Gabriela Viana
Um dia inteiro de pânico e
quatro tiros na parede da sala de casa durante o almoço. "Foi tudo muito
desesperador", diz um morador da Rocinha sobre o intenso tiroteio entre
policiais militares e criminosos, nesta quinta-feira, na comunidade.Vivendo na
comunidade há 28 anos, o estudante de Jornalismo abandonou a casa onde vive há
dois anos após a esposa dele escapar por pouco de ser atingida na sala da
residência.
— Desde às 10h30 estávamos
deitados no chão porque a troca de tiros estava muito intensa. Quando deu
13h30, resolvi fazer algo para comer, porque a gente não tinha nem tomado café
da manhã. Eu ia abaixado para a cozinha, por causa da janela, fazia algo rápido
e voltava para sala. Quando a comida ficou pronta, levei para a sala. A janela
estava entreaberta. Estávamos sem energia por causa do tiroteio e estava muito
quente. Coloquei meu prato e minha esposa foi colocar o dela. Quando ela
levantou, foram três tiros na direção dela. Ela se jogou no chão, eu me joguei
por cima dela e nos arrastamos até a cozinha — contou o morador.
Os tiros desta quinta-feira
começaram durante uma operação do Comando de Operações Especiais (COE), com
apoio de outras unidades da Polícia Militar. Segundo a corporação, as equipes
foram recebidas a tiros em diferentes pontos da favela. Em meio ao confronto,
um policial do Batalhão de Choque foi baleado na barriga e levado para o
Hospital Miguel Couto, na Gávea. O soldado Thiago Chaves da Silva, não resistiu
aos ferimentos e morreu no hospital. Outros três PMs ficaram feridos na operação
e a base da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade foi atingida.
Para o estudante, o cenário da
Rocinha era de guerra e o pânico tomou conta dos moradores.
— Foi tudo muito desesperador.
Minha esposa chorava, gritava. Depois, fomos nos acalmando. O tiroteio ficou
muito mais intenso. Eram armas de calibre que eu nunca ouvi. O prédio tremia
com o barulho dos tiros e das bombas. A gente ouvia bandidos tentando entrar no
prédio para subir e ter mais vista lá de cima. Ficamos em desespero, com medo
de ter nossa casa invadida. Soube de gente que teve que ficar com bandido
ferido dentro de casa até ele conseguir sair. O pânico que eu vivi foi algo que
nunca tinha vivido e não desejo para ninguém. Ouvia as pessoas pedindo socorro,
um mar de cápsulas de bala no chão, casa pegando fogo. Foi muito chocante —
disse.
Diante do que viveu na
comunidade que o abriga desde pequeno, o estudante optou por antecipar uma
decisão que já vinha considerando desde que os confrontos na Rocinha se
tornaram mais frequentes: deixar o local.
— O pior de tudo é a privação.
A gente não conhece mais esse lugar e nem as pessoas. Antes tinha um respeito.
Agora não. É uma guerra. A gente está absolutamente à mercê. O tempo todo achei
que fosse morrer. A privação do direito, o quanto aquilo estava virando uma
zona de guerra, sem cuidado com a vida das pessoas que estavam ali, é muito
triste. É um milagre que nenhum inocente tenha morrido. Quando tudo acabou,
ainda ajudei alguns moradores que pediam socorro porque algumas casas estavam
pegando fogo. Falei para minha esposa na mesma hora: 'vamos arrumar a bolsa e
sair'. Já entregamos a chave e voltamos apenas para buscar nossas coisas —
disse.
Em seu perfil no Facebook, ele
compartilhou o relato sobre o que viveu e fez um apelo pela Rocinha. "Eu
nunca vesti uma farda, nunca toquei em uma arma, mas posso dizer que já estive
numa guerra, e sobrevivi. Meu corpo está inteiro, mas aqueles tiros não
estilhaçaram só minha janela, nunca mais serei o mesmo. Vi e vivi o pior da
sociedade, o pior do ser humano. Precisamos intervir irmãos, precisamos acabar
com essa matança, com essa guerra contra nós, todos nós", disse.
Vídeo mostra destruição na
Rocinha após confronto
Nesta sexta-feira, a Polícia
Militar publicou um vídeo, em seu perfil no Twitter, que mostra a destruição em
várias casas da Rocinha, provocada pelos tiroteios ocorridos na comunidade. As
imagens divulgadas na rede social mostram muros e paredes com inúmeras perfurações
de armas de grosso calibre. O cenário é de guerra. Algumas paredes têm buracos
enormes e estão visivelmente perto de ruir.
🎬Esse é o cenário encontrado pelo #BOPE após intenso confronto com criminosos na #Rocinha. O vídeo mostra a dura realidade enfrentada pelos policias no desempenho de sua função, na tentativa de restabelecer a paz e a segurança dos moradores. #EuConfioNaPMERJ pic.twitter.com/r6ofbfFcpg— PMERJ (@PMERJ) 26 de janeiro de 2018
"
Esse é o cenário encontrado
pelo Bope (Batalhão de Operações Especiais ) após intenso confronto com
criminosos na Rocinha. O vídeo mostra a dura realidade enfrentada pelos
policias no desempenho de sua função, na tentativa de restabelecer a paz e a
segurança dos moradores", postou a Polícia Militar. Ainda nesta manhã, diversos moradores relataram novos confrontos na comunidade.
Título e Texto: Gabriela Viana, EXTRA,
26-1-2018
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