Cesar Maia

11. O segundo caso, o do não cumprimento das promessas, tem o peso
de antecipar uma inevitável impopularidade. O terceiro custo é trazer para a
agenda eleitoral temas (valores cristãos) que terminam reforçando a
partidarização das igrejas. O quarto, de caráter econômico, traz uma combinação
preocupante: se há um ponto em que os últimos governos se igualaram é ter usado
o populismo cambial e fiscal em ano eleitoral. Por sua vez, a falta de agendas
e de projetos para o país, o quinto custo de nossa escalada, é percebida a
olhos nus.
12. Questões fundamentais para os próximos anos – como a política
externa; a dependência da China; a guerra das moedas; a Europa viver a
politização da crise da imigração; o chavismo extrapolar suas provocações – são
temas que estão passando ao largo das campanhas. Por fim, devemos ressaltar o
custo político das relações entre Executivo e Câmara dos Deputados. Há uma
ilusão que se repete sistematicamente na política: imaginar que o sucesso na
atividade privada cria as condições para que se importe “este ou aquele”
diretamente para um processo eleitoral. Importar para a política é sempre
positivo, é deixar que “este e aquele” vivam nesse mundo, entendam a sua lógica
e, com isso, possam vir a se candidatar a presidente e governador. Mas quando
se tenta fazer um atalho, trazendo “este ou aquele” outsider, quase sempre
ocorre uma frustração eleitoral.
13. Os exemplos não são difíceis de achar, um deles em especial: no
auge de sua popularidade como empresário e unanimidade nacional, Antônio
Ermírio de Moraes se lançou candidato a governador de São Paulo em 1986, usando
o PTB como fachada. Até o senador Fernando Henrique Cardoso se encantou com a
hipótese, deixando de lado o candidato de seu partido, Orestes Quércia. Antônio
Ermírio abriu na frente. E parecia um passeio, segundo as pesquisas. Afinal,
São Paulo iria ter como governador o quadro de gestão mais qualificado do
Brasil. A imprensa o abraçou. As elites vibraram. O processo eleitoral avançou:
vieram os debates, as pesquisas, a capilaridade política, a desconfiança, as
críticas injustas... Afinal, ele enfrentava Quércia e Maluf. No final, Quércia
passou de passagem e venceu com 40% dos votos. Antônio Ermírio de Moraes
despencou e ficou com quase 20%, um pouco acima de Maluf.
O processo eleitoral, ou seja,
a campanha, é uma guerra. Parafraseando – ao inverso – Carl von Clausewitz
(general do Reino da Prússia; considerado um grande estrategista militar e
teórico da guerra): a eleição é a guerra com outros meios. Ou copiando Sun Tsu
(general, estrategista e filósofo chinês; mais conhecido por sua obra “A Arte
da Guerra”, composta por treze capítulos de estratégias militares): “Em poucas
palavras, no que consiste a habilidade e a perfeição do comando das tropas é o
conhecimento das luzes e das trevas, do aparente e do secreto. É nesse
conhecimento hábil que habita toda a arte”.
Sempre que um partido enfrenta
a ausência de pré-candidatos competitivos nas eleições para presidente e
governador, tenta uma saída mágica: um nome expressivo da sociedade, de forma a
buscar votos com o reconhecimento que tem. Um outsider! Isso é também
antipolítica. E quase nunca dá certo.
14. Existem dois vetores políticos que atraem os votos dos
eleitores. E as alternativas dos eleitores entre eles formam uma combinação de
quatro hipóteses. Esses vetores são: Conservadores e Liberais. Conservadores na
economia ou intervencionistas. Liberais na economia, com um intervencionismo
mínimo. Conservadores nos valores, que se poderia resumir como valores
cristãos. Liberais nos valores em relação à vida (aborto), em relação à
família, e em relação ao comportamento. Pesquisas nos últimos anos procuram
entender as tendências políticas não mais na clássica disjuntiva direita/
esquerda ou mesmo nas alternativas partidárias. Para isso, fazem perguntas
sobre economia, estado, comportamento, família, sexo etc., aos eleitores. E, em
seguida, agrupam os eleitores nas quatro hipóteses citadas:
1) Liberais na economia,
liberais nos valores;
2) Liberais na economia,
conservadores nos valores;
3) Conservadores na economia,
liberais nos valores;
4) Conservadores na economia,
conservadores nos valores.
A direita tanto pode
afirmar-se liberal como conservadora na economia. Mas sempre se afirma como
conservadora nos valores. A esquerda será sempre conservadora na economia e
liberal nos valores. Raramente se encontra uma representação política liberal
na economia e liberal nos valores. Esta última hipótese é de baixa atratividade
eleitoral, pois confunde os eleitores.
