quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O Brasil seguirá em frente! (Primeira parte)

Cesar Maia

1. Independentemente de concordâncias ou discordâncias, o fato é que a política na Europa e nos Estados Unidos – especialmente nesse ciclo de crises – confronta ideias. A antipolítica cresceu, mas só é significativa na Itália com o “Movimento 5 Estrelas”, que tem representado 25% do eleitorado. Na América do Sul, em grande medida, as eleições vêm opondo ideias. Foi assim em novembro de 2017 no pleito presidencial no Chile (entre centro-direita e centro-esquerda) e também na eleição parlamentar na Argentina. Da mesma forma, as ideias políticas opõem governo e oposição, especialmente nos países onde os presidentes chavistas constroem a oposição, até por provocação. Na Colômbia e no Uruguai, com tradição orgânica na política, da mesma forma.
  
2. O Brasil é uma exceção. De certa forma, as reformas liberais propostas pelo governo afirmam ideias orgânicas políticas. Mas o governo não terá candidato a presidente. A oposição sapateia na negativa e na coreografia do contra, do “fora Temer”, “golpistas” e coisas no estilo. E se limita a ser do contra em tudo o que o governo Temer propõe. E a crise deveria estimular o confronto de ideias proativas.
  
3. Os partidos mudam de nome para simbolizar a renovação e nada mais. Até o partido do governo volta a se denominar MDB, numa referência ao passado democratizador. E os nomes que se apresentam são personagens que basicamente representam a antipolítica – com personagens conhecidos, especialmente através da mídia ou populistas tradicionais.   As ideias orgânicas, até aqui, estão fora da disputa presidencial. E é isso que caracterizaria a maturidade e a representatividade políticas. A eleição presidencial de 2018 será o palco para a encenação da antipolítica e do populismo.

4. A teoria da catástrofe, de René Thom, aplicada à política, diz que descontinuidades que se passam por surpreendentes são, na verdade, explicadas como uma corrente submarina, não percebida por quem só vê a superfície. Em julho de 2011, o FMI, em relatório sobre a América Latina, e a revista The Economist apontaram no mesmo sentido: formava-se uma “bolha” na região capaz de estourar em alguns meses. O Brasil foi citado como um dos casos mais delicados. Lembravam que não se pode tratar, simultaneamente, de controlar a inflação e desvalorizar o câmbio. A presidenta Dilma Rousseff dizia que estava travando uma “guerra contra a inflação”, expressão que denota insegurança – e mais coisas não ditas.

5. A crise de 2008-09, diferente da de 1997-98, não tirou capitais dos países emergentes. Ao contrário: com taxas generosas de juros e estando fora do epicentro dos países desenvolvidos continuaram a atrair capitais, produzindo uma valorização quase generalizada do câmbio. Ainda em 2011, para cada 10% de crescimento da China, o impacto na América Latina, via commodities, era de aproximadamente 4%. Viramos uma periferia da China. Mas as autoridades chinesas falavam em reduzir esse ritmo. Sendo assim, o impacto continental seria significativo. E a isso se agregava a crise europeia e a necessidade dos EUA enfrentarem seu déficit fiscal.

6. O paraíso das commodities não seria o mesmo. Em mais um tempo, garantiam, a taxa de juros nos EUA teria de subir, atraindo capitais que migravam para os emergentes. As razões da “bolha” brasileira ter crescido na frente das demais (com exceção da Argentina) estavam nos próprios dados oficiais divulgados com parcimônia para não assustar os investidores. A inflação já sinalizava para mais de 7%. A expansão do crédito embutia uma inadimplência potencial crescente. O déficit em conta corrente ia para US$ 60 bilhões. A balança comercial da indústria (manufaturados) foi de um superávit de US$ 31 bilhões para um déficit de US$ 51 bilhões em cinco anos. O déficit comercial nos derivados do petróleo (um país autossuficiente!) passou de US$ 3 bilhões para US$ 18 bilhões em dez anos.
  
7. Como dizia Simonsen, “a inflação fere, mas o balanço de pagamentos mata”. Ao que tudo indicava, o terremoto de 2008-09 entrou com grau 8 nas economias desenvolvidas e chegava nas emergentes com graus um pouco menores. E, no Brasil, com mais um efeito: o político. O “desconforto” de 2011 levou a base da sociedade a fazer comparações.

8. As armadilhas eleitorais estão sempre rondando. A política tem tendências de longo prazo que se expressam, em números aproximados, nos processos eleitorais. Nas eleições de 1947, por exemplo, PTB e PCB – partidos ligados ao “trabalhismo” – somaram uns 12% dos deputados federais. Nas eleições seguintes, foram crescendo progressivamente, até que, em 1962, o PTB tornou-se o principal partido, com cerca de 30% dos deputados federais. O golpe de 1964 interrompeu esse processo, mas apenas provisoriamente. Com a redemocratização, o “trabalhismo” retornou com cara própria – com o PDT e o PT, inicialmente. E esse processo se repetiu: partindo praticamente de uns 10% dos deputados federais, seu crescimento foi permanente. A diferença é que o “trabalhismo” foi ficando muito mais pulverizado. Em meados de 2011, o PT tinha 16,5% dos deputados e a ele somavam-se PDT, PSB, PC do B, PSOL etc. para se chegar aos mesmos 30% ou um pouco mais.
  
9. Quem olha as correntes abaixo da linha do mar ou a floresta de cima perceberá essas tendências. Mas há eleições que são pontos fora da curva. Por exemplo, a do Plano Cruzado de 1986, quando o PMDB elegeu todos os governadores, menos o de Sergipe, e 52% dos deputados federais. Quem pensou que tal eleição lançava uma nova tendência, se deu mal. Dois anos e meio depois, Fernando Collor vencia as eleições presidenciais disputando com Lula o segundo turno. Brizola foi o terceiro candidato mais votado. Em 1990, o PMDB passava a ter 20% dos deputados federais. A eleição de 2010 é outro ponto fora da curva. Um presidente mitificado, entrando no processo eleitoral como fator exógeno, gravando “telemarketing”, aparecendo na TV, inventando sua candidata a presidente e elegendo-a, pedindo votos aos seus e contra os adversários, num processo nunca visto nas democracias maduras.      Ele levou o que queria: a máquina presidencial. Mas, para não ter riscos, foi cedendo espaço nos estados para seus parceiros. O PT fez 16,5% dos deputados federais, cinco governadores – só dois entre os estados mais importantes: Bahia e Rio Grande do Sul. Portanto o ponto fora da curva pela popularidade do presidente em 2010 deixou fundações tão frágeis quanto em 1986 – quando, depois, ocorreu o que ocorreu.
Título e Texto: Cesar Maia – Insight Inteligência - edição de 20 anos  31-1-2018

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