Estado de S. Paulo
Não há registro de regime autoritário que
não tenha subjugado a Justiça e a imprensa independentes. Pois o sr. Lula da
Silva põe ambas sob suspeição
Não há registro histórico de
um regime autoritário que não tenha subjugado ao menos uma de duas instituições
basilares da democracia: Justiça e imprensa independentes. Pois o sr. Luiz
Inácio Lula da Silva põe ambas sob suspeição no Brasil. É um perigoso sinal
emitido por alguém que, a despeito dos gravíssimos crimes pelos quais responde
judicialmente – já tendo sobre si uma condenação, em primeira instância, a 9
anos e 6 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro –, quer voltar à
Presidência da República.
Na quinta-feira passada, o
ex-presidente concedeu uma entrevista coletiva à imprensa estrangeira. Lula da
Silva falou com a arrogância de quem já tira as medidas para um novo terno de
posse, e não como um condenado que se vê diante da possibilidade crescente de
ir para a cadeia.
Sua fala reflete um delírio
megalomaníaco e leva a imaginar como seria um novo governo lulopetista pautado
por uma política embebida em ressentimento que, a julgar pelo que Lula vem
dizendo, nortearia suas ações do primeiro ao último dia de mandato.
Antes de tudo, Lula da Silva
acredita ser vítima de uma implacável perseguição engendrada por um conluio de
agentes, alguns indeterminados, como o “mercado”, a “elite”, a “mídia”, os
“coxinhas”, em suma, “eles”; e outros com nome e sobrenome, como o juiz Sérgio
Moro e os três desembargadores da 8.ª Turma do TRF-4, Leandro Paulsen, João
Pedro Gebran Neto e Victor Laus, que na próxima quarta-feira irão julgar um
recurso interposto por sua defesa que, a depender do resultado, pode torná-lo
inelegível pela Lei da Ficha Limpa.
“Eu acho que essas pessoas que
estão lidando com o meu processo não me conhecem direito. Se me conhecessem,
não teriam a coragem e a desfaçatez de dizer que eu sou ladrão. Como eu tenho
orgulho de tudo o que eu fiz, eu quero que um dia eles peçam desculpas para
mim”, disse Lula da Silva aos jornalistas, deixando claro que a única Justiça
legítima é aquela que o absolve. Afinal, é ele o juiz de si mesmo, o senhor das
moralidades e das virtudes cívicas. Não tem de dar satisfações a ninguém, pois
é superior a todos.
A concepção de um sistema de
Justiça ao qual todos devem se submeter em prol da harmonia social é uma das
mais brilhantes criações do gênio humano, pois eliminou a barbárie do
justiçamento e nos trouxe um elevado estágio civilizatório. O que Lula da Silva
faz não deve ser confundido com o legítimo direito de questionar uma decisão
judicial. A afronta está na escolha que faz dos tipos de “justiça”: aquela a
que admite se submeter, sendo ele próprio o juiz e o formulador único de seu
código de justiça; e a “outra”, ilegítima por natureza, pois não saiu de sua
cabeça. Lula contesta agora a legitimidade do TRF-4 porque sabe que seu caso,
do ponto de vista legal, não lhe permite esperanças de absolvição.
Perguntado pelo jornalista do
El País se não precisaria fazer uma “autocrítica”, se tinha algum
“arrependimento”, Lula da Silva disse que sim: não ter implementado a censura
que ele, ardilosamente, chama de “regulação da mídia”. Em um recente evento com
artistas no Rio de Janeiro, destacou o tema que lhe é tão caro ao pedir à
imprensa que trabalhasse para ele não voltar, “porque se eu voltar vai haver
uma regulação dos meios de comunicação”.
É compreensível que Lula da
Silva se sinta mesmo um perseguido. Para alguém que deixou a Presidência com
índice de aprovação acima de 80% deve ser difícil compreender as agruras por
que passa agora. Só mesmo causas externas para infortúnios tão grandes, deve
pensar. O que mais explicaria? Certamente, não os seus próprios erros.
Os brasileiros que não fazem
parte do grupo que apoia o ex-presidente incondicionalmente devem refletir
sobre o ânimo de Lula da Silva em relação ao futuro. Seria um exercício de
vingança contra injustiças imaginárias que desgraçaria a Nação além do suportável.
É claro que nem tudo o que
Lula diz pode ou deve ser levado a sério. Mas também não se pode ignorar que
ele vem fazendo, com inusitada desenvoltura, uma campanha de descrédito das
instituições republicanas. Lula atenta contra a ordem democrática e isso, venha
de onde vier – até de um mentiroso fanfarrão como ele –, é um perigo.
Título e Texto: Editorial, Estado de S. Paulo,
22-1-2018
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