sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

'Nunca mais serei o mesmo', diz morador da Rocinha que teve casa alvejada por tiros

Gabriela Viana

Um dia inteiro de pânico e quatro tiros na parede da sala de casa durante o almoço. "Foi tudo muito desesperador", diz um morador da Rocinha sobre o intenso tiroteio entre policiais militares e criminosos, nesta quinta-feira, na comunidade.Vivendo na comunidade há 28 anos, o estudante de Jornalismo abandonou a casa onde vive há dois anos após a esposa dele escapar por pouco de ser atingida na sala da residência.


— Desde às 10h30 estávamos deitados no chão porque a troca de tiros estava muito intensa. Quando deu 13h30, resolvi fazer algo para comer, porque a gente não tinha nem tomado café da manhã. Eu ia abaixado para a cozinha, por causa da janela, fazia algo rápido e voltava para sala. Quando a comida ficou pronta, levei para a sala. A janela estava entreaberta. Estávamos sem energia por causa do tiroteio e estava muito quente. Coloquei meu prato e minha esposa foi colocar o dela. Quando ela levantou, foram três tiros na direção dela. Ela se jogou no chão, eu me joguei por cima dela e nos arrastamos até a cozinha — contou o morador.

Os tiros desta quinta-feira começaram durante uma operação do Comando de Operações Especiais (COE), com apoio de outras unidades da Polícia Militar. Segundo a corporação, as equipes foram recebidas a tiros em diferentes pontos da favela. Em meio ao confronto, um policial do Batalhão de Choque foi baleado na barriga e levado para o Hospital Miguel Couto, na Gávea. O soldado Thiago Chaves da Silva, não resistiu aos ferimentos e morreu no hospital. Outros três PMs ficaram feridos na operação e a base da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da comunidade foi atingida.

Para o estudante, o cenário da Rocinha era de guerra e o pânico tomou conta dos moradores.

— Foi tudo muito desesperador. Minha esposa chorava, gritava. Depois, fomos nos acalmando. O tiroteio ficou muito mais intenso. Eram armas de calibre que eu nunca ouvi. O prédio tremia com o barulho dos tiros e das bombas. A gente ouvia bandidos tentando entrar no prédio para subir e ter mais vista lá de cima. Ficamos em desespero, com medo de ter nossa casa invadida. Soube de gente que teve que ficar com bandido ferido dentro de casa até ele conseguir sair. O pânico que eu vivi foi algo que nunca tinha vivido e não desejo para ninguém. Ouvia as pessoas pedindo socorro, um mar de cápsulas de bala no chão, casa pegando fogo. Foi muito chocante — disse.

Diante do que viveu na comunidade que o abriga desde pequeno, o estudante optou por antecipar uma decisão que já vinha considerando desde que os confrontos na Rocinha se tornaram mais frequentes: deixar o local.

— O pior de tudo é a privação. A gente não conhece mais esse lugar e nem as pessoas. Antes tinha um respeito. Agora não. É uma guerra. A gente está absolutamente à mercê. O tempo todo achei que fosse morrer. A privação do direito, o quanto aquilo estava virando uma zona de guerra, sem cuidado com a vida das pessoas que estavam ali, é muito triste. É um milagre que nenhum inocente tenha morrido. Quando tudo acabou, ainda ajudei alguns moradores que pediam socorro porque algumas casas estavam pegando fogo. Falei para minha esposa na mesma hora: 'vamos arrumar a bolsa e sair'. Já entregamos a chave e voltamos apenas para buscar nossas coisas — disse.

Em seu perfil no Facebook, ele compartilhou o relato sobre o que viveu e fez um apelo pela Rocinha. "Eu nunca vesti uma farda, nunca toquei em uma arma, mas posso dizer que já estive numa guerra, e sobrevivi. Meu corpo está inteiro, mas aqueles tiros não estilhaçaram só minha janela, nunca mais serei o mesmo. Vi e vivi o pior da sociedade, o pior do ser humano. Precisamos intervir irmãos, precisamos acabar com essa matança, com essa guerra contra nós, todos nós", disse.
Vídeo mostra destruição na Rocinha após confronto

Nesta sexta-feira, a Polícia Militar publicou um vídeo, em seu perfil no Twitter, que mostra a destruição em várias casas da Rocinha, provocada pelos tiroteios ocorridos na comunidade. As imagens divulgadas na rede social mostram muros e paredes com inúmeras perfurações de armas de grosso calibre. O cenário é de guerra. Algumas paredes têm buracos enormes e estão visivelmente perto de ruir.

"

Esse é o cenário encontrado pelo Bope (Batalhão de Operações Especiais ) após intenso confronto com criminosos na Rocinha. O vídeo mostra a dura realidade enfrentada pelos policias no desempenho de sua função, na tentativa de restabelecer a paz e a segurança dos moradores", postou a Polícia Militar. Ainda nesta manhã, diversos moradores relataram novos confrontos na comunidade.
Título e Texto: Gabriela Viana, EXTRA, 26-1-2018

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