João Pereira Coutinho
No programa, uma mãe (Patrícia) é insultada
e agredida por uma criança de 7 anos (a famosa Margarida). Antigamente, uma
bizarria deste género não se curava pela exposição pública; era tratada em
privado porque noções de “pudor” ou simples “bom senso” eram mais fortes do que
qualquer câmara de televisão.
Portugal anda preocupado com
os "direitos das crianças". Quando li as gordas (a propósito: até
quando poderemos designar os títulos dos jornais por "gordas"?),
quando li as gordas, repito, pensei que falassem da derrota de Santana Lopes
nas eleições do PSD.
Falha minha. A criança era
outra: o "Furacão Margarida", prodígio de 7 anos que a SIC se propôs
educar no programa Supernanny.
A comissão de proteção de
menores acredita que o programa viola os direitos dos petizes, designadamente o
direito à imagem, à reserva da vida privada e à intimidade. A ERC e a Ordem dos
Psicólogos já foram chamados a intervir. E a Unicef mostra igual preocupação,
esperando-se para breve mais uma resolução do Conselho de Segurança da ONU.
Curioso: no País onde uma
seita religiosa é acusada de raptar os filhos dos outros, foi preciso o
"Furacão Margarida" para provocar abalo nas consciências protetoras.
Creio que o abalo é escusado. Comecemos pelo básico: direito à imagem, à
reserva da vida privada e à intimidade? Em que mundo vive esta gente?
Provavelmente, no mundo pré -2004, quando ainda não existia Facebook para
horrorizar a cristandade. Basta consultar a página de qualquer
"amigo" virtual (ou até real) para contemplar a imagem, a privacidade
e a intimidade da criança a serem devassadas com sentimentos cândidos. O petiz
na cama; o petiz no banho; o petiz no pote em reflexão e esforço – tudo sob
likes, aplausos e corações de paixão ardente.
Especialistas vários não se
cansam de alertar: imagens de crianças nas redes sociais servem de pasto para o
submundo pedófilo. Mas isto não horroriza os guardiões da infância. Nem,
obviamente, os respectivos progenitores.
Mas a histeria é escusada
porque eu fiz questão de assistir ao programa. Dizer que gostei seria um
exagero. Embora, aqui entre nós, é possível espremer dali duas ideias que
merecem partilha com o leitor.
A primeira, nada original, é
que a falência da educação contemporânea é assumida sem vergonha. No programa,
uma mãe (Patrícia) é insultada e agredida por uma criança de 7 anos (a famosa
Margarida). Antigamente, uma bizarria deste género não se curava pela exposição
pública; era tratada em privado porque noções de "pudor" ou simples
"bom senso" eram mais fortes do que qualquer câmara de televisão.
No mundo pós-Facebook, estes
conceitos perderam a sua validade. Se, por hipótese, eu publico fotos da minha
filha no penico, porque não partilhar com o País o momento em que a minha filha
despeja o seu penico sobre a minha cabeça?
De resto, e descontando o lado
circense da coisa, aqui declaro que a supernanny está inocente. Desconheço a
obra da sra. Teresa Paula Marques. Mas na sua "intervenção" confesso
que me causou estranheza certas expressões que eu julgava banidas do discurso contemporâneo.
A supernanny falava na
importância de "regras"; de "autoridade"; de
"limites"; de "respeito"; e, lá pelo meio, até ousou uma
referência às dificuldades típicas das "famílias monoparentais".
Engraçado: a julgar pela
doutrina estabelecida, eu pensava que as "famílias monoparentais" não
tinham nenhuma desvantagem em especial. Aliás, convenci-me do inverso: ter
filhos a solo representa um grito de libertação que só pode terminar em beleza
para a mãe (ou para o pai) e para a criança. Afinal, onde mora a verdade?
Em lugar nenhum. Ou, então, em
milhares de casas onde as crianças deixaram de ser crianças – e passaram a
tiranizar adultos tão infantis quanto elas. Se calhar, o escândalo da
Supernanny está precisamente aqui: na imagem cómica e patética que os adultos
encontram ao espelho.
Título e Texto: João Pereira Coutinho, SÁBADO,
nº 716, de 17 a 23 de janeiro de 2018
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