segunda-feira, 9 de abril de 2012

O Bloco de Esquerda e a política TV

Eduardo Oliveira Silva
A experiência de Francisco Louçã e dos líderes mais velhos do Bloco de Esquerda é valiosa para manter viva uma agremiação política que tem uma expressão mediática muito superior à sua adesão popular.
No dia em que comemorava os treze anos do BE, Louçã atirou cá para fora mais um tópico político para marcar a agenda: aexigência de eleições antecipadas, caso Portugal tenha de recorrer a um novo empréstimo para fugir à ruptura. Louçã foi hábil. Por um lado, porque evitou toda e qualquer palavra sobre a situação do BE, no momento em que a organização passa por um período de convulsão interna. Trata-se de uma crise bem mais profunda do que se pensa e sobretudo do que se noticia. Por outro, porque foi o primeiro dirigente a colocar a questão sobre a necessidade de renovar a legitimidade democrática (para usar uma expressão cara a Mário Soares,) se a situação económica se degradar.
Esta antecipação discursiva de Louçã introduz uma variante na temática política que, na realidade, pouco mais é do que ruído, uma vez que o governo está assente numa coligação que, apesar de ter os seus problemas internos, não apresenta evidentes sinais de fissura. Isto não significa que um agravar da situação económica e financeira portuguesa não possa suscitar a questão do reforço da base social de apoio ao governo, por via da entrada do PS para um executivo de salvação nacional.
Embora se saiba à partida que nem o PS aceitaria uma solução dessas, nem Cavaco Silva estaria disponível para a patrocinar, a jogada de Louçã marca o terreno. É, de resto, de apostar que o tema será retomado por outros.
O aniversário do BE suscita, entretanto, uma reflexão sobre a sua influência na sociedade. Há que reconhecer que a projecção dos seus dirigentes está muito para além da força que a organização tem no terreno. Não há canal de televisão, emissora de rádio ou qualquer outro tipo de media, clássico ou de nova geração, que não conte com a presença activa e dinâmica dos rostos mais conhecidos da organização.
Partindo desta análise verifica-se que são, na verdade, sempre os mesmos, Francisco Louçã, Fernando Rosas, Miguel Portas, João Semedo e Luís Fazenda, para além de Ana Drago a fazer de jovem, a tomarem conta da palavra. Embora sejam figuras que valem por si próprias do ponto de vista intelectual, há que reconhecer que monopolizam o discurso. A questão está em saber se além desta primeira linha mediática há outros nomes portadores de valores capazes de influenciar a sociedade, com ideias e propostas. Aparentemente há, mas são poucos e não lhes é dado grande espaço de afirmação. De qualquer forma, é forçoso constatar que, nesta fase, a organização está a distanciar-se dos movimentos sociais que pretende representar.
A diminuta expressão autárquica do BE sempre foi um retrato dessa limitação. Numa fase em que já tanto se fala de eleições locais, talvez seja interessante conferir a real implantação da organização através desse indicador. A representação local, mais perto da cidadania, é talvez a prova de vida mais essencial na política. Este sim, seria um desafio para Louçã e a sua equipa. Mas é de apostar que não vão querer enfrentá-lo. A política TV é bem mais fácil.
Título e Texto: Eduardo Oliveira Silva, jornal “i”, 09-04-2012
Edição: JP

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicamos comentários de anônimos/desconhecidos.

Por favor, se optar por "Anônimo", escreva o seu nome no final do comentário.

Não use CAIXA ALTA, (Não grite!), isto é, não escreva tudo em maiúsculas, escreva normalmente. Obrigado pela sua participação!
Volte sempre!
Abraços./-