terça-feira, 23 de janeiro de 2018

“Eles odeiam a França”

Charlotte d’Ornellas

Quem são esses jihadistas, o que querem e por que partiram?
O livro Le combat vous a été prescrit, une histoire du jihad em France, (O combate vos foi prescrito, uma história do jihad em França), revela a história daqueles que querem voltar – para a França.

Para Romain Caillet, os jihadistas que querem regressar vão, evidentemente, [...] representar um perigo para a França. Foto: Zuma/REA

De “Lobos solitários” a “radicalizações expressas”, o vocabulário é escolhido para tentar minimizar o desenvolvimento de uma ideologia que seduz futuros soldados há três décadas na França. Com a ajuda de fontes policiais e judiciais, confidências do serviço de Informações ou de próprios jihadistas, Romain Caillet e Pierre Puchot mostram na sua obra uma pesquisa minuciosa e corajosa, que ajuda a entender como a França deixou crescer em seu seio os que só sonham em destruí-la.

O seu nome suscita críticas...
Quem é você exatamente?
Eu fui muito próximo do movimento jihadista e não nego. Tinha um pé dentro, ainda que eles nunca me tenham reconhecido como um deles. Algumas teses me seduziam, sobre os regimes árabes, notadamente. Mas nunca estive de acordo com a luta contra o Ocidente. Fui um companheiro parceiro de 2000 a 2007 antes de romper com eles, violentamente.

Desse período, guardei os contatos, amigos e em seguida continuei a vigiá-los sob pseudônimo
Hoje em dia, alguns me detestam, outros aceitam o meu trabalho que julgam objetivo, e outros, enfim, continuam meus amigos apesar das divergências. Alguns me passam informações. Esclareço que desde julho de 2013 não uso nenhum pseudônimo: foi a data a partir da qual muitos jihadistas foram para a Síria, eles se comunicam facilmente.

Romain Caillet, foto: Sébastien Ortola/REA

Fala-se atualmente no retorno deles, no das suas esposas ou dos seus filhos. Deve-se ter receio?
Evidentemente, os “regressados”, como são chamados depois do sucesso do livro de David Thomson, vão representar um perigo nos próximos anos. Se alguns irão abandonar convicções jihadistas, muitos conservarão essas convicções e aparecerão como veteranos ou exemplos a seguir para a próxima geração de jihadistas. Além da percepção bem real, no plano de segurança pública, os políticos compreenderam que a opinião pública rejeita massivamente toda e qualquer ideia de reabilitação ou de perdão, contrariamente ao que se faz, às vezes, no mundo árabe para os jihadistas.

Na mesma ordem de ideias, penso que o governo (da França) vai fazer tudo para impedir ou atrasar o regresso dos que estão detidos no Iraque ou na Síria e, de qualquer maneira, seria suicídio político considerar uma outra solução. Até agora, é a melhor coisa a fazer? Na minha opinião só existem más respostas para esta questão. No papel, é tentador para as autoridades deixar cair no esquecimento, lá no fundo de uma prisão iraquiana ou síria, mas as coisas não se passarão dessa maneira.

Se, em França, ainda não se viu nenhuma fuga de jihadista, no mundo árabe não é a mesma coisa. Lembremos que em 2007 o francês Peter Chérif se evadiu de uma prisão iraquiana, onde estava cumprindo pena de quinze anos de prisão. O que aconteceria se não fosse um, mas dezenas de jihadistas franceses se evadindo nos próximos anos? No que concerne as mulheres, tenho a impressão que a percepção no seio do debate público passou de um extremo a outro: há alguns anos eram descritas como vítimas, ao passo que, atualmente, é quase como se elas fossem mais culpadas do que os seus maridos.

Bom, está certo que elas aderiram à ideologia jihadista, ao projeto do Estado Islâmico, e muitas delas aprovaram os atentados cometidos em França, mas a grande maioria se contentou com o papel de esposa de jihadista, sem exercer nenhuma responsabilidade.

