quinta-feira, 21 de outubro de 2010

“Quando há mudança, a máquina dá uma chacoalhada”

FHC diz que o lulismo não veio para ficar e defende a alternância de poder até em São Paulo – Estado que ficará 20 anos sob o comando de seu partido

Nelson Blecher
Foto: Fredy Uehara



FHC faz palestra a empresários e executivos na Colômbia. Ele chamou Lula de “chefe de facção, em vez de chefe da nação

Em seu périplo de palestrante internacional, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso falou na semana passada a mais de uma centena de empresários e executivos brasileiros, reunidos no 15o Meeting Internacional promovido pelo Lide (Grupo de Líderes Empresariais) na colombiana Cartagena. Desfiou farpas contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva – “chefe de uma facção, em vez de chefe da nação”–, defendeu as privatizações de seu governo e fez uma tirada provocativa com os dois candidatos finalistas no segundo turno das eleições: “Ambos terão de se comprometer com a sustentabilidade: estão louquinhos pelos votos da Marina”. Depois respondeu a perguntas dos participantes – e foi aplaudidíssimo no Teatro Heredia.

À tarde, numa suíte de hotel improvisada em estúdio de TV, concedeu entrevistas em espanhol à emissora Caracol e ao jornal El Tiempo. A oito meses de completar 80 anos, FHC enfrenta cada questão com sua conhecida fala mansa e professoral. Por vezes, se entusiasma, principalmente quando a resposta envolve especulação intelectual. Ele discorda, por exemplo, de uma análise recente do sociólogo Gabriel Cohn. Cohn disse que não houve voto personalista no primeiro turno e que, nestas eleições, estão em jogo as políticas, não o herói que faz e desfaz. “A campanha no primeiro turno envolveu, sim, muito personalismo”, disse FHC a ÉPOCA. “Foi transferência direta do voto de Lula. Dilma não era conhecida. Se fosse só a política do Lula, seria diferente, sua candidata não teria a dificuldade que enfrenta agora.”

FHC se disse satisfeito com os novos “tom e discurso” que Serra, do PSDB, imprimiu à campanha neste segundo turno. Isso dentro dos cuidados necessários porque, segundo FHC, não se pode alterar uma linha de campanha de um momento para outro. E quanto ao PSDB? “Antes das eleições, boa parte da mídia matou o PSDB. Disse que estava liquidado”, afirma. “Mas, independentemente dos resultados do segundo turno, o partido continua forte.” E enumera os “Estados-chaves” em que venceu – como São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Tocantins –, além de mais meia dúzia de outros em que tem chance de ganhar no segundo turno – como Goiás, Alagoas e Piauí. Lamenta, porém, as vozes que o partido perdeu no Senado, como Arthur Virgílio e Tasso Jereissati. Atribui isso a uma ação do presidente Lula. “Ele fez o que ninguém fez na história: foi lá e atacou diretamente o candidato. Fez telemarketing: não vote em fulano.”

FHC surpreende ao discorrer sobre os argumentos em favor da alternância partidária no poder, da qual o melhor exemplo é a Inglaterra. Ela é necessária, afirma, em quaisquer condições. Mesmo em um Estado, como São Paulo, em que seu partido está enquistado. “O PSDB ganhou São Paulo mais uma vez. Nós vamos governar por 20 anos. Tudo bem: são governos excelentes. Agora, do ponto de vista da máquina existe uma acomodação. Quando há mudança, a máquina dá uma chacoalhada”, afirma. “Isso é contra meu interesse partidário, mas a favor do institucional. Seria bom que algum partido, possivelmente que não seja o PT, tivesse condições de se apresentar.”
Foto: Ivo Gonzalez/Agência Globo

CONTINUIDADE? 
FHC transmite a faixa a Lula, seu sucessor. “Ele só pôde botar o pé no acelerador quando o mundo favoreceu”, afirma.

A alternância, em resumo, é boa para arejar o jogo democrático, uma vez que os partidos acabam por se acomodar nas máquinas governamentais. “O ideal mesmo seria reduzir a ingerência dos partidos nessas máquinas.” 

Nestes tempos, porém, o que sucede é o oposto. Para FHC, em nenhuma outra época da história houve um governo, como o atual, em que cresceu tanto a ingerência do partido nas entranhas do Estado. Isso não ocorreu, segundo ele, nem no período militar, em que havia tecnocratas – em vez de partidários – controlados pelo regime. “No governo Lula, houve uma enorme penetração de sindicatos e partidos em tudo: na Petrobras, no Banco do Brasil, nos Correios, na Receita, na Polícia Federal”, diz. “E o que está acontecendo? São problemas, escândalos. Isso é natural quando o interesse privado se mistura com o interesse público.”


FHC discorda que o lulismo tenha vindo para ficar, como alguns cientistas políticos apregoam. “Em parte, é fruto da desigualdade e do oportunismo político” diz. “Por vezes me perguntam o que se pode fazer para que as políticas sociais, as Bolsas, não virem personalismos. Quem começou as Bolsas fui eu e nunca liguei meu nome a elas. No Chile e no México, não foram usadas como mecanismos do populismo.” Mas, se soubesse que o lulismo alcançaria uma projeção de tamanha popularidade, será que FHC não teria aprofundado os programas sociais em seu governo? “Eu não tinha condições. Conseguimos fazer uma coisa difícil, que foi estabilizar a economia, sem que fosse em detrimento da população”, diz ele. “Governei com crise (econômica) o tempo todo. O governo Lula só pôde botar o pé no acelerador quando o mundo favoreceu. Lula pôde fazer mais na área social graças à prosperidade global e ao fato de os países emergentes se beneficiarem da China.”

“No governo Lula, houve uma enorme penetração de sindicatos e partidos em tudo” 

Para FHC, acelerar o processo de integração social, criar políticas adequadas para enfrentar a crise financeira mundial e, claro, manter as políticas estabelecidas no governo anterior foram os pontos positivos da gestão de Lula. E qual será o legado que a história fará de seus mandatos? “A história depende de quem a escreve”, diz. “Tem múltiplas interpretações. Até hoje há quem defenda ou ataque Napoleão.” Lula, segundo ele, colou sua imagem à dos excluí dos. “No meu caso, ninguém poderá negar a estabilização e o Real, que era chamado de plano FHC até que deixei o governo.”
Nelson Blecher, Revista Época, nº 648, 15-10-2010

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