Luís Rosa
Numa altura em que devemos agradecer a
Passos Coelho pelo futuro sustentável que ajudou a construir, também devemos
lembrar a Rui Rio que tem a especial obrigação de não desrespeitar esse legado.
1. Podemos censurar os exageros retóricos do “que se lixem as eleições”, do pedido para os portugueses “serem menos piegas” ou dos diversos apoios à emigração – erros que demonstram uma
relação masoquista com o eleitorado que em nada beneficiam um líder que devia
ter um discurso agregador e não divisionista. Podemos ainda divergir face à
falta de ambição de reformar o Estado, de levar avante um verdadeiro programa
de redução estrutural da despesa pública e, consequentemente, de não conseguir
aplicar uma baixa estrutural da carga fiscal portuguesa, tentando colocá-la ao
nível das mais competitivas a nível europeu. Podemos até criticar o erro
estratégico (comum a praticamente todos os líderes do centro direita) de se
estar nas tintas para a comunicação social – desistindo, logo à partida, de
tentar explicar as suas ideias e reformas Opinião Pública através do escrutínio
jornalístico e apostando numa comunicação direta com o eleitorado. E afirmar
que não teve sucesso enquanto líder da oposição entre o final de 2015 e o final
de 2017.
Podemos constatar estes erros e
mais alguns. Mas de uma coisa não podemos esquecer: Pedro Passos Coelho foi o
líder político mais reformista dos últimos 30 anos. Desde Cavaco Silva que não
aparecia um primeiro-ministro que não estivesse apenas preocupado em gerir o
dia-a-dia do Estado sem ferir as suscetibilidades do eleitorado (como Durão
Barroso), que não tivesse como foco da sua ação programar espetáculos de
marketing em redor de programas que só aumentaram de forma irresponsável e
criminosa e sem qualquer racional económico a despesa e a dívida pública (como
José Sócrates) ou que não tivesse como única ação promover uma política de
diálogo que rimou com inação e que desaproveitou circunstâncias económicas
ideais para continuar a reformar o país e promover um crescimento económico convergente
com a União Europeia (como António Guterres).
Ao contrário de todos os
outros, e por única e exclusiva culpa de um deles (José Sócrates), Passos
Coelho teve de gerir um país à beira da bancarrota, focado que estava em
cumprir um único programa de ajustamento para evitar repetir a tragédia da
Grécia. Tudo ao mesmo tempo que reconstruía o tecido econômico nacional
com um enfoque estratégico no sector exportador de valor acrescentado que
permitisse um equilíbrio sustentável da nossa Balança de Pagamentos, que
construía reformas importantes na legislação laboral para atrair investimento
direto estrangeiro, que criava uma legislação no arrendamento que acabou com
décadas a fio de iniquidades derivadas do congelamento das rendas que promoveu
o abandono e a decadência dos nossos principais centros urbanos e que
liberaliza sectores estratégicos da nossa economia de forma a combater o
desemprego e a promover o progresso econômico.
Mais do que o “não” a Ricardo
Salgado para envolver a Caixa Geral de Depósitos na viabilização de um Grupo
Espírito Santo falido — o que permitiu-lhe ser coerente e consequente com
um pensamento económico liberal que não vê o Estado como o motor da economia ou
como o salvador promíscuo de empresas inviáveis a troco de um controlo político
de instituições que devem orientar-se pelo valor que criam para os seus
acionistas — mais do que esse fundamental “não” que muito poucos seriam capazes
de dizer, um dos contributos mais importantes de Passos Coelho para um
aprofundamento da democracia portuguesa foi a construção de uma Justiça
verdadeiramente independente que pôde finalmente cumprir o seu papel:
escrutinar todos aqueles que se julgavam acima da lei e investigar tudo o que
fosse necessário independentemente do poder político, social e econômico dos
respectivos protagonistas.
Ainda estão por apurar os
benefícios promovidos pelo trabalho meritório do Ministério Público de Joana
Marques Vidal na regeneração do nosso sistema democrático. Saber que um autarca
condenado por fraude fiscal cumpriu pena de prisão de um ano, saber que um
ex-primeiro-ministro foi preso preventivamente por dez meses e acusado de crimes
gravíssimos pelos procuradores mais qualificados do país, saber que um
ex-banqueiro e representante de uma das famílias mais poderosas do país é
arguido no processo mais complexo da história do Ministério Público por
alegadas responsabilidades na derrocada de um dos grupos financeiros mais
importantes do país — tudo isto ajuda a reforçar a percepção na comunidade
de que não há ninguém acima da lei, o que promove a coesão social, fortalece a
confiança dos cidadãos num sistema político que se quer justo e fomenta o
progresso econômico.
Estas não são todas, mas são
algumas das mais importantes razões para estarmos, enquanto comunidade,
agradecidos ao esforço que Pedro Passos Coelho fez pelo país enquanto
primeiro-ministro entre 2011 e 2015 para a construção de um futuro sustentável
que agora permite um crescimento perto dos 3% anuais. Rui Rio tem a especial
obrigação de não desrespeitar esse legado.
2. O Congresso do PSD confirmou o que já se conhece há anos de Rui
Rio: um homem com uma visão autoritária da liderança, teimoso e que muito
poucos conseguem influenciar — ao ponto de manchar o início do seu mandato com
uma polémica sem sentido à volta da indicação de Elina Fraga como nova
vice-presidente do PSD. Um homem providencial, portanto, que se vê como a luz
de onde tudo emana e a qual deve ser seguida de forma cega.
De tudo o que Rui Rio já disse
até ao momento, não há dúvida que as suas ideias para o sector da Justiça são
aquelas que significam uma ruptura mais clara com a matriz histórica que tem
caracterizado a ação recente do PSD na promoção de um sector independente que
protagonize o seu papel de contrafeito habitual em qualquer democracia digna
desse nome.
