A forma como o PT e os partidos aliados se
mantiveram no poder, a começar pelo PMDB do atual presidente Temer, demonstra a
extrema debilidade democrática do sistema político-partidário brasileiro.
A complexa e prolongada crise
política brasileira permanece totalmente concentrada na questão de Lula: se ele
é mesmo corrupto ou se foi vítima de mais um alegado «golpe», neste caso
desferido pelos procuradores e juízes envolvidos no gigantesco escândalo de
corrupção em torno da empresa pública Petrobras, ou seja, o processo «Lava
Jato»? Essa fixação mediática no protagonismo – negativo ou positivo – do
antigo presidente Lula é, na verdade, uma forma mais de esconder a profundidade
da crise e adiar, portanto, a reforma política do Brasil!
Do ponto de vista histórico,
talvez porque o PT era então ainda um partido novo que se apresentava como
«diferente», o enorme esquema de corrupção política do «mensalão» foi perdoado, por assim dizer, pelos seus
inúmeros beneficiários, a começar pelos partidos e estendendo-se até aos
destinatários da famosa «bolsa família». Foi assim que Lula, eleito para a
presidência em 2002 pelas classes médias modernas do Sul do país, perdeu os
votos do Sul e se reelegeu em 2006 com o voto maciço do Nordeste cujos
subsídios deixaram, contudo, os seus destinatários sem emprego nem cidadania
para além do voto.
Ora, para quem quis ver, o
«mensalão» exibiu logo em 2005, a frieza com que o PT montou o seu projeto de
poder, recorrendo sem hesitar aos métodos usuais de qualquer «máfia», no caso,
comprar os votos de deputados e senadores de que o PT precisava para formar as
suas maiorias no Congresso. Com efeito, o PT conseguira eleger Lula em 2002,
mas o partido nunca teve, até hoje, mais de 20% dos votos para a Câmara de
Deputados. Tinha, portanto, de comprar os votos dos aliados, vindos sobretudo
da «direita», e não hesitou em fazê-lo daquela forma burocrática que caracteriza
os ex-estalinistas como José Dirceu, número dois do regime petista, que veio,
entretanto, a ser condenado a vários anos de prisão…
O próprio líder do PCdoB, Aldo Rebelo, com lugar fixo nos governos do PT, chegou a ser citado como um dos membros do núcleo coordenador do «mensalão» com altos dirigentes do PT como os então ministros José Genoíno e António Palocci, ambos condenados: o primeiro no «mensalão» e o segundo está atualmente preso por participação na «Operação Lava Jacto» com cujos juízes de investigação colaborou! Nestas condições, não é politicamente crível que esquemas deste calibre fossem desconhecidos por Lula, o qual fez eleger Dilma Rousseff em 2010 para a presidência da República, provavelmente a fim de lhe suceder por sua vez em 2014 ou em 2018 como se propõe agora…
Este resumo da forma como o PT
e os partidos aliados se mantiveram no poder, a começar pelo PMDB do atual
presidente Temer, demonstra a extrema debilidade democrática do sistema
político-partidário brasileiro e a falta de ética dos seus dirigentes. A
democraticidade e a capacidade de funcionamento minimamente isento dos governos
estão muito para além do desempenho trágico-cómico dos seus personagens,
incluindo Lula e companhia. Há muito, com efeito, que o regime constitucional
progressista de 1988 carece de uma revisão política e eleitoral radical. Muito
se fala dessas reformas, mas, como cá, os hábitos e os interesses da casta
reinante impedem qualquer avanço.
Pelo contrário. Falar de Lula
e do «golpe» que a «direita» teria feito contra o PT é escamotear o problema.
Preparemo-nos, pois, para mais do mesmo. E se não for assim, pior: poderá ser o
tal «golpe» que se tem invocado a torto e a direito ou então vir a eleger um
candidato da «extrema-direita» como Jair Bolsonaro, que já figura em segundo
nas sondagens e que já passou por sete partidos desde que entrou para a «carreira
política» há mais de vinte anos…
O facto de a última jogada de
Lula ser o apelo à «união das esquerdas» já se está a revelar menos mobilizador do que se podia pensar. Não sendo tal
aliança impossível num país tumultuário como o Brasil, a primeira reação do
leque infinito de partidos de «esquerda» e «extrema-esquerda» foi responder
negativamente ao apelo de Lula, apontando para uma segunda-volta que não se
sabe se haverá. Se calhar, nem haverá primeira-volta para Lula…
Juntos, tanto ódio verbal e
tanta incerteza institucional são perigosos. A falta intrínseca de
institucionalidade por parte da presidência Temer é incapaz de controlar a
propensão violenta da «esquerda» para procurar o confronto físico e apelar à
«rua». Por vezes, dá impressão que a «esquerda» quer que os militares saiam da
toca para confirmar que se tratou desde o primeiro dia do tal «golpe» do
imperialismo para a afastar do poder. Seria um retrocesso trágico. Por último,
aquilo que foi, segundo os críticos do PT, a convergência de um «projeto de
poder» e de uma «máquina sindical» sob o carisma de Lula, como escreve hoje o
«Estadão», é inviável mesmo que Lula por hipótese voltasse à Presidência…
Teremos certamente oportunidade de voltar a falar do assunto!
Título e Texto: Manuel Villaverde Cabral, Observador,
31-1-2018
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