Luciano Amaral
A pior maneira de discutir o
célebre Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa é adoptar atitudes heróicas.
Nem os defensores do actual
estado de coisas ortográfico são grandes guardiões da língua portuguesa (como
se a nossa ortografia tivesse sido sempre assim), nem os defensores do Acordo
são desempoeiradas vozes do futuro contra as trevas da tradição (como se
houvesse uma terrível luta entre progressismo e reaccionarismo ortográficos).
Na realidade, os defensores do
Acordo seguem uma ideia velha pelo menos de um século. Como em muitas outras
coisas (a começar pelo regime), a I República quis revolucionar tudo. Por isso,
em 1911, adoptou pela primeira vez em Portugal uma ortografia oficial, cujas
bases eram essencialmente as mesmas do actual Acordo: a ortografia deveria ser
"simplificada", o que implicava abandonar os princípios ditos
"etimológicos", de raiz sobretudo grega e romana, e adoptar os
princípios ditos "fonéticos" (escrever como se fala). Foi assim que a
escrita portuguesa perdeu a pharmácia, a philosophia ou o méthodo.
Revolucionarismo e nacionalismo explicam este afastamento em relação às grandes
línguas europeias, como o inglês, o francês ou o alemão, e a transformação da
grafia portuguesa numa espécie de exotismo. Ainda por cima incompleto, já que
não se abandonou totalmente a "etimologia": porquê
"directo" e não "direto", ou "hoje" e não
"oje"? O resultado é o mostrengo que actualmente se usa e em que vai
escrito este texto.
O Acordo continua este caminho
infeliz, eliminado certas "consoantes mudas" mas não outras:
"espectador" perde o c, mas "homem" não passa a escrever-se
"omem" ou "história" não passa a "istória"; assim
como na Beira Alta não se escreverá "baca" em vez de "vaca",
ou "chuspenchão" em vez de "suspensão". Na realidade, o
Acordo baseia-se num princípio contraditório: uniformizar a partir da fonética.
Ora, precisamente, a fonética divide mais do que unifica. É por isso que os
portugueses devem passar a escrever "receção" mas os brasileiros
continuam com "recepção", o mesmo acontecendo com "exceção"
e "excepção", e muitas outras. A escrita portuguesa e a brasileira
não vão ficar unificadas.
No final, em termos
estritamente ortográficos, o Acordo não é bom nem é mau, ou pelo menos é tão
mau como o que existe. É mau porque inútil e desnecessário: não resolve nada e
unifica pouco. E sobretudo é mau por introduzir confusão onde os escreventes de
português tinham já encontrado alguma estabilidade. Com tanta coisa para nos
preocupar, ainda faltava começar a dar erros sem na verdade os dar.
Título e Texto: Luciano
Amaral, Diário Económico, 12-04-2012
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Anúncio publicado no jornal ‘O Estado de São Paulo’, 27-05-1895
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