Cesar Maia
1. Independentemente de concordâncias ou discordâncias, o fato é
que a política na Europa e nos Estados Unidos – especialmente nesse ciclo de
crises – confronta ideias. A antipolítica cresceu, mas só é significativa na
Itália com o “Movimento 5 Estrelas”, que tem representado 25% do eleitorado. Na
América do Sul, em grande medida, as eleições vêm opondo ideias. Foi assim em
novembro de 2017 no pleito presidencial no Chile (entre centro-direita e centro-esquerda)
e também na eleição parlamentar na Argentina. Da mesma forma, as ideias
políticas opõem governo e oposição, especialmente nos países onde os
presidentes chavistas constroem a oposição, até por provocação. Na Colômbia e
no Uruguai, com tradição orgânica na política, da mesma forma.
2. O Brasil é uma exceção. De certa forma, as reformas liberais
propostas pelo governo afirmam ideias orgânicas políticas. Mas o governo não
terá candidato a presidente. A oposição sapateia na negativa e na coreografia
do contra, do “fora Temer”, “golpistas” e coisas no estilo. E se limita a ser
do contra em tudo o que o governo Temer propõe. E a crise deveria estimular o
confronto de ideias proativas.
3. Os partidos mudam de nome para simbolizar a renovação e nada
mais. Até o partido do governo volta a se denominar MDB, numa referência ao
passado democratizador. E os nomes que se apresentam são personagens que
basicamente representam a antipolítica – com personagens conhecidos,
especialmente através da mídia ou populistas tradicionais. As ideias orgânicas, até aqui, estão fora da
disputa presidencial. E é isso que caracterizaria a maturidade e a
representatividade políticas. A eleição presidencial de 2018 será o palco para
a encenação da antipolítica e do populismo.
4. A teoria da catástrofe, de René Thom, aplicada à política, diz
que descontinuidades que se passam por surpreendentes são, na verdade,
explicadas como uma corrente submarina, não percebida por quem só vê a
superfície. Em julho de 2011, o FMI, em relatório sobre a América Latina, e a
revista The Economist apontaram no mesmo sentido: formava-se uma “bolha” na
região capaz de estourar em alguns meses. O Brasil foi citado como um dos casos
mais delicados. Lembravam que não se pode tratar, simultaneamente, de controlar
a inflação e desvalorizar o câmbio. A presidenta Dilma Rousseff dizia que
estava travando uma “guerra contra a inflação”, expressão que denota
insegurança – e mais coisas não ditas.
5. A crise de 2008-09, diferente da de 1997-98, não tirou capitais
dos países emergentes. Ao contrário: com taxas generosas de juros e estando
fora do epicentro dos países desenvolvidos continuaram a atrair capitais,
produzindo uma valorização quase generalizada do câmbio. Ainda em 2011, para
cada 10% de crescimento da China, o impacto na América Latina, via commodities,
era de aproximadamente 4%. Viramos uma periferia da China. Mas as autoridades
chinesas falavam em reduzir esse ritmo. Sendo assim, o impacto continental
seria significativo. E a isso se agregava a crise europeia e a necessidade dos
EUA enfrentarem seu déficit fiscal.
6. O paraíso das commodities não seria o mesmo. Em mais um tempo,
garantiam, a taxa de juros nos EUA teria de subir, atraindo capitais que
migravam para os emergentes. As razões da “bolha” brasileira ter crescido na
frente das demais (com exceção da Argentina) estavam nos próprios dados
oficiais divulgados com parcimônia para não assustar os investidores. A
inflação já sinalizava para mais de 7%. A expansão do crédito embutia uma inadimplência
potencial crescente. O déficit em conta corrente ia para US$ 60 bilhões. A
balança comercial da indústria (manufaturados) foi de um superávit de US$ 31
bilhões para um déficit de US$ 51 bilhões em cinco anos. O déficit comercial
nos derivados do petróleo (um país autossuficiente!) passou de US$ 3 bilhões
para US$ 18 bilhões em dez anos.
7. Como dizia Simonsen, “a inflação fere, mas o balanço de
pagamentos mata”. Ao que tudo indicava, o terremoto de 2008-09 entrou com grau
8 nas economias desenvolvidas e chegava nas emergentes com graus um pouco
menores. E, no Brasil, com mais um efeito: o político. O “desconforto” de 2011
levou a base da sociedade a fazer comparações.
8. As armadilhas eleitorais estão sempre rondando. A política tem
tendências de longo prazo que se expressam, em números aproximados, nos
processos eleitorais. Nas eleições de 1947, por exemplo, PTB e PCB – partidos
ligados ao “trabalhismo” – somaram uns 12% dos deputados federais. Nas eleições
seguintes, foram crescendo progressivamente, até que, em 1962, o PTB tornou-se
o principal partido, com cerca de 30% dos deputados federais. O golpe de 1964
interrompeu esse processo, mas apenas provisoriamente. Com a redemocratização,
o “trabalhismo” retornou com cara própria – com o PDT e o PT, inicialmente. E
esse processo se repetiu: partindo praticamente de uns 10% dos deputados
federais, seu crescimento foi permanente. A diferença é que o “trabalhismo” foi
ficando muito mais pulverizado. Em meados de 2011, o PT tinha 16,5% dos deputados
e a ele somavam-se PDT, PSB, PC do B, PSOL etc. para se chegar aos mesmos 30%
ou um pouco mais.
9. Quem olha as correntes abaixo da linha do mar ou a floresta de
cima perceberá essas tendências. Mas há eleições que são pontos fora da curva.
Por exemplo, a do Plano Cruzado de 1986, quando o PMDB elegeu todos os
governadores, menos o de Sergipe, e 52% dos deputados federais. Quem pensou que
tal eleição lançava uma nova tendência, se deu mal. Dois anos e meio depois,
Fernando Collor vencia as eleições presidenciais disputando com Lula o segundo
turno. Brizola foi o terceiro candidato mais votado. Em 1990, o PMDB passava a
ter 20% dos deputados federais. A eleição de 2010 é outro ponto fora da curva.
Um presidente mitificado, entrando no processo eleitoral como fator exógeno,
gravando “telemarketing”, aparecendo na TV, inventando sua candidata a
presidente e elegendo-a, pedindo votos aos seus e contra os adversários, num
processo nunca visto nas democracias maduras. Ele levou o que queria: a máquina presidencial.
Mas, para não ter riscos, foi cedendo espaço nos estados para seus parceiros. O
PT fez 16,5% dos deputados federais, cinco governadores – só dois entre os
estados mais importantes: Bahia e Rio Grande do Sul. Portanto o ponto fora da
curva pela popularidade do presidente em 2010 deixou fundações tão frágeis
quanto em 1986 – quando, depois, ocorreu o que ocorreu.
Título e Texto: Cesar Maia – Insight Inteligência - edição de 20 anos 31-1-2018
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