quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O Brasil à deriva


Manuel Villaverde Cabral

A forma como o PT e os partidos aliados se mantiveram no poder, a começar pelo PMDB do atual presidente Temer, demonstra a extrema debilidade democrática do sistema político-partidário brasileiro.

A complexa e prolongada crise política brasileira permanece totalmente concentrada na questão de Lula: se ele é mesmo corrupto ou se foi vítima de mais um alegado «golpe», neste caso desferido pelos procuradores e juízes envolvidos no gigantesco escândalo de corrupção em torno da empresa pública Petrobras, ou seja, o processo «Lava Jato»? Essa fixação mediática no protagonismo – negativo ou positivo – do antigo presidente Lula é, na verdade, uma forma mais de esconder a profundidade da crise e adiar, portanto, a reforma política do Brasil!

Do ponto de vista histórico, talvez porque o PT era então ainda um partido novo que se apresentava como «diferente», o enorme esquema de corrupção política do «mensalão» foi perdoado, por assim dizer, pelos seus inúmeros beneficiários, a começar pelos partidos e estendendo-se até aos destinatários da famosa «bolsa família». Foi assim que Lula, eleito para a presidência em 2002 pelas classes médias modernas do Sul do país, perdeu os votos do Sul e se reelegeu em 2006 com o voto maciço do Nordeste cujos subsídios deixaram, contudo, os seus destinatários sem emprego nem cidadania para além do voto.

Ora, para quem quis ver, o «mensalão» exibiu logo em 2005, a frieza com que o PT montou o seu projeto de poder, recorrendo sem hesitar aos métodos usuais de qualquer «máfia», no caso, comprar os votos de deputados e senadores de que o PT precisava para formar as suas maiorias no Congresso. Com efeito, o PT conseguira eleger Lula em 2002, mas o partido nunca teve, até hoje, mais de 20% dos votos para a Câmara de Deputados. Tinha, portanto, de comprar os votos dos aliados, vindos sobretudo da «direita», e não hesitou em fazê-lo daquela forma burocrática que caracteriza os ex-estalinistas como José Dirceu, número dois do regime petista, que veio, entretanto, a ser condenado a vários anos de prisão…

O próprio líder do PCdoB, Aldo Rebelo, com lugar fixo nos governos do PT, chegou a ser citado como um dos membros do núcleo coordenador do «mensalão» com altos dirigentes do PT como os então ministros José Genoíno e António Palocci, ambos condenados: o primeiro no «mensalão» e o segundo está atualmente preso por participação na «Operação Lava Jacto» com cujos juízes de investigação colaborou! Nestas condições, não é politicamente crível que esquemas deste calibre fossem desconhecidos por Lula, o qual fez eleger Dilma Rousseff em 2010 para a presidência da República, provavelmente a fim de lhe suceder por sua vez em 2014 ou em 2018 como se propõe agora…

Este resumo da forma como o PT e os partidos aliados se mantiveram no poder, a começar pelo PMDB do atual presidente Temer, demonstra a extrema debilidade democrática do sistema político-partidário brasileiro e a falta de ética dos seus dirigentes. A democraticidade e a capacidade de funcionamento minimamente isento dos governos estão muito para além do desempenho trágico-cómico dos seus personagens, incluindo Lula e companhia. Há muito, com efeito, que o regime constitucional progressista de 1988 carece de uma revisão política e eleitoral radical. Muito se fala dessas reformas, mas, como cá, os hábitos e os interesses da casta reinante impedem qualquer avanço.

Pelo contrário. Falar de Lula e do «golpe» que a «direita» teria feito contra o PT é escamotear o problema. Preparemo-nos, pois, para mais do mesmo. E se não for assim, pior: poderá ser o tal «golpe» que se tem invocado a torto e a direito ou então vir a eleger um candidato da «extrema-direita» como Jair Bolsonaro, que já figura em segundo nas sondagens e que já passou por sete partidos desde que entrou para a «carreira política» há mais de vinte anos…

O facto de a última jogada de Lula ser o apelo à «união das esquerdas» já se está a revelar menos mobilizador do que se podia pensar. Não sendo tal aliança impossível num país tumultuário como o Brasil, a primeira reação do leque infinito de partidos de «esquerda» e «extrema-esquerda» foi responder negativamente ao apelo de Lula, apontando para uma segunda-volta que não se sabe se haverá. Se calhar, nem haverá primeira-volta para Lula…

Juntos, tanto ódio verbal e tanta incerteza institucional são perigosos. A falta intrínseca de institucionalidade por parte da presidência Temer é incapaz de controlar a propensão violenta da «esquerda» para procurar o confronto físico e apelar à «rua». Por vezes, dá impressão que a «esquerda» quer que os militares saiam da toca para confirmar que se tratou desde o primeiro dia do tal «golpe» do imperialismo para a afastar do poder. Seria um retrocesso trágico. Por último, aquilo que foi, segundo os críticos do PT, a convergência de um «projeto de poder» e de uma «máquina sindical» sob o carisma de Lula, como escreve hoje o «Estadão», é inviável mesmo que Lula por hipótese voltasse à Presidência… Teremos certamente oportunidade de voltar a falar do assunto!
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador, 31-1-2018

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