso e irónico gracejo “Estes são os meus princípios, e se vocês não
gostarem deles… bem, tenho outros”. Pelo menos é minha inabalável convicção que
toda a gente o conhece, o que não quer dizer que não possa mudá-la se a isso me
convencerem. Atribuído ao comediante americano Groucho Marx, é uma das citações
humorísticas mais utilizadas quando se abordam os temas da coerência, da ética
e da honestidade intelectual, sendo muitas vezes disparado como uma arma no
âmbito do combate político.
O governo de António Costa,
talvez por ter de lidar de uma forma subtil com os seguidores de um outro Marx,
adaptou essa famosa máxima e tem-na utilizado com sucesso na gestão do
equilíbrio parlamentar. Assim, nos últimos anos, no contexto do debate orçamental,
a regra de ouro do primeiro-ministro para manter o apoio do PCP e do Bloco de
Esquerda pode ser assim descrita: “Este é o nosso Orçamento do Estado, e se
vocês gostarem dele… bem, aprovem-no que eu executo outro”. E é desta maneira
que um tema aparentemente chato e sisudo se transformou, desde 2016, numa
divertida comédia de enganos, onde qualquer semelhança entre o que sai do
Parlamento e o que é aplicado pelo Executivo é mera coincidência.
Entre cativações, investimento
público planeado e não realizado, e outros pequenos cortes, o Estado gastou em
2016 e 2017 cerca de cinco mil milhões de euros a menos do que o que estava
previsto gastar. Para quem tem dificuldades com os grandes números, posso
tentar ajudar com exemplos: cinco mil milhões de euros é o custo aproximado das
escolas públicas em Portugal durante um ano; ou do lançamento para o espaço de
50 foguetões do Elon Musk; ou de metade da conta do restaurante quando o Eng.
José Sócrates e o Juiz Rui Rangel vão almoçar juntos. Enfim, estamos a falar de
muito dinheiro. A ideia que dá é que na atual legislatura a palavra “execução”
não deve ser interpretada à luz das normas financeiras, mas sim das normas
penais francesas dos anos 70: mete-se o documento na guilhotina e depois é só
fazer-lhe o velório.
Antigamente, em governos menos dados à brincadeira, quando as contas não batiam certo apresentavam-se, imagine-se, orçamentos retificativos para apreciação da Assembleia da República. Agora, neste clima de paz social proporcionado pelas férias grandes dos profissionais da indignação, vemos parte significativa dos deputados da maioria a aplaudirem de pé o ministro das Finanças por ele conseguir fintar olimpicamente a Lei que eles próprios aprovaram! Parece-me uma lição importante: há muitos portugueses que terão certamente uma vida melhor quando conseguirem esquivar-se à legislação com a mesma subtileza, eficácia e descontração com que o fazem os legisladores.
Título e Texto: Sérgio Barreto Costa, Blasfémias,
15-2-2018
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