Rafael Nogueira
O Collège des Jésuites de
Reims, como muitos outros da França daquele século, seguia a Ratio Studiorum
com acréscimos próprios. Formava humanistas completos: latim e grego, retórica
e clássicos greco-romanos, disciplina firme e prática constante de escrita,
declamação e teatro escolar. Somavam-se história e geografia, matemática e
ciências, além de música, dança e esgrima. A escola jesuítica cultivava tanto
eloquência quanto virtude. O objetivo era formar elites capazes de agir na vida
pública, com instrução sólida e caráter cristão, abrindo portas para a
universidade, a vida religiosa ou a administração pública.
Não por acaso, muitos
philosophes receberam dos jesuítas o núcleo da própria formação. Desse
currículo de lógica, línguas clássicas, retórica, matemática, história
universal nasceram a devoção à razão, a visão global e a perspectiva histórica
articuladas a um ideal de caridade e de verdade. Não estaria justamente aí a
matriz do mundo que herdamos?
O mundo dá voltas. Educados por mestres que liam a história sob a Providência, os filhos, já pais do Iluminismo, “desencantaram” as ciências, as letras e as artes. Mantiveram o rigor contra superstições e abusos, mas extrapolaram certos limites: expulsaram Deus e enxugaram o rol das virtudes, deixando uma compaixão hipertrofiada, sem o freio das demais qualidades, e, com isso, a política do ressentimento atualmente em vigor. Nietzsche, que não era catecúmeno de Loyola, viu tudo: compaixão isolada fabrica uma sociedade hipersensível, tóxica, pronta a ofender-se por tudo e por nada.
Faltou-lhes a lição, que os
jesuítas ensinavam até no silêncio, segundo a qual a razão precisa da tradição
como o rio precisa das margens para não virar pântano. Sem a fé, a razão vira
técnica de legitimar apetites, o debate público se degrada em estatísticas
cegas e narrativas com pretensão de ciência.
Não digo que os jesuítas
fossem perfeitos, digo que foram mestres, inclusive dos seus críticos, como
Voltaire, Diderot e o próprio Condorcet. Havia disciplina intelectual,
seriedade de estudo, cosmopolitismo de referências: da Bíblia a Cícero, de
Tácito às navegações, da álgebra à cartografia. Educação era alta exigência com
alto propósito: salvar almas e fundar cidades. Cidades que favoreçam o cultivo
das virtudes e a vida segundo o Evangelho. Evangelização e civismo, cada qual
em seu foro, sem esquecer que o homem real tem corpo político e alma imortal.
Entre jesuítas e iluministas
há um ponto de ouro: alta exigência com finalidade pública, abertura metódica
da inteligência ao mundo e concepção universal de bens. A prudência está em não
romper a ponte. Quando os iluministas herdaram o rigor e expulsaram o sagrado,
ficaram com o mapa e perderam o território, preservaram o bisturi e perderam o
doente, guardaram o esqueleto e expulsaram a alma. Talvez nos caiba refazer a
síntese, recuperando o que foi interrompido com a supressão pontifícia de 1773
quanto ao bom ensino jesuítico, sem que retornasse com sua restauração em 1814.
Penso em sua seriedade, seu
rigor, seu amor à verdade, propondo, para este século XXI, um “novum trivium”
que devolva aos jovens a gramática para dizer, a lógica para pensar, a retórica
para persuadir, e, com elas, a medida de uma liberdade que saiba respeitar a
ordem, e de uma razão que saiba conviver com a tradição.
Título e Texto: Rafael
Nogueira, O Dia, 5-11-2025

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