Enfim, no que toca a crianças, somente os garotos com mais de nove anos e que puderam participar de sessões de doutrinamento e treinamento militar representam um perigo real. O que não quer dizer que meninas ou crianças nascidas lá, que têm menos de cinco anos, não apresentem traumatismos que serão particularmente difíceis de gerir pelos serviços sociais.

Por que há tão poucos universitários trabalhando sobre este assunto?
Constato desde há muito tempo que existem bloqueios. Alguns são ideológicos, outros são técnicos: falta de rede, falta de competências ou falta de contatos.

Ideológicos?
O meio universitário é muito à esquerda e aterrorizado com a possibilidade de alimentar a extrema direita ou de ser rotulado de islamofóbico. É um absurdo, porque não se trata de trabalhar sobre o islão, mas sobre a corrente jihadista, que tem as suas próprias referências. É minoritária no mundo muçulmano, mas é um componente.

Tem outro problema para os universitários, é a questão da segurança. É uma questão que eles detestam em geral. Um universitário me disse, um dia, que nós não devíamos ter especialistas em jihad, mas em violência radical. Resultado, nos encontraríamos com um antropólogo que não sabe árabe e não é especializado. No máximo, teria se debruçado sobre a delinquência suburbana, pior, sobre a extrema-direita. Não é sério.

Para completar, tem ainda o problema da rede de conhecimentos. Muitos universitários sonham com um posto no estrangeiro com um salário mais interessante. Para isso, é necessário ter boas relações com os intelectuais locais, que, geralmente, têm um discurso complotistas que acusa o Ocidente de todos os males do mundo. Portanto, eles evitam falar sobre estes temas.

Sem contar que para obter um cargo de diretor em um centro de pesquisas no estrangeiro é preciso ser aprovado por um dos seus pares pesquisadores e igualmente por um conselho de diplomatas. Eles (os universitários) nunca arriscarão criar inimigos.

Atentados de 13 de novembro de 2015. Todos os jihadistas que realizaram atentados na França eram originários da imigração, legal ou ilegal. Foto: Stéphane Allaman/SIPA

O que devemos reter do vosso livro?
Que nunca existiriam atentados sem a conjunção de dois fenômenos: jovens que desenvolvem ódio pela França e uma organização riquíssima que colocou a França na sua agenda.

Se esquecemos o ódio à França que se desenvolve nos subúrbios, não compreendemos. Se refletirmos, o Estado Islâmico preferiria mil vezes atacar os Estados Unidos, mas é menos fácil. Na França, eles sabem que são soldados. Inversamente, se ocultamos a questão geopolítica, fica difícil compreender, porque a política internacional da França é decisiva na comunicação do Estado Islâmico. Mas dizendo que eles são malucos, evitam-se todas as questões incômodas para os políticos.

E o que dizer do qualificativo “desequilibrado”?
Evidentemente conheci jihadistas que tinham antecedentes psiquiátricos, como em todos os movimentos radicais. Mas reduzi-los a isso é um absurdo. Eles têm um argumentário racional e não há a menor empatia nas suas palavras. Mas se compreende muito bem que esta qualificação agrade a todo o mundo: tê-los como malucos, evitam-se as discussões sobre imigração e sobre a política estrangeira da França.

Quem são eles, então?
Encontram-se em todos os meios sociais e de todas origens. Em contrapartida, os que realizaram atentados em solo francês são jovens provenientes da imigração, com um pesado passado delinquente.

Nenhum francês de origem, convertido ao islã, regressou para cometer um atentado na sua casa. O ódio pela França não é o mesmo, sem dúvida.

O que pensa sobre o termo “lobo solitário”?
Essa ideia nasceu com Mohammed Merah. Primeiramente, não consigo acreditar que se possa ir ao Afeganistão, ao Paquistão, regressar, voltar lá, tudo sem ser fichado. Ele estava em processo de recrutamento como informante, portanto, é muito provável que ele tenha se beneficiado de alguma forma de impunidade.

