Maria João Avillez
O PS nega. Nega tudo, não
reconhece nada. Parece ter perdido os pontos cardeais ou ter uma bússola
política avariada. Fala para um país que não existe.
1. Dobrar um Cabo das Tormentas chamado “programa de ajustamento”,
enfrentando um gigante adamastor chamado “troika”, suponho que não tenha sido
travessia fácil. Já ninguém se lembra, agora tudo parece fácil e quase fluido,
viva o consumo (perigoso…), a sacrossanta compra de automóveis e a “movida” que
aliás, a bem dizer nunca desapareceu totalmente. Basta por exemplo atentar nos
festivais de música, índice normalmente elucidativo – e não falo apenas de 2015
ou do verão, seria trivial, mas dos últimos anos. De música em lugares perdidos
no interior ou sítios insólitos no país: cartazes de primeira, alto astral e
plateias ululantes. Cheias, todas, como ovos.
Ainda bem: festa, música e
bilhetes pagos (alguns, bem caros) parece que eram afinal compatíveis com o
“empobrecimento” provocado pela “cegueira” com que o Governo “ia para além da
troika”. Ainda alguém se lembra?
Eram tempos em que se
“trabalhava “ – no Governo e fora dele – sem sombra de resultados e apenas
segundo os indicadores da “troika” e nós refilávamos (eu refilava aqui mesmo,
no Observador) porque o Primeiro-ministro só falava “daquilo”, era incapaz de
“fazer política” e parecia exclusivamente obcecado com o “ajustamento”. Seja
como for, era com indicadores que se cerzia a governação. Através de
avaliações, metas, índices, algarismos e décimas, enquanto cá fora o cerco do
desemprego, do descontentamento e da aflição se tornava sufocante e o ambiente
irrespirável (ampliado, pela solicitude da media). Quem esqueceu um cortejo de
comentadores martelando à exaustão certezas irrefutáveis sobre o fim do governo
ou “um segundo resgaste”, num Portugal “igual à Grécia”? Tempos difíceis.
Passos Coelho, sem direito a
nada, ia resistindo a tudo. Julgo até que “se” achava (a sério) que o simples
existir lhe estava vedado: Passos Coelho não merecia existir politicamente.
Entretanto, projectava seriedade – como ocorreu no lance de 2 de Julho de 2013
– e transmitia convicção, na forma como foi sempre assegurando ao país que o
havia de levar a porto de águas mais amenas. (É uma chatice para as oposições
mas é assim: não apetece desconfiar do primeiro-ministro mesmo que apeteça
detestá-lo.)
2. Sucede que hoje há resultados. As águas mais amenas são águas de
resultados. E, essa sim, é uma imensa diferença porque consubstancia uma
mudança. Já não se opera (nem se prevê, nem se escolhe, nem se decide)
exclusivamente segundo indicadores mas sobre um chão de resultados: concretos,
físicos, quantificáveis. Reais. Estão aí, à mão de semear e à vista desarmada e
Paulo Ferreira, por exemplo, explicou isso muito bem, há dias, aqui no
Observador. Os resultados – de origem e natureza bem diversa, aliás -, não são
nem da cabeça dele, nem da minha, são de fontes fiáveis e credíveis que os
tornam indesmentíveis.
“Ah, existem assim tantos
resultados?” perguntarão os que me apelidam de “passista histérica”, como ouvi
um dia a Marcelo Rebelo de Sousa, sentado ao meu lado (toda a gente ouviu), num
evento de amigos. Estava-se em Setembro de 2012 e eu fazia uma prosaica e
trivial análise do que me parecia ser a orientação do Governo e as intenções
políticas do primeiro-ministro. Marcelo já não se lembrará (que maçada
lembrar-se agora disso, quando afanosamente almoça com lugares tenentes do
líder do PSD e está prestes a precisar da máquina social-democrata), eu não me
esqueço. E respondo aos marcelos deste mundo: não sei se existem muitos ou
poucos resultados, existem os suficientes para poder contar uma história e há
maior trunfo eleitoral que uma boa história política? Com princípio,
substância, capítulos, etapas, objectivos, episódios. Onde está a boa história
do PS, ou sequer “a” história socialista?
É evidente (também se vê à
vista desarmada) que os tempos passaram apenas de difíceis a “sofríveis”. Há
fragilidades, precariedades, permanecem – e permanecerão – dificuldades. (E há
sobretudo o incerto estado do mundo…) Mas andou-se. Há um chão adubado e um
caminho semeado de algumas boas notícias. Há dois anos não havia e há quatro,
os horizontes eram negros. Já não é disfarçável e percebemos isso ao ouvir
subitamente as televisões tratarem de igual para igual o PS e a coligação e não
já o PSD e o CDS como os parentes pobres da política e os seus líderes, como
intrusos indesejáveis.
O vento rondou.
3. O PS nega. Nega tudo, não reconhece nada. Parece ter perdido os
pontos cardeais ou ter uma bússola política avariada. Fala para um país que não
existe. António Costa desvaloriza, insulta, grita. Sem se dar conta da
dissonância entre o uso destes instrumentos políticos e a realidade. Há
qualquer coisa de terrivelmente datado no tom de voz do líder socialista, há
estridência a mais, fica-se logo desconfiado. Seria mais interessante
explicarem, num tom de voz humano, como irão pagar a segurança social com
portagens. Ou que farão caso o aumento da procura interna (grande parte
importada), na qual tanto acreditam para lá ir buscar o dinheiro que não há,
simplesmente não vier a ocorrer. O PS está num novelo. Ou melhor, é um novelo.
4. Anunciam-se vinganças, fazem-se apostas, há campos rivais e
temor no ar: que irá dizer Sócrates? Seja o que for que diga, já apertou a
tenaz à roda de António Costa. Se concordar com o líder socialista, se o
aplaudir e disser “bem” dele, deixa-o mal. Embaraça-o. Atrapalha-o. Se disser
mal, alvoraçará as plateias e excitará a media.
Diga o que disser, dividirá o
palco principal da campanha socialista com António Costa. Só por milagre isto
dará bom resultado.
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