Francisco Henriques da Silva
Revejo-me, ainda hoje, num
texto que escrevi há seis anos — que aqui retomo com algumas (bastantes)
adaptações, mas cuja essência permanece intacta.
Na tensão entre globalismo e
nacionalismo persiste uma clivagem profunda, ideológica e estrutural. Durante
décadas, o pensamento dominante — político, económico e mediático — apostou no
globalismo como solução universal, a suposta panaceia capaz de resolver todos
os males da humanidade. Falava-se em “aldeia global”, em “mercados abertos”, em
“governação supranacional”. Parecia o futuro inevitável.
Mas a realidade acabou por
desmentir essa utopia. As crises sucessivas — a financeira de 2008 (subprime),
a das dívidas soberanas a partir de 2011, a instabilidade e apreensão derivadas
das guerras na Ucrânia e Médio oriente, a desindustrialização acelerada, a
perda de coesão social , o advento da inteligência artificial, o descontrolo da
imigração, os problemas securitários — revelaram as fragilidades desse modelo.
No Sul da Europa, os efeitos
foram devastadores: economias asfixiadas, jovens forçados a emigrar, Estados
endividados e sociedades exaustas.
Presente um pouco por toda a parte, mas com especial ênfase na Europa Central e de Leste, o nacionalismo nunca deixou de pulsar. Submetido durante décadas ao jugo soviético, manteve-se latente, pronto a ressurgir assim que a oportunidade o permitisse. E regressou com força. Acompanhado, é certo, de populismos e demagogias, mas também de um sentimento profundo de pertença e de defesa da soberania nacional — uma reação natural à arrogância e ao distanciamento das elites globalistas ocidentais.
A União Europeia, por seu
lado, escolheu o caminho errado. Apostou numa integração excessiva, ignorando
as especificidades e as soberanias nacionais. Em vez de uma “Europa das
Nações”, optou por uma “Europa sem nações” — uma tecnocracia centralizadora, desconectada
dos povos que a compõem. Os resultados estão à vista: descrédito das
instituições, ascensão de forças antissistema, fragmentação política e
desconfiança generalizada.
Hoje, figuras como Donald
Trump, Recep Erdogan, Viktor Orbán, Giorgia Meloni, Robert Fico, Andrej Babiš,
Krzysztof Nawrocki, Marine Le Pen, Santiago Abascal, André Ventura e Geert
Wilders, entre outros, não são acidentes de percurso. São sintomas — e, para
muitos, respostas — a um mal-estar global. Representam a rejeição do
cosmopolitismo abstrato e da governação distante, em nome do regresso à
identidade, à soberania e à autodeterminação.
Não se trata aqui de exaltar
nem de condenar, mas de compreender: estes fenómenos têm causas reais. São a
reação natural a décadas de desilusão e impotência.
Não pretendo alongar-me — o
tema é complexo e polissémico —, mas deixo o alerta: o ciclo do globalismo
acrítico chegou ao fim. Entrámos num novo tempo político, em que as nações
reclamam novamente o direito de ser donas do seu destino.
Os sinais estão por todo o
lado. Cabe-nos apenas saber interpretá-los — e, sobretudo, agir antes que o
pêndulo balance demasiado para o outro extremo.
Título, Imagem e Texto: Francisco Henriques da Silva, (licenciado em História, diplomata e autor. Foi Diretor-geral de Assuntos Multilaterais no MNE e embaixador na Guiné-Bissau, Costa do Marfim, Índia, México e Hungria), ContraCultura, 7-11-2025

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