Esta comunidade do Val-de-Marne foi cenário
de um ataque violento contra as Forças Policiais durante a noite de São
Silvestre. Sessenta anos antes, a cidade alojava o maior bidonville de França.
Noémie Halioua
A cada São Silvestre, o comum
dos mortais deseja “bom ano”, bebendo champanhe, enquanto os guardiões da paz
tentam controlar os delinquentes que só querem brigar. Infelizmente, o ano de
2018 não decepcionou. Desta vez, foi Laurie, policial de 25 anos, que lincharam
em Champigny-sur-Marne: bofetadas, insultos e socos. Dezenas de jovens
encapuzados se deram o prazer de lhe bater e cuspir, enquanto outros filmavam
com os seus celulares. Cena quase comum nos quarteirões sensíveis, onde a
frustração de uma juventude suburbana amamentada no ressentimento vitimário
transforma-se em hiper violência contra os representantes do Estado.
Mas essa hostilidade não se
explica certamente pelas suas condições de vida: meio século antes, a mesma
cidade, Champigny-sur-Marne, albergava o maior bidonville¹ de França. Lá, quase 14 000 imigrantes portugueses
encontraram refúgio, fugindo da ditadura de Salazar, o serviço militar, a
miséria... “Quase todos os portugueses
que imigravam nessa época passaram por Champigny”, afirma Valdemar
Francisco, presidente da associação portuguesa “Les Amis du Plateau”
(Amigos do Planalto). Enquanto a França vivia a expansão industrial dos “Trinta
Gloriosos”²,
ela oferecia a essa mão-de-obra trabalho, mas habitações de condições
deploráveis: aliás, esses anos são conhecidos como anos de ‘sem’. “Sem água, sem eletricidade, sem saneamento,
sem recolha de lixo, etc. E sem violência, nem associação para gritar racismo.
A integração no final do caminho. Quem pode então negar a decomposição
francesa?”, questionava o jornalista do Figaro,
Alexandre Devecchio, nas redes sociais. Diferentes tribunas no Bondy Blog, Médiapart e Le Monde criticaram-no
por comparar as imigrações, já que se deveria constatar a diferença de época.
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Chegada à estação de Austerlitz, em Paris, com a casa às costas!... 1965, foto: Gérald Bloncourt |
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Bidonville de
Champigny-sur-Marne, 1963. Foto: Paul Almasy/AKG-images/Museu Nacional da
História e das Culturas da Imigração
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Apesar do meio ambiente
precário, os Portugueses de Champigny não se refugiaram num comunitarismo
sectário, não alimentaram ressentimento contra o país de acolhimento a ponto de
agredir uma jovem mulher em uniforme. Eles se submeteram às regras do Estado,
custo do esforço de integração. A República era, no entanto, severa. Por
exemplo, existe esta anedota célebre entre os portugueses. Um dia um imigrante
pendurou uma bandeira de Portugal na frente da sua barraca, chegou um agente de
polícia que lhe pediu para retirar a bandeira: o que ele fez sem pestanejar.
Posteriormente, os filhos destes trabalhadores foram para a escola e
juntaram-se à nação francesa.
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Bidonville de
Champigny-sur-Marne, 1964. Foto: Gérald Bloncourt/Rue des Archives
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Há dois anos, a associação
“Les Amis du Plateau” inaugurou um monumento em homenagem à cidade e a Louis
Talamoni, prefeito de Champigny entre 1950 e 1975, em agradecimento pela ajuda
que lhes prestou durante o seu mandato: “Queremos
homenageá-lo porque ele nos estendeu a mão [...]. Ele distribuiu cobertores, contratou ônibus para levar as crianças aos
banhos, criou uma escola... Era um homem de convicção”, saúda Valdemar
Francisco.
Título e Texto: Noémie Halioua, L’Incorrect, nº 6, fevereiro de 2018.
Tradução e Edição: JP
¹
A expressão bidonville, cuja tradução
literal é ‘bairros de lata’ (casas feitas com tambores metálicos), está
traduzida em português por “favela”, foi o que encontrei. Na minha opinião, não
é a mesma coisa. Na favela não existe a transitoriedade daqueles. Isto é, as
pessoas optam por residir nas ‘favelas’ por várias razões, nem todas de cariz
econômico, mas o fazem de forma, vamos dizer, permanente. É só olhar os
materiais utilizados, os puxadinhos, anexos e etc. Os bidonvilles d’então tinham um caráter provisório. Isto é, as
pessoas iam para o bidonville por falta de opção, não tinham dinheiro para
alugar o que quer que fosse. De lá, trabalhavam almejando uma vida melhor, para
elas e para os seus filhos. A grande maioria conseguiu, são hoje parte
integrante da França. E o bidonville acabou em 1971.
² “Trente
Glorieuses” (trinta anos gloriosos), expressão cunhada pelo economista francês,
Jean Fourastié, no livro do mesmo nome, publicado em 1979. Refere-se aos trinta
anos, desde 1945 até ao primeiro choque do petróleo, em 1973, de forte
crescimento econômico e desenvolvimento de alguns países da Europa Ocidental, o
Canadá, o Japão e a Austrália.
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ResponderExcluirhttps://youtu.be/cFEAoD6yJpo