Rio, e falando em termos
práticos, quer colocar a Justiça na ordem não por ser lenta e cara, não por ser
um entrave à captação de mais investimentos direto estrangeiro ou por não estar
a combater de forma eficaz crimes (como a corrupção) que deturpam o normal
funcionamento do mercado – algo essencial para um líder de um partido que vê o
investimento privado como uma matéria essencial para o desenvolvimento
económico e social do país. Não, não é nada disso que o preocupa. O maior
problema da Justiça em Portugal é o crime de violação do segredo de justiça e a
“judicialização da política” – para Rui Rio, claro.
É extraordinário como o
ex-edil do Porto, sem apresentar qualquer prova do que diz, esqueça todos os
operadores judiciais que participam num processo penal (como os juízes,
advogados, órgãos de polícia criminal e oficiais de justiça) e aponte o dedo
única exclusivamente aos procuradores como alegados autores de violações de
segredo de justiça. Mais do que uma ideia pré-concebida que Rio tem na cabeça –
lá está a teimosia – uma afirmação com esta gravidade revela um radicalismo
próprio de um talibã que se vê como um guerreiro de fé contra um inimigo
imaginário. Já para não falar na acusação vazia da “judicialização da política”
que não sustentou com exemplos concretos.
Curiosamente, a melhor
resposta às críticas de Rui Rio a Joana Marques Vidal foi dada este
fim-de-semana pelo homem que nomeou a atual procuradora-geral por indicação do
Governo de Passos Coelho: o Presidente Cavaco Silva. Além de classificar
como “estranhíssimo” falar
da substituição de um líder do Ministério Público a dez meses do termo do seu
mandato, Cavaco deixou claro que Marques Vidal tem dado um contributo
importante “para a dignificação do exercício da função judicial”, cumprindo as
indicações que o próprio Cavaco lhe deu de discrição e de “aversão ao
mediatismo”. A posição do ex-Chefe de Estado é a melhor prova de como as
críticas do novo líder do PSD não fazem sentido.
Pior: não se ouviu a Rui Rio
em todo o Congresso do PSD uma palavra sobre a importância do combate à
corrupção – a principal marca do mandato de Joana Marques Vidal. O que só pode
levar à conclusão que Rio entende que uma República que acaba de acusar de um
ex-primeiro-ministro de ter usado o cargo de líder do poder executivo para
praticar atos de alegada corrupção desde o primeiro dia em São Bento não tem
qualquer problema com esse crime.
O mais estranho, contudo, são
as primeiras escolhas de Rui Rio para aplicar as suas mudanças na Justiça. Se
ainda se compreende que Elina Fraga, a verdadeira líder da oposição ao
Governo Passos Coelho nesse sector e grande crítica das alegadas violações do
segredo de justiça da Operação Marquês em defesa de José Sócrates, tenha sido
escolhida para mostrar uma ruptura com o passado recente do PSD — apesar da sua
reduzia credibilidade. Já a indicação de Fernando Negrão para líder parlamentar
do PSD não se compreende. Além do seu fraco curriculum político e a ausência de
um registo sólido como parlamentar, Negrão ficou conhecido no final dos anos 90
por demitir-se do cargo de diretor nacional da Polícia Judiciária ao ser
denunciado por jornalistas do Diário de Notícias como o alegado autor da
informação sobre a realização de buscas judiciais do chamado caso Universidade
Moderna. É certo que o Tribunal da Relação de Lisboa não o pronunciou para julgamento mas isso não o livrou
da mancha de ter sido acusado do crime da violação do segredo de justiça por
parte do Ministério Público — e por queixa do então procurador-geral Cunha
Rodrigues. A dúvida é só uma: é Fernando Negrão quem vai liderar no
Parlamento a criação, em nome de Rui Rio, de uma política mais eficiente para
combater a violação do segredo de justiça?
Definitivamente o líder
que defende um banho de ética na política não começou bem mas ainda
vai a tempo de corrigir algumas contradições insanáveis.
Título e Texto: Luís Rosa, Observador,
19-2-2018
Vá é jogar no euromilhões
ResponderExcluirRui A.
Não me lembro, na história da democracia portuguesa, de um político com tanta sorte como António Costa. Nem mesmo Ramalho Eanes, que foi parar a Presidente da República quase sem perceber como, ou Durão Barroso, que conseguiu ver-se livre do PSD para ir chefiar a Comissão Europeia, um dos tachos políticos mais cobiçados do mundo. Costa, contudo, excede-os a todos. Vejamos. Depois de uma humilhante derrota nas legislativas, contou com a disponibilidade, nunca antes imaginável, do PCP lhe viabilizar o governo e fazer dele, de um derrotado, num vitorioso primeiro-ministro (o Bloco, por troca de umas migalhas, estava disposto a tudo). Depois, beneficiou das reformas e dos cortes do governo anterior, começando a obter bons resultados económicos sem ter de se maçar muito, fazendo de conta que tinha terminado a austeridade. Em seguida, beneficiou da eleição de um Presidente da República que tudo fará para alcançar a reeleição, estando, por isso, integralmente disposto a não levantar ondas e a deixá-lo governar como quiser. E, por último, quando se aproxima o fim da legislatura e a altura adequada para que o PCP saltasse da carroça da geringonça, eis que lhe surge um líder da «oposição» cujo recado ao país é que está disposto a viabilizar um governo minoritário do PS em futuras eleições. Ou seja, no limite, mesmo sem maioria absoluta, o PS pode dispensar os apoios do PC e do Bloco. Ó homem, vá mas é jogar no euromilhões, antes que a sorte se acabe.
Rui A,. Blasfémias, 21-2-2018