15. Quanto mais claras as opções políticas nessas hipóteses e
alternativas, mais fácil o eleitor identificará a sua representação. Usando
pesquisas já realizadas e a movimentação dos pré-candidatos, se vê que Lula é
claramente conservador na economia e liberal nos valores.
Bolsonaro, sempre conservador
nos valores, recentemente fez uma opção por ser liberal na economia em sua
viagem aos Estados Unidos. Com isso, sua candidatura passa a ter uma imagem
mais nítida.
O PSDB, seja com Geraldo
Alckmin como com João Doria, afirma-se conservador nos valores. Na economia,
com ambos, apresenta-se como liberal, embora de forma mais nítida com Doria.
Marina Silva, enquanto
personagem, flutua na economia entre afirmações liberais e conservadoras e, da
mesma forma, em relação aos valores. Isso já ficou claro em 2014 e fica muito
mais claro hoje. Dessa forma, será difícil aglutinar maiorias.
O PDT afirma-se sempre como
conservador na economia. Mas, nos valores, será muito difícil ter unidade com
Ciro, o que dificultará a identificação com maiorias de opinião eleitoral.
Álvaro Dias mistura, em suas
posições, opiniões liberais e conservadoras tanto em economia como nos valores.
Dessa forma, muito dificilmente marcará uma identidade e tenderá a flutuar num
patamar muito baixo. Tentar ser as duas coisas ao mesmo tempo, para atrair o
eleitor, é o caminho para confundir e perder votos.
16. É claro que somente em campanha se poderá identificar o binômio
de cada candidato. Essas são hipóteses em função das posições que divulgam e
que a mídia clássica e social multiplica. Há que se esperar. Mas serão os
binômios descritos acima e a identidade relativa dos candidatos em relação a
eles que informarão a competitividade dos candidatos, esses ou outros que
surjam.
O que um governo precisa é que
se construa um sistema de controle interno – financeiro e jurídico –
profissional, exercido com autonomia profissional por servidores – auditores e
procuradores – concursados. Com isso, não são os ministros e secretários que
nomeiam os inspetores de finanças nem os assessores jurídicos, mas a Auditoria
Geral e a Procuradoria/Advocacia Geral. Esse é o modelo usado em países
europeus de democracia e economia desenvolvidas, e alguns asiáticos. Com isso,
os problemas são detectados na raiz e não progridem, e o que passa por este
filtro é quase nada. O controle da legalidade é exercido, desde logo, a partir
do empenho das despesas ou da legalidade dos atos presidenciais, ministeriais e
“secretariais”. E as autoridades não se sentem pressionadas pelos eventuais
cercos políticos: mostram o despacho do controle interno e pedem que convençam
a ele.
17. Quem, nesse momento no Congresso, se oporá à criação de um
sistema como esse? E a lei viria para dar estabilidade e permanência a esse
sistema de controle interno autônomo e profissional. Mas ele pode ser
imediatamente implantado de forma administrativa por decisão presidencial, de
governadores e prefeitos. É questão de vontade política... apenas.
Joseph Fouché (1759-1820),
ministro durante a Revolução Francesa e a Era Napoleônica, criticado por sua
falta de caráter e citado como fundador da Ciência Política Contemporânea, foi
para Balzac “um gênio singular”. Na lista de políticos que ele traiu estão
Robespierre, Barras, Collot, Talleyrand e Napoleão. Sempre à sombra do poder.
Porque só conhece a vida quem já mergulhou nas profundezas, só um revés confere
ao homem sua força impetuosa integral. Principalmente o gênio criador precisa
dessa solidão temporária forçada para medir, das profundezas do desespero, do
exílio distante, o horizonte e a extensão de sua verdadeira missão.
18. Também na esfera inferior, terrestre, do mundo político, uma
retirada temporária confere ao estadista uma nova percepção, uma reflexão mais
aguda e uma forma melhor de calcular o jogo das forças em ação. Por isso, nada
de melhor pode acontecer a uma carreira política do que a sua interrupção
temporária, pois quem sempre vê o mundo do alto de uma nuvem, do topo da torre
de marfim e do poder, só conhece o sorriso dos submissos e a sua perigosa
solicitude.
Quem tem sempre nas mãos o
poder esquece o seu verdadeiro valor. Nada enfraquece mais o artista, o
general, o estadista do que o sucesso permanente de acordo com a vontade e o
desejo. O escritor e biógrafo austríaco Stefan Zweig lembra que somente no
fracasso o artista conhece a sua verdadeira relação com a obra, assim como
apenas na derrota o general reconhece seus erros e só na desgraça o estadista
adquire verdadeira clarividência política.
