António Justo
A sociedade veste o medo de festa e chama-lhe cultura
Mas há uma diferença profunda entre celebrar a morte e celebrar os mortos. A primeira afasta-nos do sentido; a segunda reconcilia-nos com o mistério.
O Halloween (noite de 31 de outubro) alimenta o comércio das sombras; o Dia de Todos os Santos (1 de novembro) alimenta a memória da luz. O Advento do Estranho e a Memória do Sagrado.
Num tempo em que se poderia celebrar a autenticidade dos costumes locais, assiste-se à estranha ascensão do Halloween. Esta festividade importada, com o seu fascínio pelo macabro e pelo efémero, vai gradualmente ofuscando o significado profundo de uma tradição enraizada: a comemoração do Dia de Todos os Santos.
Esta, independentemente da base que a motiva, é um momento de recolhimento e de raiz. Materializa-se em reuniões familiares e nas visitas serenas aos cemitérios, gestos simples que têm por fim primordial recordar os que partiram e, assim, honrar a herança que nos define. É uma celebração que valoriza a memória afetiva e a continuidade cultural.
No entanto, o significado cristão deste feriado vê-se agora ameaçado por uma cortina de névoa e fantasia. Enquanto a fé cristã celebra a vida eterna e a santidade, que é um olhar de esperança voltado para a transcendência, o Halloween oferece um culto ao medo e a uma certa fealdade vazia. Para aqueles que anseiam por esta estética do tenebroso e do desprovido de sentido, ele representa a celebração de um feriado profundamente deprimente, um espetáculo vazio que esquece a serenidade da eternidade em favor do susto passageiro.
Ao longo do tempo, tradições e costumes diversos sobrepõem-se. A Igreja Católica, num processo de inculturação, adaptou vários costumes bárbaros à nova cultura vigente, criando rituais substitutos. Um exemplo notável é a substituição dos rituais pagãos destinados a afugentar o medo da morte pela celebração do Dia de Todos os Santos. Atualmente, contudo, são os interesses comerciais que mais proveito tiram destas tradições, ao promoverem e acentuarem os antigos ritos, como se vê na popularização do Halloween.
Talvez o desafio de cada um de
nós hoje seja devolver às nossas crianças o sentido do sagrado, para que saibam
que, na eternidade, a morte não é um fim, é apenas um novo começo de amor.
Título, Imagem e Texto: António
da Cunha Duarte Justo é um pensador e viajante de culturas: filósofo e
teólogo de formação, escritor por vocação e comunicador por missão, dedica a
sua vida a lançar pontes entre Portugal e Alemanha. Autor do blog Pegadas do Tempo. ContraCultura,
1-11-2025

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