O terrorista Mohammed Merah, com certeza não estava assim tão sozinho... Foto: AFP/France2

Mas existe uma outra interrogação: os sermões do seu mentor em Afeganistão estavam então acessíveis em todos os fóruns francófonos! Como se pôde acreditar em Merah, que explicou tê-lo encontrado por acaso? O termo “lobo solitário”, mesmo neste caso, é muito pouco crível.

Escuta-se às vezes que os jihadistas não conhecem nada do Islão...
Outra desonestidade. Um juiz antiterrorista explicou, um dia, que os jihadistas não conheciam nada do Islão, pois que não sabiam diferenciar xiitas de sunitas. Eu nunca vi um jihadista que não soubesse a diferença! Talvez as pessoas interrogadas estejam gozando com os seus interrogadores...

É preciso também compreender que muitos muçulmanos querem absolutamente mostrar que não existe nenhuma relação com o Islão. Sem querer duvidar da sinceridade dessas boas pessoas, é absurdo.

Como explicar o aumento considerável de partidas para a Jihad nos últimos anos?
Houve três fases. Primeiramente, a impressão de ir salvar Sírios oprimidos, por causa da propaganda na qual todo o mundo participou, inclusive a mídia francesa.

Depois veio a ideia de participar da história, de criar um Estado islâmico.

Enfim, a ideia de vingança nasceu quando a coalizão começou a atacar o Estado islâmico.

Mas não podemos reduzir as motivações deles a este conflito, muitos procuraram se juntar a uma “terra do islão” antes.

Que lugar ocupa o componente geopolítico na motivação deles?
O jornalista David Thomson acha que a geopolítica é um álibi. Debatendo com eles, eu tinha a consciência da realidade. É um tema que eles evocam, mas eles não falam jamais sobre uma sociedade excludente ou do desemprego, por exemplo...

No princípio desta movimentação, os jihadistas visavam a França por causa do apoio ao regime argelino, agora porque ela bombardeia o Estado Islâmico. Mas a França bombardeia porque atentados foram cometidos precedentemente, justificados pelo apoio diplomático à coalizão... enfim, é a história da galinha primeiro ou o ovo!

Como eles escolhem os seus alvos?
Eles visam os países pela sua população. O atentado de Orlando (Flórida, Estados Unidos) perpetrado contra uma boate gay, tinha, por exemplo, sido muito criticado por alguns jihadistas. Eles não estão chocados por matar homossexuais, mas receiam que a mensagem seja desfocada: eles querem matar americanos e não, primeiramente, homossexuais.

Quando o Estado Islâmico reivindica o atentado contra o Padre Hamel, é a França que ele visa, pois que os jihadistas identificam os seus inimigos de maneira confessional. Quando eles atacaram o Bataclan, eles tinham a certeza de que matariam franceses de origem. Eles nunca teriam escolhido um concerto de rap!

O atentado contra o Stade de France contradiz um pouco a sua afirmação...
Efetivamente, eles poderiam ter matado muitos imigrantes, mas seria simbólico: François Hollande estava no local.

Eles não têm medo de empurrar os franceses para rejeitarem cada vez mais o islão?
Eles não estão nem aí. A situação dos muçulmanos na França não é um problema deles: a corrente jihadista considera que a França não é uma terra do Islão, portanto, os muçulmanos não têm nada que viver lá. Alguns até se perguntam se estes são verdadeiramente muçulmanos.

O Estado islâmico está muito enfraquecido, devemos recear novos atentados na França?
Eu não acredito que eles ainda sejam capazes de organizar atentados bem logísticos, como o do Bataclan. Mas lembremo-nos que o atentado mais mortífero foi o de Nice. Bastou um simpatizante que respondeu ao chamado dos jihadistas.

Ora, os simpatizantes da corrente jihadista são bastante numerosos, ainda que esse número não aumente mais.

Entrevista a Charlotte d’Ornellas, Valeurs Actuelles, nº 4234, de 18 a 24 de janeiro de 2018
Tradução: JP, 23-1-2018


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