19. Uma riqueza constante torna o homem frouxo, aplausos constantes
entorpecem, só a interrupção confere nova tensão e elasticidade criadora ao
ritmo que se desenrola no vácuo. Só a desgraça abre uma perspectiva profunda e
larga da realidade do mundo. O exílio é uma dura lição, mas todo exílio
significa ensinar e aprender: ele forma a vontade do fraco, torna decidido o
indeciso e torna mais rígido ainda quem já é severo. Para o homem
verdadeiramente forte, o exílio não reduz, antes aumenta sua força. James Carville,
publicitário responsável pela primeira campanha presidencial de Bill Clinton,
ganhou notoriedade com a vitória do democrata sobre George Bush pai, candidato
à reeleição. Bush abriu a campanha disparado na frente, após a primeira guerra
no Iraque, transmitida em tempo real pela CNN, e com vitória rápida e decisiva
dos EUA.
20. Na Guerra do Golfo (agosto de 1990 a fevereiro de 1991), Bush
teve a seu lado os destacados generais Colin Powell, secretário de estado, e
Norman Schwarzkopf, comandante das operações –, ambos estrelas da mídia naquela
conjuntura. Surpreendentemente, na parte final da campanha, a diferença
pró-Bush foi diminuindo, até que Clinton se aproximou. Numa das reuniões de
Carville com sua equipe, ainda com Bush favorito e na dianteira, gravada em vídeo
e depois amplamente divulgada após a vitória de Clinton, as dúvidas ainda
persistiam. Carville, de pé e aos berros, determinou a estratégia da vitória:
“É a economia, estúpido!!!”
Carville realizou uma ampla
pesquisa com cerca de 40 perguntas. Em todas – menos numa – os temas levavam
Bush à vitória. A exceção foi a economia e o emprego, que depois do auge,
durante a Guerra do Golfo, começavam a declinar. Carville focalizou a campanha
no emprego/economia, apenas um dos 40 temas pesquisados, e sua frase ficou
famosa. Ou seja, a situação da economia conduziria o resultado eleitoral. Essa
frase passou a ser um carma para os marqueteiros. A situação de hoje, nos EUA
de Bush, contraria essa tese da economia como fator determinante da política e
da popularidade presidencial.
21. O desgaste de Donald Trump nos Estados Unidos e no mundo todo
vem destacado pelas pesquisas de opinião que o colocam com a pior aprovação
presidencial por décadas. Mas a reversão econômica e o crescimento de 3% ou
pouco mais, nos últimos trimestres, com queda do desemprego e da inflação, não
afetaram sua avaliação. Sua impopularidade não apenas se mantém como se agrava.
No Brasil ocorre fato
semelhante. Michel Temer convive com uma impopularidade recorde. Desde que
assumiu a presidência após o impeachment de Dilma, a curva de sua avaliação é
declinante, chegando no final de 2017 a 5% de avaliação positiva. Mas, ao lado
dessa curva – declinante e sustentada – os gráficos com os indicadores
econômicos mostraram trajetória completamente invertida no segundo semestre de
2017. A economia voltou a crescer e os analistas chegaram a falar que a
recessão acabou. O desemprego começou a diminuir e vem sendo assim nos últimos
meses. A inflação despencou para um nível de 3%, raro nos anos pós-Real. O setor
externo apresentou saldos crescentes.
22. Os juros têm sido reduzidos, atingindo quase a metade do que
eram na transição do impeachment. Temer mostrou forte vitalidade no Congresso,
mesmo debaixo de um enorme noticiário negativo com as duas denúncias apresentadas
contra ele pelo então Procurador-Geral, Rodrigo Janot. Em estudo publicado no
caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo (29/10/2017), Carlos Pereira, doutor
em ciência política pela New School University, professor da Fundação Getúlio
Vargas (FGV) e professor visitante na Universidade Stanford, demonstrou com
dados e gráficos que, desde FHC (1995) “Temer é o presidente mais eficiente na
relação com o Congresso”. Nesse estudo, Carlos Pereira mostrou que Temer tem o
menor custo-benefício no jogo parlamentar. Isso desmente o noticiário que
atribuiu o apoio a Temer a uma política abusiva de clientela – com cargos e
emendas – que teria sido recorde na votação das duas denúncias.
23. E isso porque essas votações retardaram a votação das reformas
econômicas que restam e levantaram dúvidas sobre as suas aprovações. É provável
que, vencida a turbulência dessas pautas mais sensíveis na Câmara de Deputados,
essas votações retornem à ordem do dia. Mas, assim mesmo, não há qualquer
expectativa que ocorra uma reversão significativa e abrupta na avaliação de
Temer. A política de clientela não explica os votos dos deputados atentos às
suas bases a apenas um ano das eleições de 2018.
Os casos de Trump e Temer
desmentem a assertiva de Carville como uma regra geral, compulsória e
inexorável nas correlações entre Economia e Política no que diz respeito aos
chefes de governo. Isso deve animar os “mercados”.
Título e Texto: Cesar Maia, Insight Inteligência - edição
de 20 anos, 1-2-2018
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